Faz agora um ano que Mons. Josemaria Escrivá, fundador e animador do Opus Dei, nos deixou. Eu estava participando de um colóquio cultural em um centro da Obra no exato momento em que nos chegou a notícia da sua morte, e, na qualidade da emoção dos participantes (há atitudes, palavras e olhares que não enganam, através das quais o corpo traduz o segredo da alma), eu adivinhei, como que num relâmpago, a profunda influência exercida por este homem nos seus discípulos.
Não é possível abrigar a menor dúvida quanto à influência do Fundador do Opus Dei. Eu não pertenço ao Opus Dei e, portanto, não estou “puxando a brasa para a minha sardinha”. No entanto, como testemunha imparcial de uma obra sobre a qual já ouvi dizer o pior e o melhor, posso afirmar que, em todos os contatos que tive com seus membros, jamais experimentei a atmosfera fechada e a dificuldade indefinível na respiração que caracterizam uma seita ou um partido. Encontrei, por toda a parte, o mesmo clima em que a ordem faz brotar a convergência das liberdades, em que a unidade de fins respeita a diversidade de caminhos, em que a disciplina é inspirada por motivos interiores, mais do que imposta de fora. Em resumo, num limite ideal, achei uma sociedade em que, segundo a fórmula admirável do Bossuet, “todo o mundo obedece sem que ninguém mande”.
O princípio que domina a espiritualidade de Mons. Escrivá resume-se nisso: presença do cristão no mundo temporal, santificação do trabalho e, acima de tudo, do trabalho profissional. Isso implica na superação da dicotomia tradicional entre a ação e a oração, o profano e o sagrado […]. Pode-se santificar as coisas chamadas profanas, aplicando-se a elas com amor; pode-se também, infelizmente!, profanar as coisas sagradas, misturando-as com a nossa mediocridade e com a nossa baixeza.
Seria escandaloso que as atividades que ocupam a terceira parte da vida dos homens escapassem ao mandamento que nos impele a “ser perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos Céus”. O trabalho profissional é o nosso caminho privilegiado para a perfeição: não podemos convertê-lo num beco sem saída.
É assim que se preenche o vazio que existe entre o eterno e o cotidiano […]. Não há um tempo para a ação e outro (completamente separado) para a oração. Mons. Josemaria Escrivá, apóstolo da unidade de vida, convida-nos, não a diluir Deus no mundo, mas a impregnar de Deus o mundo.
Gustave Thibon
Artigo publicado no jornal Le Figaro, de Paris, em 25 de junho de 1976.
*Gustave Thibon (1903-2001) como autodidata estudou o grego, o latim, os “Diálogos” de Platão, a filosofia de Aristóteles e a “Suma Teológica” de Santo Tomás de Aquino. Conheceu bem a obra de Nietzche e os sistemas da filosofia moderna, sem por isso tornar-se subjetivista. É sua a frase: “Eu não aspiro a iluminar os homens com a minha lanterna: minha única ambição é ajudá-los a melhor contemplar o sol”.