em Evangelho do dia

Novembro de 2015

 

01.11.2015 – Mt 5, 1-12a

Vendo Ele as multidões, subiu ao monte e sentou-Se. Acercaram-se os discípulos 2e Ele, tomando a palavra, pôs-se a ensiná-los, dizendo:

3Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.

4Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

5Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra.

6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.

7Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

8Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

9Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus.

10Bem-aventurados os perseguidos por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.

11Bem-aventurados sois, quando, por minha causa, vos injuriarem e perseguirem e disserem, falsamente, contra vós toda a espécie de mal.

12Alegrai-vos e exultai, porque será grande nos Céus a vossa recompensa.

Comentário

1-2. O Sermão da Montanha ocupa integralmente os caps. 5, 6 e 7 de São Mateus. Trata-se do primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus que aparecem neste Evan­gelho. Compreende uma considerável parte dos ensinamentos do Senhor.

Não é fácil de reduzir o discurso a um só tema, mas os diversos ensinamentos podem comodamente agrupar-se à volta destes cinco pontos: 1) o espírito que se deve ter para entrar no Reino dos Céus (as Bem-aventuranças, sal da terra e luz do mundo, Jesus e a Sua doutrina, plenitude da Lei); 2) rectidão de intenção nas práticas de piedade (aqui se inclui a oração do Senhor ou Pai-Nosso); 3) confiança na Providência paternal de Deus; 4) as relações fraternas dos filhos de Deus (não julgar o próximo, respeito pelas coisas santas, eficácia da oração e a regra de oiro da caridade); e 5) condições e fundamento para a entrada no reino (a porta estreita, os falsos profetas e edificar sobre rocha).

2. «Pôs-se a ensiná-los»: Refere-se tanto aos discípulos que rodeavam Jesus como às multidões ali presentes, se­gundo aparece no fim do Sermão da Montanha (Mt 7,28).

As Bem-aventuranças (5,3-12) constituem como que o pórtico do Sermão da Montanha. Para uma recta compreensão das Bem-aventuranças é conveniente ter em conta que nelas não se promete a salvação a umas determinadas classes de pessoas que aqui se enumerariam, mas a todos aqueles que alcancem as disposições religiosas e o comportamento moral que Jesus Cristo exige. Quer dizer, os pobres de espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacíficos e os que sofrem perseguição por buscar a santidade, não indicam pessoas distintas entre si, mas são como que diversas exigências de santidade dirigidas a quem quer ser discípulo de Cristo.

Pela mesma razão, também não prometem a salvação a determinados grupos da sociedade, mas a toda a pessoa que, seja qual for a sua situação no mundo, se esforce por viver o espírito e as exigências das Bem-aventuranças.

A todas elas é também comum o sentido escatológico, isto é, é-nos prometida a salvação definitiva não neste mundo, mas na vida eterna. Mas o espírito das Bem-aventuranças produz, já na vida presente, a paz no meio das tributações. Na história da humanidade, as Bem-aventuranças constituem uma mudança completa dos critérios humanos habituais: desqualificam o horizonte da piedade farisaica, que via na felicidade terrena a bênção e prêmio de Deus e, na infeli­cidade e desgraça, o castigo. Em todos os tempos as Bem-aventuranças põem muito por cima os bens do espírito sobre os bens materiais. Sãos e doentes, poderosos e débeis, ricos e pobres… são chamados, por cima das suas circunstâncias, à felicidade profunda daqueles que alcançam as Bem-aventu­ranças de Jesus.

É evidente que as Bem-aventuranças não contêm toda a doutrina evangélica. Não obstante contêm, como que em germe, todo o programa de perfeição cristã.

3. Neste versículo exprime-se de modo amplo a relação ida pobreza com o espírito. Este conceito religioso de pobre tinha já uma longa tradição no AT (cfr, p. ex., Soph 2,3 s). Mais que a condição social de pobre, expressa a atitude religiosa ide indigência e de humildade diante de Deus: é pobre o que corre a Deus sem considerar méritos próprios e confia só na misericórdia divina para ser salvo. Esta atitude religiosa da pobreza está muito aparentada com a chamada infância espiritual. O cristão considera-se diante de Deus como um filho pequeno que não tem nada em propriedade; tudo é de Deus seu Pai e a Ele o deve. De qualquer modo a pobreza em espírito, quer dizer, a pobreza cristã, exige o desprendimento dos bens materiais e austeridade no uso deles. A alguns, os religiosos, Deus pede-lhes o desprendimento inclusive jurídico das suas propriedades, como testemunho perante o mundo da condição passageira das coisas terrenas.

4. «Os que choram»: Chama aqui bem-aventurados Nosso Senhor todos os que estão aflitos por alguma causa e, de modo particular, aqueles que estão verdadeiramente arrependidos dos seus pecados, ou aflitos pelas ofensas que outros fazem a Deus, e que levam o seu sofrimento com amor e desejos de reparação.

«Choras? — Não te envergonhes. Chora; sim, os homens também choram, como tu, na solidão e diante de Deus. — Durante a noite, diz o rei David, regarei de lágrimas o meu leito.

«Com essas lágrimas, ardentes e viris, podes purificar o teu passado e sobrenaturalizar a tua vida actual» (Caminho, n° 216).

O Espírito de Deus consolará com paz e alegria, mesmo neste mundo, os que choram os pecados, e depois participarão da plenitude da felicidade e da glória do céu: esses são bem-aventurados.

5. «Mansos»: quer dizer, os que sofrem com paciência as perseguições injustas; os que nas adversidades mantêm o ânimo sereno, humilde e firme. e não se deixam levar pela ira ou pelo abatimento. É a virtude da mansidão muito necessária para a vida cristã. Normalmente as frequentes manifestações externas de irritabilidade procedem da falta de humildade e de paz interior.

«A terra»: Comummente entende-se em sentido trans­cendente, quer dizer, a pátria celestial.

6. O conceito de justiça na Sagrada Escritura é essen­cialmente religioso (cfr nota a Mt 1,19). Chama-se justo a quem se esforça sinceramente por cumprir a Vontade de Deus, que se manifesta nos mandamentos, nos deveres de estado e na união da alma com Deus. Por isso a justiça, na linguagem da Bíblia, coincide com o que actualmente cos­tuma chamar-se santidade (lIoh 2,29; 3,7-10; Apc 22,11; Gen 15,6; Dt 9,4). Como comenta São Jerónimo (Comm. in Matth.5.6). esta (quarta bem-aventurança de Nosso Senhor exige não um simples desejo vago de justiça, mas ter fome e sede dela, isto e, amar e buscar com todas as forças aquilo que torna justo o homem diante de Deus. O que de verdade quer a santidade cristã tem de amar os meios que a Igreja, instrumento universal de salvação, oferece e ensina a viver a todos os homens: frequência de sacramentos, convivência íntima com Deus na oração, fortaleza em cumprir os deveres familiares, profissionais, sociais.

7. A misericórdia não consiste apenas em dar esmola aos pobres, mas também em compreender os defeitos que possam ‘ter os outros, desculpá-los, ajudá-los a superá-los e amá-los mesmo com os defeitos que tenham. Também faz parte da misericórdia alegrar-se e sofrer com as alegrias e dores alheias.

A doutrina de Cristo ensina que a raiz da qualidade dos actos humanos está no coração, quer dizer, no interior do homem, no fundo do seu espírito: «Quando falamos de um coração humano, não nos referimos só aos sentimentos: aludimos à pessoa toda que quer, que ama, que convive com os outros. Ora, na maneira de os homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos ajudar a compreender as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções. Um homem vale o que vale o seu coração — diríamos com palavras bem humanas» (Cristo que passa, n° 164). A pureza de coração é um dom de Deus, que se manifesta na capacidade de amar, no olhar recto e puro para tudo o que é nobre. Como diz o Apóstolo, «tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, é o que deveis ter em mente» (Phil 4,8). O cristão, ajudado pela graça de Deus, deve lutar continuamente para purificar o seu coração e adquirir essa pureza, em virtude da qual se promete a visão de Deus.

9. A palavra «pacíficos» é a usual nas traduções e, além disso, etimologicamente é fiel ao texto. No livro sagrado tem claramente um sentido activo: «os que pro­movem a paz» em si mesmos, nos outros e, sobretudo, como fundamento do anterior, procuram reconciliar-se e recon­ciliar os outros com Deus. A paz com Deus é a causa e o cume de toda a paz. Será vã e enganadora qualquer paz no mundo que não se baseie nessa paz divina. «Serão chamados filhos de Deus»: É um hebraísmo muito frequente na Sagrada Escritura; é o mesmo que dizer «serão filhos de Deus». A primeira Epístola de São João (1Ioh 3, 1) dá-nos a exegese autêntica desta bem-aventurança: «Vede que amor nos mostrou o Pai: que sejamos chamados filhos de Deus e que realmente o sejamos».

10. Acerca do significado de «justiça» veja-se o dito em Mt 1,19; 5,6. Assim, pois, o sentido desta bem-aventurança é o seguinte: bem-aventurados os que sofrem perseguição por ser santos ou pelo seu empenho em ser santos, porque deles é o Reino dos Céus.

Portanto, é bem-aventurado o que sofre perseguição por ser fiel a Jesus Cristo, e a suporta não só com paciência mas com alegria. Na vida do cristão apresentam-se circunstâncias heroicas, nas quais não têm lugar meios termos; ou se é fiel a Jesus Cristo jogando-se a honra, a vida e os bens, ou O renegamos. São Bernardo (Sermão da Festa de Todos os Santos) diz que esta oitava bem-aventurança era como que a prerrogativa dos santos mártires. O cristão que é fiel à doutrina de Jesus Cristo é de facto também um «mártir» (testemunha) que reflecte ou cumpre esta bem-aventurança, mesmo sem chegar à morte corporal.

11-12. As Bem-aventuranças são as condições que Cristo pôs para entrar no Reino dos Céus. O versículo, à maneira de recapitulação, é um convite global a viver estes ensinamentos. A vida cristã não é, pois, tarefa fácil, mas vale a pena pela plenitude de vida que o Filho de Deus promete.

02.11.2015 – Mt 25, 31-46

31Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os Anjos com Ele, então sentar-Se-á no Seu trono de glória, 32e com­parecerão perante Ele todas as gentes, e Ele separá-los-á uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, 33e porá as ovelhas à Sua direita e os cabritos à Sua esquerda. 34Dirá então o Rei aos da Sua direita: «Vinde benditos de Meu Pai, entrai na herança do Reino que vos está preparado desde o princípio do mundo; 35pois tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e agasalhastes-Me, 36andava nu e vestistes-Me, estava doente e visitastes-Me, estava no cárcere e fostes ver-Me. 37Então os justos responder-Lhe-ão: « Senhor, quando é que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? 38Quando é que Te vimos peregrino e Te agasalhamos, ou nu e Te vestimos? 39Quando Te vimos doente ou no cárcere e Te fomos ver? 40E o rei responder-lhes-á: «Em verdade vos digo: Tudo o que fizestes a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes.» 41Então dirá aos da Sua esquerda: «Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Demônio e seus Anjos, 42pois tive fome e não Me destes de comer, tive sede e não Me destes de beber; 43era peregrino e não Me agasalhastes, estava nu e não Me vestistes, doente e no cárcere e não Me visitastes.» 44Então responderão também eles: «Senhor, quando é que Te vimos com fome ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente ou no cárcere e não Te assistimos?» 45E Ele responder-lhes-á: «Em verdade vos digo: Tudo o que não fizestes a um destes mais pequeninos, nem a Mim o fizestes.(» 46E irão estes para o Suplício eterno; os justos, porém, para a Vida eterna.

Comentário

31-46. As três parábolas precedentes (Mt 24, 42-51; 25, 1-13 e 25, 14-30) terminam com o anúncio de um juízo rigoroso e definitivo. Contemplamos agora a cena grandiosa deste acto final, que fará entrar todas as coisas na ordem da justiça. A tradição crista dá-lhe o nome de Juízo Final, para o distinguir do juízo particular a que cada um deverá ser submetido imediatamente depois da morte. A sentença ditada no fim dos tempos não será senão a confirmação pública e solene da sorte cabida já a eleitos e réprobos.

Neste passo torna-se claro o ensino de algumas verdades fundamentais da nossa fé: 1) A existência de um juízo universal no fim dos tempos. 2) A identificação que Cristo faz de Si mesmo com a pessoa de qualquer necessitado: faminto, sequioso, nu, doente, encarcerado. 3) Finalmente, a realidade de um suplício eterno para os maus e de uma felicidade eterna para os justos.

31-33. Nos testemunhos dos Profetas e no Apocalipse representa-se o Messias, como os juízes, num trono. Assim virá Jesus no fim dos tempos, para julgar os vivos e os mortos.

A verdade do Juízo Universal, que consta já nos primeiros símbolos da Igreja, é um dogma de fé definido solenemente por Bento XII na Constituição Benedictus Deus, de 29 de Janeiro de 1336.

35-46. Todas as facetas enumeradas no passo — dar de comer, dar de beber, vestir, visitar — são obras de amor cristão quando ao fazê-las a estes «pequeninos» se vê neles o próprio Cristo.

Daqui a importância do pecado de omissão. O não fazer uma coisa que se deve fazer supõe deixar Cristo desprovido de tais serviços.

«É preciso reconhecer Cristo que nos sai ao encontro nos nossos irmãos, os homens. Nenhuma vida humana é uma vida isolada; entrelaça-se com as outras. Nenhuma pessoa é um verso solto; todos fazemos parte de um mesmo poema divino, que Deus escreve com o concurso da nossa liberdade» (Cristo que passa, nº111).

Seremos julgados sobre o amor (cfr Avisos e sentenças espirituais, nº57). O Senhor pedir-nos-á contas não só do mal que tenhamos feito mas, além disso, do bem que tenhamos deixado de fazer. Desta forma, os pecados de omissão aparecem em toda a sua gravidade, e o amor ao próximo no seu fundamento último: Cristo está presente no mais pequeno dos nossos irmãos.

Escreve Santa Teresa de Jesus: «Cá, só estas duas coisas nos pede o Senhor: amor de Sua Majestade e do próximo; é no que devemos trabalhar. Guardando-as com perfeição é como fazemos a Sua vontade… O sinal mais certo que, segundo o meu parecer, há de que guardamos estas duas coisas, é guardando bem a do amor do próximo; porque se amamos a Deus, não se pode saber, ainda que haja indícios grandes para entender que O amamos; mas o amor do próximo, sim. E estai certas que quanto mais vos vejais aproveitadas neste, mais o estais no amor de Deus; porque é tão grande o que Sua Majestade nos tem, que em paga do que temos ao próximo, fará que cresça o que temos a Sua Majestade por mil maneiras: nisto eu não posso duvidar» (Moradas, V, 3).

Pela parábola vemos com clareza que o cristianismo não pode ser reduzido a uma sociedade de mera beneficência. O que dá valor sobrenatural a toda a ajuda em favor do próximo é prestá-la por amor de Cristo, vendo-O a Ele no próprio necessitado. Por isso São Paulo afirma que «ainda que repartisse todos os meus bens…, se não tenho caridade, e nada me serve» (l Cor 13, 3). Errada será, portanto, qualquer interpretação deste ensinamento de Jesus sobre o Juízo Final que pretenda dar-lhe um sentido materialista, ou que confunda a mera filantropia com a autêntica caridade cristã.

40-45. O Concilio Vaticano II, ao explicar as exigências da caridade cristã, que dá sentido à chamada assistência social, diz: «Vindo a conclusões práticas e mais urgentes, o Concilio recomenda a reverência para com o homem, de maneira que cada um deve considerar o próximo, sem excepção, como um ‘outro eu’, tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a levar dignamente, não imitando aquele homem rico que não fez caso algum do pobre Lázaro (cfr Lc 16, 18-31). Sobretudo «m nossos dias, urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem, e de o servir efectivamente quando vem ao nosso encontro — quer seja o ancião, abandonado de todos, ou o operário estrangeiro injustamente desprezado, ou o exilado, ou o filho duma união ilegítima que sofre injusta­mente por causa dum pecado que não cometeu, ou o indigente que interpela a nossa consciência, recordando a palavra do Senhor: ‘todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Gandium et spes, n. 27).

46. A existência de um castigo eterno para os réprobos e de um prêmio eterno para os eleitos é um dogma de fé definido solenemente pelo Magistério da Igreja no IV Concilio de Latrão do ano 1215: «Jesus Cristo (…) há-de vir no fim do mundo, para julgar os vivos e os mortos, e dar a cada um segundo as suas obras, tanto aos réprobos como aos eleitos: todos eles ressuscitarão com os seus próprios corpos que agora têm, para receberem segundo as suas obras — boas ou más —: aqueles, com o diabo, castigo eterno; e estes, com Cristo, glória sempiterna».

03.11.2015 – Lc 14, 15-24

15Quando isto ouviu, disse-Lhe um dos convivas: Feliz de quem tomar alimento no Reino de Deus. 16Respondeu-lhe Jesus: Certo as bodas homem ia dar um grande jantar e fez muitos convites. 17À hora do jantar, mandou o criado a dizer aos convidados: «Vinde, que as coisas já estão prontas». 18Mas todos, à uma, come­çaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: «Comprei um campo e preciso de ir vê-lo; peço-te que me dispenses». 19Disse outro: «Comprei cinco juntas de bois e vou experi­mentá-las; peço-te que me dispenses». 20E outro disse: «Casei-me e, por isso, não posso ir». 21O criado, ao chegar, comunicou isto ao senhor. Então, irritado, disse o dono da casa ao criado: «Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos». “«Se­nhor — disse o criado — está feito o que determinaste, e ainda há lugar». 23Disse o senhor ao criado: «Sai aos caminhos e às azinhagas e compele-os a entrar, a fim de se encher a minha casa. 24Pois vos digo que nenhum daqueles que foram convidados pro­vará do meu jantar».

Comentário

15. A expressão «tomar alimento no Reino de Deus» significa na linguagem da Bíblia participar da bem-aventurança eterna, simbolizada num grande banquete (cfr Is 25,6; Mt 22,1-14).

16-24. Diante do convite de Deus à fé e à correspon­dência pessoal, há que sacrificar qualquer interesse humano, por mais lícito e nobre que se nos apresente, se impede a resposta cabal ao chamamento divino. Essas aparentes razões ou deveres são, de facto, meras desculpas. Por isso aparece clara a culpabilidade dos convidados desagradecidos.

«Compele a entrar»: Não se trata de violentar a liberdade de ninguém — Deus não quer que O amemos a força —, mas de ajudar a decidir-se pelo bem, deixando os respeitos humanos, a ocasião de pecado, a ignorância… «Obriga-se alguém a entrar» com a oração, com o sacrifício, com o teste­munho de uma vida cristã, com a amizade, numa palavra, com o apostolado. «Se, para salvar uma vida terrena, empregamos a força, com o aplauso de todos, para evitar que um homem se suicide…, não havemos de poder empregar a mesma coacção — a santa coacção — para salvar a Vida (com maiúscula) de muitos que se obstinam em suicidar idiotamente a sua alma?» (Caminho, n° 399).

04.11.2015 – Lc 14, 25-33

25Caminhavam com Jesus grandes multidões. Ele voltou-Se e disse-lhes: 26Se alguém vem ter comigo sem odiar pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo. 27Quem não carrega com a sua cruz para vir após Mim não pode ser Meu discípulo.

28Pois, quem dentre vós, querendo cons­truir uma torre, não se senta primeiro a calcular a despesa e a ver se tem com que acabá-la? 29Não suceda que, depois de assen­tar os alicerces, não podendo completá-la, comecem todos os que vêem a troçar dele, 30dizendo: «Este homem começou a construir e não pôde completar». 31Ou qual é o rei que parte ao encontro de outro rei, para travar combate, e não se senta primeiro a deliberar se é capaz de se opor, com dez mil soldados, àquele que vem sobre ele com vinte mil? 32Aliás, estando o outro ainda longe, manda-lhe uma deputação a pedir as condições de paz. 33Assim, pois, todo aquele dentre vós que não se desliga de todos os seus haveres não pode ser Meu discípulo.

Comentário

26. Estas palavras do Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus e a Jesus Cristo deve ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar tudo aquilo que ponha obstáculos a este amor: «Amemos neste mundo a todos, comenta São Gregório Magno, ainda que seja ao inimigo; mas odeie-se o que se nos opõe no caminho de Deus, ainda que seja parente… Devemos, pois, amar o próximo; devemos ter caridade com todos; com os parentes e com os estranhos, mas sem nos afastarmos do amor de Deus por amor deles» (In Evangelia homiliae, 37,3). Em última análise, trata-se de observar a ordem da caridade: Deus tem priori­dade sobre tudo.

Este versículo há-de entender-se, portanto, dentro do conjunto dos ensinamentos e das exigências do Senhor (cfr Lc 6,27-35). Estas palavras «são duras. Decerto nem o odiar nem o aborrecer exprimem bem o pensamento original de Jesus. De qualquer maneira, as palavras do Senhor foram fortes, pois não se reduzem a um amor menor, como por vezes se interpreta temperadamente, para suavizar a frase. E tremenda essa expressão tão taxativa, não porque implique uma atitude negativa ou impiedosa, pois o Jesus que fala agora é o mesmo que manda amar os outros como a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens: aquela locução indica simplesmente que perante Deus não cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com um amor egoísta nem também com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus» (Cristo que passa, n° 97). Cfr. as notas a Mt 10,34-37; Lc 2,49).

Como explica o Concilio Vaticano II, os cristãos «pro­curam mais agradar a Deus que aos homens, sempre dispostos a deixar tudo por Cristo» (Apostolicam actuositatem, n. 4).

27. Cristo «sofrendo por nós, não só nos deu exemplo, para que sigamos os Seus passos, mas também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificados e recebem um novo sentido» (Gaudium et spes, n. 22).

O caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não há outro modo de o seguir senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência mostra-nos a realidade do sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se aceita com sentido cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus que nos santifica por meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos tornarmos merecedores da glória. Por isso é tão cristão amar a dor: «Bendita seja a dor. — Amada seja a dor. — Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!» (Caminho, n° 208).

28-35. O Senhor mostra-nos com diversas comparações que se a própria prudência humana exige que o homem preveja os riscos das suas empresas, com maior razão o cristão se abraçará voluntária e generosamente à Cruz, porque sem ela não poderia seguir Jesus Cristo «’Quia hic homo coepit aedificare et non potuit consummare!’ — come­çou a edificar e não pôde terminar!

«Triste comentário, que, se quiseres, não se fará de ti, porque tens todos os. meios para coroar o edifício da tua santificação: a graça de Deus e a tua vontade» (Caminho, n° 324).

33. Se antes o Senhor falou de «odiar» os pais e até a = própria vida, agora exige com igual vigor o desprendimento total das riquezas. Este versículo é aplicação directa das duas parábolas anteriores: assim como é imprudente um rei que pretende lutar com um número insuficiente de soldados, também é insensato quem quiser seguir o Senhor sem renunciar a todos os seus bens. Esta renúncia das riquezas há-de ser efectiva e concreta: o coração deve estar desembaraçado de todos os bens materiais para poder seguir os passos do Senhor. E é que, como dirá mais adiante, é Impossível «servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16,13). Não é infrequente que o Senhor peça a alguns viver em pobreza absoluta e voluntária; e de todos exige o desprendimento afectivo e a generosidade ao empregar os bens materiais. Se cristão há-de estar pronto a renunciar à própria vida, com mais motivo há-de está-lo relativamente às riquezas: «Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo empenho que põem os homens do mundo em possuí-las» (Caminho. n° 633). Cfr. a nota a Lc 12,33-34.

Por outro lado, para que a alma possa encher-se de Deus há-de esvaziar-se primeiro de tudo aquilo que lho pudesse impedir: «A doutrina que o Filho de Deus veio ensinar foi o menosprezo de todas as coisas, para poder receber o preço do espírito de Deus em si. Porque, enquanto não.se desfizer delas, a alma não tem capacidade para receber o espírito de Deus em pura transformação» (Subida ao Monte Carmelo, liv. I, cap. 5, n° 2).

05.11.2015 – Lc 15, 1-10

Ora os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus para O ouvirem. 2E os Fariseus e os Escribas murmuravam entre si, dizendo: Este homem acolhe os pecadores e come com eles. 3Pro­pôs-lhes então a seguinte parábola: 4Quem dentre vós — disse Ele — possuindo cem ovelhas e, tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, para ir atrás da que está perdida, até a encontrar? 5E, ao encontrá-la, a não põe, radiante, aos ombros 6e, ao chegar a casa, não convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: «Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha perdida.»? 7Eu vos digo que haverá assim mais alegria no Céu por um só pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não têm necessidade de arrepen­dimento.

8Ou qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, não varre a casa e não procura cuidadosamente, até a encontrar? 9Ao encon­trá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: «Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que perdera». 10Assim, vos digo Eu, é que há alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se arrepende.

Comentário

1-32. Com as Suas obras Jesus manifesta a misericórdia divina: aproxima-Se dos pecadores para os converter. Os escribas e os fariseus, que desprezam os pecadores, não compreendem esse comportamento de Jesus, e murmuram d’Ele; será ocasião para que Nosso Senhor pronuncie as parábolas da misericórdia. «O Evangelista que trata de modo particular estes temas do ensino de Cristo é São Lucas, cujo Evangelho mereceu ser chamado ‘o Evangelho da misericórdia’» (Dives in misericórdia, n 3).

Neste capítulo São Lucas recolhe três destas parábolas, em que de modo gráfico Jesus descreve a infinita e paternal misericórdia de Deus, e a Sua alegria pela conversão do pecador.

O Evangelho ensina que ninguém está excluído do per dão, e que os pecadores podem chegar a ser filhos que­ridos de Deus mediante o arrependimento e a conversão. E é tal o desejo divino de que os pecadores se convertam que as três parábolas terminam repetindo, a modo de estribilho, a alegria grande no Céu por cada pecador arrependido.

1-2. Não é esta a primeira vez que publicanos e peca­dores se aproximam de Jesus (cfr Mt 9,10). A pregação do Senhor atraía pela sua simplicidade e pelas suas exigências de entrega e de amor. Os fariseus tinham-Lhe inveja porque a gente ia atrás d’Ele (cfr Mt 26,3-5; Ioh 11,47). Essa atitude farisaica pode repetir-se entre os cristãos: uma dureza de juízo tal que não aceite que um pecador, por maiores que tenham sido os seus pecados, possa converter-se e ser santo; uma cegueira de mente tal que impeça reconhecer o bem que fazem os outros e alegrar-se disso. Nosso Senhor já vai ao encontro desta atitude errada quando responde aos Seus discípulos que se queixam de que outros expulsem demônios em Seu nome: «Não lho proibais, pois não há ninguém que faça um milagre em Meu nome e possa a seguir falar mal de Mim» (Mc 9,39). Igualmente São Paulo alegrava-se de que i. outros anunciassem Cristo, e inclusivamente passava por alto que o fizessem por interesse, desde que Cristo fosse pregado (cfr Phil 1,17-18).

5-6. A tradição cristã, fundada também noutros passos evangélicos (cfr Ioh 10,11), aplica esta parábola a Cristo, Bom Pastor, que sente falta e busca com afã a ovelha perdida: o Verbo, desencaminhada a humanidade pelo pecado, sai ao seu encontro na Encarnação. Neste sentido comenta São Gregório Magno: «Pôs a ovelha aos ombros, porque, ao assumir a natureza humana, Ele próprio carregou com os nossos pecados» (In Evangelia homiliae, 2,14).

O Concilio Vaticano II aplica estes versículos de São Lucas ao cuidado pastoral que hão-de ter os sacerdotes: «No seu trato e solicitude de cada dia, não se esqueçam de apresentar aos fiéis e infiéis, aos católicos e não católicos, a imagem do autêntico ministério sacerdotal e pastoral, de dar a todos o testemunho de verdade e de vida, e de procurar também, como bons pastores, aqueles que, baptizados embora na Igreja católica, abandonaram os sacramentos ou até mesmo a fé» (Lumen gentium, n 28). Mas um cuidado semelhante, vivido fraternalmente, incumbe também a todo o fiel cristão, que deve ajudar os seus irmãos os homens no caminho da salvação e da santificação.

7. Isto não quer dizer que o Senhor não estime a perseverança dos justos, mas que aqui se põe em realce o gozo de Deus e dos bem-aventurados diante do pecador que se converte. É um claro chamamento ao arrependimento e a não duvidar nunca do perdão de Deus.« Outra queda…, e que queda!… Desesperar-te? Não; humilhar-te e recorrer, por Maria, tua Mãe, ao Amor Misericordioso de Jesus. — Um ‘miserere’ e, coração ao alto! — A começar de novo» (Cami­nho, n° 711).

8. A dracma era uma moeda de prata que equivalia a um denário, isto é, aproximadamente o jornal de um trabalhador agrícola (cfr Mt 20,2).

06.11.2015 – Lc 16, 1-8

Disse também aos Seus discípulos: Havia um homem rico, que tinha um infiel administrador, e este foi acusado perante ele de lhe malbaratar os bens. 2Chamou-o e disse-lhe: «Que é isto que oiço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não poderás administrar». 3Disse consigo o administrador: «Que hei-de fazer, visto o meu senhor me ir tirar a administração? Cavar não posso; mendigar, tenho vergo­nha… 4Já sei o que hei-de fazer, para que me recebam em casa, quando for removido da administração». 5E, mandando chamar um a um os devedores do seu senhor, disse ao primeiro: «Quanto deves ao meu senhor?». 6Este respondeu: «Cem talhas de azeite». «Toma o teu recibo — retorquiu-lhe — sen­ta-te depressa e escreve cinquenta». 7A seguir, disse a outro: «E tu, quanto deves?». Este respondeu: «Cem medidas de trigo». «Toma o teu recibo — retorquiu-lhe — e escreve oi­tenta». 8E o senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido acautelada-mente. E que os filhos deste mundo são mais cautelosos que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.

Comentário

1-8. O administrador infiel congemina o modo a resolver a sua futura situação de indigência. O Senhor dá por suposta — era evidente — a imoralidade de tal actuação. Põe em realce e louva, porém, a agudeza e o empenhe» que demonstra este homem para tirar proveito material da sua antiga condição de administrador. Jesus quer que na salvação da alma e na propagação do Reino de Deus apliquemos, pelo menos, a mesma sagacidade e o mesmo esforço» que põem os homens nos seus negócios materiais ou na luta por fazer triunfar um ideal humano. O facto de contar com a graça de Deus não exime de modo algum de pôr todos os meios humanos honestos que sejam possíveis, ainda que isso suponha esforço árduo e sacrifício heroico.

«Que empenho põem os homens nas suas coisas terrenas!: sonhos de honras, ambição de riquezas, preocupações de sensualidade. — Eles e elas, ricos e pobres, velhos e homens feitos, e jovens, e até crianças; todos, a mesma coisa.

«—Quando tu e eu pusermos o mesmo empenho nos assuntos da nossa alma, teremos uma fé viva e operante; e não haverá obstáculo que não vençamos nos nossos empreen­dimentos apostólicos» (Caminho, n° 317).

07.11.2015 – Lc 16, 9-15

9E Eu digo-vos a vós: Arranjai amigos com o vil dinheiro para, quando este faltar, eles vos receberem nas tendas eternas.

10Quem é fiel em mui pouco é fiel também em muito, e quem é infiel em mui pouco é infiel também em muito.

11Portanto, se não fostes fiéis no que toca ao vil dinheiro, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? 12E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso?

13Nenhum servo pode servir a dois senho­res, porquanto, ou há-de odiar a um e amar o outro, ou então ligar-se-á a um, desprezando o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.

14Os Fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam tudo isto e escarneciam d’Ele. 15Disse-lhes então: Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Ora o que se dá por sublime entre os homens é abominável aos olhos de Deus.

Comentário

9-11. Chama-se aqui «vil dinheiro» — aos bens deste mundo que foram obtidos por processos injustos. É tanta a misericórdia divina que essa mesma riqueza injusta pode ser também ocasião de virtude por meio da restituição, da reparação de danos e prejuízos e, depois, excedendo-se na ajuda ao próximo, nas esmolas, no fomento das fontes de trabalho, de riqueza, etc. Tal é o caso de Zaqueu, chefe de publicanos, que se compromete a restituir o: quádruplo do que tivesse roubado e, além disso, a entregar a metade dos seus bens aos necessitados. O Senhor diante dessa atitude declara categoricamente que a salvação entrou naquele dia na casa de Zaqueu (cfr Lc 19, 1-10).

Nosso Senhor fala de fidelidade no pouco referindo-se às riquezas, já que na realidade estas são mui pouca coisa comparadas com os bens espirituais. .Se o homem é fiel, generoso e desprendido no uso dessas riquezas caducas, receberá no fim o prêmio da vida eterna, a riqueza máxima e definitiva. Por outro lado, a vida humana pela sua própria natureza é um tecido de coisas pequenas; quem não lhes prestar atenção não poderá realizar coisas grandes. «Tudo aquilo em que intervimos nós, os pobrezitos dos homens — mesmo a santidade — é um tecido de pequenas coisas, que — segundo a intenção com que se fazem — podem formar uma tapeçaria esplêndida de heroísmo ou de baixeza, de virtudes ou de pecados.

«As gestas relatam sempre aventuras gigantescas, mas misturadas com pormenores caseiros do herói. — Oxalá tenhas sempre em muito apreço — é a linha recta! — as coisas pequenas» (Caminho, n° 826).

A parábola do administrador infiel é uma imagem da vida do homem. Tudo o que temos é dom de Deus, e nós somos os seus administradores, que tarde ou cedo teremos de Lhe prestar contas.

12. Por alheio entendem-se os bens deste mundo, porque são passageiros e mutáveis. Por vosso entendem-se os bens do espírito, valores imperecedoiros, que são radicalmente nossos porque nos acompanharão na vida eterna. Por outras palavras: como nos irá ser dado o Céu se não tivermos sido fiéis na terra?

13-14. O serviço na antiguidade levava consigo uma dedicação tão total e absorvente ao amo que não havia lugar para compartilhá-la com outro trabalho ou com outro amo.

A tarefa do nosso serviço a Deus, da nossa santificação, exige que encaminhemos para Ele todos os actos da nossa vida. O cristão não tem um tempo para Deus e outro para os negócios deste mundo, mas estes devem converter-se em serviço a Deus e ao próximo pela rectidão de intenção, pela justiça e pela caridade.

Os fariseus zombam da exigência de Jesus para justifi­carem o apego que tinham às riquezas; por vezes também os homens procuram ridicularizar o serviço total a Deus e o desprendimento dos bens materiais porque não só não estão dispostos a pô-lo em prática, mas nem sequer concebem que outros possam ter essa generosidade: parece-lhes que devem existir sempre interesses ocultos.

Veja-se também a nota a Mt 6,24.

15. «Abominável»: A palavra original grega significa culto aos ídolos e, por derivação, o horror que tal culto produz no verdadeiro adorador de Deus. Por isso a frase exprime a repugnância que produz a Deus a atitude dos fariseus, que ao quererem ser exaltados se põem, como ídolos, no lugar de Deus.

08.11.2015 – Mc 12, 38-44

38E Ele, no Seu ensino, dizia: Guardai-vos dos Escribas, que gostam de passear com vestidos roçagantes, de ser saudados nas praças, 39de ocupar as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; 40que devoram as casas das viúvas e simulam orar longamente. Estes receberão julgamento mais severo.

41Sentando-Se depois defronte do gazofilácio, observava como a gente lá deitava moedas de cobre. Muitos ricos deitavam muito. 42Veio uma pobre viúva e deitou duas pequeninas moedas, que perfaziam um quadrante. 43E Ele, chamando os discípulos disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deitou no gazofilácio mais que todos. 44Pois que todos deitaram do que lhes sobejava, mas esta, da sua indigência, deitou quanto tinha, todo o seu sustento.

Comentário

38-40. O Senhor repreende o afã desordenado das honras humanas: «Deve advertir-se que não proíbe as saudações na praça nem ocupar os primeiros assentos àqueles a quem corresponde pelo seu ofício; mas previne os fiéis de que devem evitar, como homens maus, os que amam indevida­mente tais honras» (In Marci Evangelium expositio, ad loc.). Vid. também as notas a Mt 23,2-3.5.11.14.

41-44. O pequeno episódio é ocasião para que Nosso Senhor dê um ensinamento em que quer realçar a impor­tância do que aparentemente é insignificante. Usa uma expressão um tanto paradoxal: a pobre viúva deitou mais que os ricos. Diante de Deus o valor das acções consiste mais na rectidão de intenção e na generosidade de espírito, que na quantia do que se dá. «Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva deixou no Templo a sua pequena esmola? — Dá-Lhe tu o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres» (Caminho, n° 829). Por isso mesmo, também são agradáveis a Deus as nossas acções, ainda que não tenham a perfeição que seria de desejar. São Francisco de Sales comenta: «Como no tesouro do Templo foram estimadas as duas moedazinhas da pobre viúva (…), as pequenas obras boas, ainda que cumpridas com um pouco de descuido e não com toda a energia da nossa caridade, não deixam de ser gratas a Deus e de ter o seu mérito diante d’Ele; donde, ainda que elas por si mesmas não valham para aumentar o amor precedente (…), a Providência divina, que toma conta delas e pela Sua bondade as estima, imediatamente as recompensa com aumento de caridade nesta vida e com a atribuição de maior glória no Céu» (Tratado do amor de Deus, livro 3, cap. 2).

 

09.11.2015 – Jo 2, 13-22

13Estava próxima a Páscoa dos Judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14Encontrou no Templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas, e os cambistas abancados. 15Fez um chicote de cordas e a todos expulsou do Templo, incluindo as ovelhas e os bois; des­pejou os trocos dos banqueiros, derribando-lhes as mesas, 16e disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui; não façais da casa de Meu Pai casa de comércio, 17lembra­ram-se os discípulos de que estava escrito: Devorar-Me-á o zelo pela Tua casa. 18Tomaram então os Judeus a palavra e perguntaram-Lhe: Que sinal nos apresentas para assim procederes? 19Respondeu-lhes Jesus: Desfazei este Santuário e Eu em três dias o levantarei. 20Disseram então os Judeus: Há quarenta e seis anos que se tem estado a construir este Santuário, e Tu em três dias o hás-de levantar? 21Ele, porém, dizia isto a respeito do Santuário do Seu corpo. 22Por isso, quando ressuscitou dos mortos, recor­daram-se os discípulos de que Ele o tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus pronunciara.

Comentário

13. «Páscoa dos Judeus»: Era a festa religiosa mais importante do povo do Antigo Testamento, prefiguração da Páscoa cristã (cfr a nota a Mt 26,2). A Páscoa judaica cele­brava-se no dia 14 do mês de Nisan e a seguir vinha a semana festiva dos Ázimos (pão sem fermento). Segundo a Lei de Moisés, em tais dias todo o israelita devia «apresentar-se diante do Senhor» (Ex 34,23; Dt 16,16). Isto explica o pie­doso costume da peregrinação ao Templo de Jerusalém para estas festas, a grande aglomeração de gente e a afluência de vendedores, que abasteciam as necessidades dos peregrinos, mas que davam lugar a sérios abusos.

«Jesus subiu a Jerusalém»: Com isso faz manifestação pública da Sua observância da Lei de Deus. Mas, segundo mostram os factos que acontecem a seguir, vê-se que Jesus Cristo acorre ao Templo como quem é: o Filho Unigênito, que deve velar pelo decoro e pela honra devidos à Casa de Seu Pai. «E desde então Jesus, o Ungido de Deus, começa sempre por reformar os abusos e purificar do pecado; tanto quando visita a Sua Igreja, como quando visita a alma cristã» (Orígenes, Homílias sobre São João, 1).

14-15. Todo o israelita tinha de oferecer como sacrifício na festa da Páscoa um boi ou uma ovelha, se era rico; ou duas rolas ou dois pombos, se era pobre (Lev 5,7). Além disso, devia pagar cada ano meio siclo, se tinha feito os 20 anos. O meio siclo, que equivalia ao jornal de um operário, era uma moeda especial, chamada também moeda do Templo (Ex 30,13); as outras moedas em uso (denários, dracmas, etc.), por levarem impressas a efígie de autoridades pagãs, eram consideradas impuras. Por ocasião da Páscoa, quando o concurso de gente era maior, o átrio exterior do Templo ou pátio dos gentios enchia-se de vendedores, cambistas, etc., com as consequências imagináveis: ruído, vozearia, mugidos, estéreo… Já os profetas tinham fustigado tal abuso (cfr Zach 14,21) introduzido com a autorização tácita das autoridades do Templo, que obtinham assim boas receitas. Cfr as notas a Mt 21,12-13 e a Mc 11,15-18.

16-17. «Devorar-me-á o zelo pela Tua casa »: Trata-se de uma citação do Salmo 69,10. Jesus acaba de fazer uma afirmação transcendente: «Não façais da casa de Meu Pai casa de comércio». Ao chamar a Deus Seu Pai e ao actuar com grande fortaleza, proclama-Se diante de todos o Messias Filho de Deus. O zelo de Jesus pela glória de Seu Pai não passou despercebido aos discípulos, que viram na Sua con­duta cumpridas as palavras do Salmo 69.

18-22. O Templo de Jerusalém, que tinha substituído o antigo Santuário que os israelitas transportavam no deserto, era o lugar escolhido por Deus durante o Antigo Testa­mento para manifestar de uma maneira especial a Sua presença no meio do povo. Mas essa realidade antiga era apenas uma figura ou antecipação imperfeita da realidade plena da presença de Deus entre os homens, que é o Verbo de Deus feito carne. Jesus, em que «habita toda a plenitude da divindade corporalmente» (Col 2,9), é a plena presença de Deus aqui na terra e, portanto, o verdadeiro Templo de Deus. Jesus identifica o Templo de Jerusalém com o Seu próprio Corpo, e deste modo refere-Se a uma das verdades mais profundas sobre Si mesmo: a Encarnação. Depois da Ascen­são do Senhor aos Céus essa presença real e especialíssima de Deus no meio dos homens continua no sacramento da Santíssima Eucaristia.

O comportamento e as expressões de Cristo quando ex­pulsava os vendedores do Templo manifestam claramente que Ele é o Messias anunciado pelos profetas. Por isto se aproximam alguns judeus e Lhe pedem um sinal do Seu poder (cfr Mt 16,1; Mc 8,11; Lc 11,29). As autoridades judai­cas tentaram transformar a resposta de Jesus (v. 20), que ficou obscura até ao momento da Sua Ressurreição, numa invectiva contra o Templo, digna da pena de morte (Mt 26,61; Mc 14,58; cfr ler 26,4 ss.); utilizaram-na depois com sarcasmo contra o Senhor agonizante na Cruz (Mt 27,40; Mc 15,29) e, mais tarde, bastou-lhes ouvi-la repetir a Santo Estêvão para o acusarem perante o Sinédrio (Act 6,14).

Nas palavras pronunciadas por Jesus não há nada depre­ciativo, como pretenderiam depois as falsas testemunhas. O milagre que lhes oferece, a que chama «o sinal de Jonas» (cfr Mt 16,4) será a Sua própria Ressurreição ao terceiro dia. Para indicar a grandiosidade do milagre da Sua Ressur­reição, Jesus recorre a uma metáfora: é como se dissesse: Vedes este Templo? Pois bem, imaginai-o destruído. Não seria um grande milagre reconstruí-lo em três dias? Isto farei Eu como sinal. Porque vós destruireis o Meu Corpo, que é o Templo verdadeiro, e Eu o voltarei a levantar ao terceiro dia.

A declaração de que Jesus é o Templo de Deus ficou encoberta para todos. Judeus e discípulos pensaram que o Senhor falava de voltar a edificar o Templo que Herodes o Grande tinha começado a construir no ano 19-20 a.C. Os discípulos entenderam depois o verdadeiro sentido da ex­pressão.

10.11.2102 – Lc 17, 7-10

7Qual de vós, que tenha um criado a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá, quando ele entrar do campo: «Vem cá depressa e põe-te à mesa.»? 8Não lhe dirá antes: «Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, enquanto eu como e bebo; depois disso é que tu hás-de comer e beber»? 9Irá agradecer ao criado por ter feito o que lhe tora mandado? 10Assim, vós também, quando tiverdes feito tudo o que se vos mandou, dizei: «Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.»

Comentário

7-10. Jesus não aprova esse tratamento abusivo e arbi­trário do amo, mas serve-Se de uma realidade muito quoti­diana para as gentes que O escutavam, e ilustra assim qual deve ser a disposição da criatura diante do seu Criador: desde a nossa própria existência até à bem-aventurança eterna que nos é prometida, tudo procede de Deus como um imenso presente. Daí que o homem sempre esteja em dívida com o Senhor, e por mais que faça no Seu serviço as suas acções não passam de ser uma pobre correspondência aos dons divinos. O orgulho diante de Deus não tem sentido numa criatura. O que aqui nos inculca Jesus vemo-lo feito realidade na Virgem Maria, que respondeu diante do anúncio divino: «Eis a escrava do Senhor» (Lc 1,38).

11.11.2015 – Lc 17, 11-19

11Na Sua marcha para Jerusalém, ia passando entre a Samaria e a Galileia. 12Ao entrar em certa povoação, vieram-Lhe ao encontro dez leprosos, que, mantendo-se a distância, 13ergueram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem piedade de nós. 14Este, ao vê-los, disse-lhes: Ide mostrar-vos aos sacerdotes. Enquanto iam a caminho, ficaram limpos. 15Um deles, vendo que se tinha curado, voltou, glorificando a Deus em alta voz, 16e caiu a Seus pés com a face em terra, agradecen­do-Lhe. E esse era samaritano. 17Jesus tomou a palavra e disse: Não ficaram limpos os dez? Então, onde estão os outros nove? 18Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro? 19E disse-lhe a ele: Levanta-te e segue o teu caminho. Salvou-te a tua fé.

Comentário

11-19. O lugar onde se desenrola a cena explica que tivesse andado um samaritano junto com uns judeus. Havia uma antipatia mútua entre ambos os povos (cfr Ioh 4,9), mas a dor unia aqueles leprosos por cima dos ressentimentos de raça.

Segundo estava mandado na Lei de Moisés, os leprosos, precisamente para evitar o contágio, deviam viver longe do convívio com a gente, e dar mostras visíveis da sua doença (cfr Lev 13,45-46). Isto explica que não se aproximem de Jesus e daqueles que O acompanhavam, mas de longe expusessem o pedido aos gritos. O Senhor, antes de os curar, manda-lhes que vão aos sacerdotes para que certifiquem a sua cura (cfr Lev 14,2 ss.) e cumpram os ritos estabelecidos. A obediência dos leprosos ao mandato de ir aos sacerdotes supõe uma prova de fé nas palavras de Jesus. Efectivamente, pouco depois de se porem a caminho ficam limpos.

Contudo, só um deles, o samaritano que volta para trás louvando e agradecendo o milagre, recebe um dom ainda maior que a cura da lepra. Jesus, com efeito, diz-lhe: «Sal­vou-te a tua fé» (v. 19), e louva as manifestações de agradeci­mento deste homem. O Evangelho conservou-nos a cena para ensinamento nosso. «Habitua-te a elevar o coração a Deus em acção de graças, muitas vezes ao dia. — Porque te dá isto e aquilo. — Porque te desprezaram. — Porque não tens o que precisas, ou porque o tens.

«Porque fez tão formosa a Sua Mãe, que é também tua Mãe. — Porque criou o Sol e a Lua e este animal e aquela planta. — Porque fez aquele homem eloquente e a ti te fez difícil de palavra…

«Dá-Lhe graças por tudo, porque tudo é bom» (Caminho, n° 268).

12.11.2015 – Lc 17, 20-25

20Interrogado pelos Fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, respondeu-lhes, dizendo: O Reino de Deus não vem com apa­rato; 21nem se dirá: «ei-lo aqui» ou «ali»; pois o Reino de Deus está dentro de vós.

22Disse depois aos discípulos: Dias virão em que tereis o desejo de ver um dos dias do cristo Filho do homem, e não o vereis! 23Dir-vos-ão: «ei-lo ali», ou então: «ei-lo aqui». Não quei­rais lá ir nem os sigais. 24Pois, assim como o relâmpago, ao faiscar, brilha dum lado ao outro do horizonte, assim será o Filho do homem no Seu dia. 25Mas primeiro tem Ele de sofrer muito e de ser rejeitado por esta geração.

Comentário

20-21. Os fariseus, como outros muitos judeus daquela época, imaginavam o estabelecimento do Reino de Deus como um poder visível, externo, político. Jesus, pelo con­trário, ensina que é um poder eminentemente espiritual, sobrenatural, que desde a Sua vinda já está a agir — ainda que a sua culminação seja depois da Sua segunda vinda ou Parusia no fim dos tempos—, sobretudo no interior dos homens, ainda que também seja visível e externo — como é visível a Igreja —.

A presença do Reino de Deus em cada alma percebe-se através dos afectos e inspirações que o Espírito Santo comunica. Santa Teresinha explica assim a sua própria experiên­cia: «O Doutor dos doutores ensina sem grandes discursos. Nunca O ouvi falar, mas sei que está em mim. Em todos os instantes me guia e me inspira; mas precisamente no mo­mento oportuno é quando descubro claridades desconhecidas até então. Regularmente não brilham aos meus olhos nas horas de oração, mas no meio das ocupações do dia» (História de uma alma, cap. 8).

22. Depois de os Apóstolos receberem o Espírito Santo no dia de Pentecostes, consagrarão toda a sua vida a pregar com valentia e audácia a mensagem de Jesus Cristo, e a ganhar todos os homens para o Senhor. Isto acarretar-lhes-á muitas e graves contradições, e sofrerão tanto que desejarão ver «um dos dias do Filho do homem», isto é, um dos dias de triunfo de Jesus Cristo. Mas este triunfo glorioso não chegará até à segunda vinda do Senhor.

13.11.2015 – Lc 17, 26-37

26Como sucedeu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem: 27comiam, bebiam, casavam-se, até ao dia em que Noé entrou na arca e veio o dilúvio, que a todos perdeu. 28Dar-se-á o mesmo que sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam. 29Mas no dia em que Lot saiu de Sodoma, Ele fez chover do céu fogo e enxofre e a todos perdeu. 30Assim será no dia em que Se revelar o Filho do homem. 31Nesse dia, quem se encontrar no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar, e quem estiver no campo não volte igualmente atrás. 32Lembrai-vos da mulher de Lot. 33Quem procurar preservar a sua vida perde-la-á, e quem a perder conservá-la-á. 34Eu vos digo: Nessa noite haverá dois numa cama: um será tomado, e o outro deixado. 35Haverá duas a moer em conjunto: uma será tomada, e a outra deixada.36 (Haverá dois no campo: um será tomado e o outro deixado.)

37Eles tomam a palavra e perguntam-Lhe: Onde, Senhor? Jesus responde-lhes: Onde estiver o corpo, lá se hão-de juntar também os abutres.

Comentário

23-36. Estas palavras do Senhor constituem uma pro­fecia acerca da última vinda do Filho do Homem. Deve ter-se em conta que na profecia se interpõem a miúdo diversos planos de acontecimentos, se costuma utilizar grande quantidade de símbolos e modos de falar, de maneira que o claro-escuro que apresentam faz que possamos vislumbrar os acontecimentos futuros, ainda que os pormenores con­cretos só fiquem claros à medida que vão acontecendo. A última vinda do Senhor será repentina, inesperada; muitos homens estarão desprevenidos. Jesus ilustra esta verdade com exemplos da História Sagrada: como nos dias de Noé (cfr Gen 6,9-9,17) e como nos de Lot (cfr Gen 18,16-19,27), o juízo divino sobre os homens virá de repente.

De todas as formas convém recordar que cada um se apresentará diante do Juiz divino imediatamente depois da morte, no juízo particular. Deste modo o ensinamento de Jesus tem também uma urgência de presente: já agora deve o discípulo vigiar o seu próprio comportamento, visto que o Senhor pode chamá-lo a prestar contas quando menos o espere.

33. «Conservá-la-á»: Na realidade o verbo grego cor­respondente traduzido à letra seria «gerá-la-á», isto é, «dará à alma a verdadeira vida». Segundo isto, o sentido das palavras do Senhor parece ser o seguinte: quem quiser conservar a todo o transe esta vida terrena, fazendo dela o valor fundamental, perderá a vida eterna; pelo contrário, quem estiver disposto a perder esta vida da terra, isto é, a resistir até à morte aos inimigos de Deus e da alma, nesta luta ganhará a felicidade eterna. As palavras deste versículo, embora diferentes na letra, são quase idênticas no seu conteúdo às de Lc 9,24.

36. Este versículo, segundo a Vulgata, diz assim: «una assumetur, et altera relinquetur. Duo in agro; unus assu­metur, et alter relinquetur» («uma será tomada e a outra deixada. Estarão dois no campo: um será tomado e o outro deixado»). Estas palavras parecem acrescentadas em parte ao texto de Lucas, tomadas de Mt 24,40: faltam, com efeito, nos melhores códices gregos. Por esta razão a Neo-vulgata omite-os.

37. «Onde, Senhor?»: Os fariseus tinham perguntado a Jesus quando chegaria o Reino de Deus (v. 20). Agora os discípulos, depois das explicações do Mestre, perguntam-Lhe: onde?; diante desta interrogação, fruto da curiosidade natural, Jesus responde com uma frase que tem todo o sabor de um provérbio e que nos indica, precisamente pelo seu sentido enigmático, que não quis responder com clareza ao que Lhe perguntavam. Assim, pois, o breve discurso do Senhor sobre a vinda do Reino de Deus e de Cristo começa e termina com perguntas superficiais dos ouvintes, mas que dão azo ao Senhor para expor uma doutrina que será enten­dida depois.

«Onde estiver o corpo, lá se hão-de juntar também os abutres»: O texto grego emprega um vocábulo que indica indistintamente águia ou abutre. Em qualquer caso esta frase proverbial indica a rapidez com que as aves de rapina se dirigem para a sua presa. Aqui parece referir-se ao modo como terá lugar a segunda vinda do Filho de Deus e o juízo que a acompanhará: de maneira repentina e imprevista, sem concretizar mais. A Sagrada Escritura, noutros lugares, recolhe a mesma ideia: «Mas quanto ao tempo e à ocasião, irmãos, não precisais que vos escrevam, pois vós mesmos sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor virá como um ladrão, de noite» (1Thes 5,1-2). Uma vez mais, Jesus exorta à vigilância: não descuidemos o mais importante da nossa vida, a salvação eterna. «Tudo isso, que te preocupa de momento, é mais ou menos importante. — O que importa acima de tudo é que sejas feliz, que te salves» (Caminho, n° 297).

Além disso, a curiosidade dos fariseus e dos discípulos sobre o quando, onde, etc., que os distraía do principal do ensinamento de Jesus, também nós a padecemos com frequência diante de acontecimentos tão importantes como a morte: quantas vezes perdemos o tempo a ponderar as circunstâncias da morte dos nossos conhecidos, e desatendemos o aviso que é o acabar esta vida — seja do modo que for — e encontrar-se com Deus.

14.11.2015 – Lc 18, 1-8

Expôs-lhes então uma parábola sobre a necessidade de eles orarem sempre sem desfalecer: Em certa cidade — disse Ele — havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3Ora, naquela cidade, existia uma viúva, que ia ter com ele e lhe dizia: «Faz-me justiça contra o meu adversário». 4Por algum tempo, ele não quis; mas, depois, disse consigo: «Se bem que não temo a Deus nem respeito os homens, ‘con­tudo, já que esta viúva me incomoda, vou fazer-lhe justiça, para que não venha moer-me até ao fim!». 6E o Senhor acrescentou: Es­cutai o que diz o juiz iníquo!… 7E Deus não havia de fazer justiça aos Seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e iria ter demoras com eles? 8Eu digo-vos que lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando voltar, achará acaso a fé sobre a Terra?

Comentário

1-8. A parábola do juiz injusto é um ensinamento muito expressivo acerca da eficácia da oração perse­verante e firme. Por sua vez constitui a conclusão da dou­trina sobre a vigilância, exposta nos versículos anteriores (17,23-26). O facto de comparar o Senhor com uma pessoa como esta, põe em relevo o contraste entre ambos: se até um juiz injusto acaba por fazer justiça àquele que insiste com perseverança, quanto mais Deus, infinitamente justo e nosso Pai, escutará as orações perseverantes dos Seus filhos. Deus, com efeito, fará justiça aos Seus escolhidos que clamam por Ele sem cessar.

1. «É preciso orar em todo o tempo e não desfalecer. Por que devemos orar?

1) Devemos orar antes de mais, porque somos crentes. Com efeito, a oração é o reconhecimento dos nossos limites e da nossa dependência: vimos de Deus, somos de Deus e retornamos a Deus. Portanto, não podemos deixar de nos abandonarmos n’Ele, nosso Criador e Senhor, com plena e total confiança (…). A oração é, antes de mais, um acto de inteligência, um sentimento de humildade e de reconhecimento, uma atitude de confiança e de abandono n’Aquele que nos deu a vida por amor. A oração é um diálogo misterioso, mas real, com Deus, um diálogo de confiança e de amor.

«2) Mas nós somos cristãos, e por isto devemos orar como cristãos. Efectivamente, a oração para o cristão adquire uma característica particular que muda totalmente a sua natu­reza íntima e o seu valor íntimo. O cristão é discípulo de Jesus; é o que crê verdadeiramente que Jesus é o Verbo encarnado; o Filho de Deus vindo entre nós a esta terra.

«Como homem, a vida de Jesus foi uma oração contínua, um acto contínuo de adoração e de amor ao Pai, e porque a expressão máxima da oração é o sacrifício, o apogeu da oração de Jesus é o sacrifício da cruz, antecipado com a Eucaristia na Última Ceia e transmitido a todos os séculos com a Santa Missa.

«Por isto o cristão sabe que a sua oração é Jesus; toda a sua oração parte de Jesus; é Ele quem ora em nós, connosco e por nós. Todos os que creem em Deus, oram; mas o cristão ora em Jesus Cristo: Cristo é a nossa oração! (…).

«3) Finalmente, devemos orar também porque somos frá­geis e culpáveis. É preciso reconhecer humilde e realmente que somos pobres criaturas, com ideias confusas (…), frágeis e débeis, com necessidade contínua de força interior e de consolação. A oração dá força para os grandes ideais, para manter a fé, a caridade, a pureza, a generosidade; a oração dá ânimo para sair da indiferença e da culpa, se por desgraça se cedeu à tentação e à debilidade; a oração dá luz para ver e julgar os acontecimentos da própria vida e da própria his­tória na perspectiva salvífica de Deus e da eternidade. Por isto, não deixeis de orar! Não passe um dia sem que tenhais orado um pouco! A oração é um dever, mas também é uma grande alegria, porque é um diálogo com Deus por meio de Jesus Cristo! Cada domingo a Santa Missa e, se vos é possível, alguma vez também durante a semana; cada dia as orações da manhã e da noite e nos momentos mais oportunos!» (João Paulo II, Audiência com os jovens, 14-111-1979).

8. O ensinamento de Jesus sobre a perseverança na oração une-se com a severa advertência de que é preciso manter-se fiéis na fé; fé e oração vão intimamente unidas: «Creiamos para orar — comenta Santo Agostinho —; e para que não dês faleça a fé com que oramos, oremos. A fé faz brotar a oração, e a oração, enquanto brota, alcança a firmeza da fé» (Sermo 115).

O Senhor anunciou a Sua assistência à Igreja para que possa cumprir indefectivelmente a sua missão até ao fim dos tempos (cfr Mt 28,20); a Igreja, portanto, não pode desviar-se da verdadeira fé. Porém, nem todos os homens perseverarão fiéis, mas alguns afastar-se-ão voluntariamente da fé. É o grande mistério que São Paulo chama de iniquidade e de apostasia (2Thes 2,3), e que o próprio Jesus Cristo anuncia noutros lugares (cfr Mt 24,12-13). Deste modo o Senhor previne-nos para que, ainda que à nossa volta haja quem desfaleça, nos mantenhamos vigilantes e perseverando na fé e na oração.

15.11.2015 – Mc 13, 24-32

24Mas, naqueles dias, depois daquela tribu­lação, o Sol escurecer-se-á, e a Lua não dará a sua claridade, 25e cairão do céu as estrelas, e abalar-se-ão os exércitos celestes.

26Então verão vir o Filho do homem sobre as nuvens, com grande poder e majestade. 27E então enviará os Anjos e ajuntará os Seus escolhidos, dos quatro ventos, do extremo da Terra ao extremo do céu.

28Aprendei a parábola tirada da figueira: Quando já os seus ramos estão tenros e brotam as folhas, sabeis que está próximo o Verão. 29 Assim também vós, quando virdes suceder estas coisas, sabei que está perto, às portas. 30Em verdade vos digo que não passará esta geração, até que estas coisas se realizem. 31Passarão o céu e a Terra, mas as Minhas palavras não hão-de passar.

32Agora, quanto àquele dia ou hora, ninguém o sabe, nem os Anjos no Céu nem o Filho, só mente o Pai.

Comentário

24-25. Parece que as próprias criaturas irracionais no fim dos tempos expressarão a seu modo o estremecimento perante o Juiz Supremo, Jesus Cristo, que voltará na majestade da Sua glória. Cumprir-se-ão então as profecias do AT (cfr p. ex., Is 13, 10; 34, 4; Ez 32, 7). Por «potestades dos céus», alguns Santos Padres, como São Jerônimo (Comm. in Matth. Ad loc.) e São João Crisóstomo (Hom. sobre S. Mateus, 77), entenderam os anjos que se admirarão diante daqueles acontecimentos. Reforça esta sentença o uso litúrgico de nomear o conjunto dos anjos como «Virtutes caelorum» (cfr Missale Romanum, Praef. de Sanctis Martyribus, p. 430). Mas a frase pode entender-se também, segundo muitos outros comentaristas, como equivalente à anterior, de modo que poderia traduzir-se por «forças cósmicas» ou «astros do firmamento».

26-27. Jesus Cristo descreve aqui a Sua segunda vinda, no fim dos tempos, anunciada já pelo profeta Daniel (7,13). Com isso descobre o sentido último encerrado nas palavras do antigo profeta: aquele «como filho de homem» que Daniel viu, «a quem foi dado o poder, e a honra e o reino, e todos os povos, tribos e línguas o servirão», é o próprio Jesus Cristo, que reunirá à Sua volta os santos.

28-30. Já se advertiu, na nota a Mc 13,4, que os discípulos de Jesus, seguindo as ideias judaicas da época, não conce­biam uma separação entre a ruína de Jerusalém e o fim do mundo. Advertia-se também ao comentar Mc 13,4, que há uma certa relação entre ambos os acontecimentos, enquanto a destruição da Cidade Santa é figura do fim do mundo. Nosso Senhor, respondendo agora aos Seus discípulos, anuncia em Mc 13,30 que a ruína de Jerusalém sucederia dentro daquela geração, como na verdade aconteceu no ano 70, às mãos das legiões romanas. Para uma maior explicação da ruína de Jerusalém como figura do fim do mundo cfr a nota a Mt 24, 32-35.

31. Com esta frase o Senhor dá uma especial solenidade às Suas palavras. Sublinha assim que o que Ele disse se cumprirá indefectivelmente.

Só Deus diz e faz, só quem é Senhor do Universo tem sob o Seu poder tudo o que existe, e Jesus recebeu do Pai todo o poder sobre os céus e a terra (cfr Mt 1 1 , 27 e 28, 18).

32. Aludindo a este versículo explica Santo Agostinho (Enarrationes in Psalmos, 36, 1): «Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos foi enviado como Mestre, disse que nem sequer o Filho do Homem conhecia o dia do juízo, porque não entrava nas atribuições do Seu magistério o ensinar-no-lo».

Quanto à ciência de Jesus Cristo, isto é, aos conhecimentos que tinha durante a Sua vida na terra, vid. a nota a Lc 2, 52.

16.11.2015 – Lc 18, 35-43

35Quando Ele Se aproximava de Jerico, estava um cego sentado a pedir, a beira da estrada. 36Ouvindo este a multidão que passava, informou-se do que era aquilo. “Refe­riram-lhe que era Jesus de Nazaré que ia a passar. 38EÍe então bradou: Jesus, Filho de David, tem piedade de mim! 39Os que vi­nham à frente repreendiam-no para ele se calar. Mas ele gritava muito mais: Filho de David, tem piedade de mim! 40Jesus, parando mandou que Lho trouxessem. Quando ele se aproximou, perguntou-lhe: 41Que queres que te faça? Senhor — disse ele — que eu veja. 42E Jesus retorquiu-lhe: Vê! Salvou-te a tua fé. 43Ele começou imediatamente a ver e pôs-se a segui-Lo, glorificando a Deus. E todo o povo, ao ver isto, deu louvores a Deus.

Comentário

35-43. O cego de Jerico aproveita sem demora a ocasião da passagem de Jesus. Não se podem desperdiçar as graças do Senhor porque não sabemos se as voltará a conceder. Santo Agostinho formulou lapidarmente a urgência de corres­ponder ao dom divino, à passagem de Cristo, com a conhe­cida frase: Timeo Jesum praetereúntem et non redeuntem, «temo que Jesus passe e não volte». Porque Jesus, alguma vez pelo menos, passa pela vida de todos os homens.

O cego de Jerico confessa a gritos que Jesus é o Messias — dá-Lhe o título messiânico de Filho de David —, e pede-Lhe o que necessita: ver. A sua fé é activa: grita, insiste, apesar dos obstáculos da gente. E consegue que Jesus o oiça e o chame. Deus quis que no santo Evangelho tenha ficado registrado o episódio deste homem, exemplo de como deve ser a nossa fé e a nossa petição: firme, sem adiamentos, constante, por cima dos obstáculos, simples, até conseguir chegar ao cora­ção de Jesus Cristo.

«Senhor, que eu veja»: Esta jaculatória simples deve aflorar continuamente aos nossos lábios, saída do mais fundo do coração. É muito útil repeti-la em momentos de dúvida, de vacilação, quando não entendemos os planos de Deus, quando escurece o horizonte da entrega. Inclusiva­mente é válida para aqueles que buscam a Deus sinceramente, sem que ainda tenham o dom inapreciável da fé. Cfr também a nota a Mc 10,46-52.

17.11.2015 – Lc 19, 1-10

Entrando em Jerico, pôs-Se a atravessá-la. 2Nisto, apareceu um homem chamado Zaqueu, que era chefe de publicanos e pessoalmente rico. 3Procurava ele ver quem era Jesus e não podia, devido à multidão, por ser de pequena estatura. 4Cor­rendo à frente, subiu a um sicômoro, para O ver, porque devia passar por ali. 5Logo que chegou ao local, olhou Jesus para cima e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa. 6Ele desceu rapidamente e recebeu-O cheio de alegria. 7Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-Se em casa dum pecador. 8Zaqueu estacou e disse ao Senhor: Olha, Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir o quádruplo. 9Respondeu-lhe Jesus: Veio hoje a salvação para esta casa, por este ser também filho de Abraão, 10pois o Filho do homem veio pro­curar e salvar o que estava perdido.

Comentário

1-10. Jesus Cristo é o Salvador dos homens; curou muitos doentes, ressuscitou mortos, mas sobretudo trouxe o perdão dos pecados e o dom da graça aos que se aproximam d’Ele com fé. Como antes no caso da pecadora (cfr Lc 7,36-50), agora Jesus traz a salvação a Zaqueu, visto que a missão do Filho do Homem é salvar o que estava perdido.

Zaqueu pertencia à classe dos publicanos, odiados pelo povo porque eram colaboradores do poder romano e abusa­vam frequentemente na cobrança de impostos (cfr a nota a Mt 5,46). O Evangelho deixa entrever que também este homem tinha de que se arrepender (cfr vv. 7-10). O certo é que quer ver o Senhor, sem dúvida movido pela graça, e para isso põe todos os meios ao seu alcance. Jesus premeia estes esforço de Zaqueu, hospedando-Se em sua casa. Comovido, pela presença do Senhor inicia urna vida nova.

Aqueles que veem esta cena murmuram contra Jesus, porque trata afectuosamente um homem a quem eles consideram pecador. O Senhor, em vez de Se desculpar, manifesta claramente que veio precisamente para isso: para buscar os pecadores. Este episódio torna realidade a parábola da ovelha perdida (cfr Lc 15,4-7), cujo ensinamento já estava profetizado em Ezequiel: «Buscarei a ovelha perdida, reconduzirei a que se tinha tresmalhado, curarei a ferida e tratarei da que está doente» (34,16).

4. O sicómoro é uma árvore semelhante à amoreira, mas de mais altura e de tronco mais grosso.

Zaqueu quer ver Jesus. Para o conseguir não vê incon­veniente em misturar-se com a multidão. Como o cego de Jerico salta por cima dos respeitos humanos. Assim há-de ser a nossa busca de Deus: nem falsa vergonha nem medo ao ridículo devem impedir que ponhamos os meios para encon­trar o Senhor. «Convence-te de que o ridículo não existe para quem faz o melhor» (Caminho, n° 392).

5-6. Estamos diante de uma clara manifestação de como actua Deus para salvar os homens. Jesus chama individualmente, pelo seu nome, Zaqueu, pedindo-lhe que O receba em sua casa. O Evangelho sublinha que O recebeu prontamente e com alegria. Assim devemos responder nós aos chamamentos que Deus nos faz através da Sua graça.

8. Zaqueu, na sua imediata correspondência à graça, manifesta o propósito de devolver o quádruplo do que injustamente poderia ter defraudado. Com isto vai mais além do que ordena a Lei de Moisés (cfr Ex 21,37s.). Além disso, numa generosa compensação, entrega aos pobres a metade dos seus bens. «Aprendam os ricos — comenta Santo Ambrósio — que não consiste o mal em ter riquezas, mas em não usar bem delas; porque assim como as riquezas são um impe­dimento para os maus, são também um meio de virtude para os bons» (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.). Cfr a nota a Lc 16,9-11.

10. Este desejo ardente de Jesus de buscar um pecador para o salvar há-de encher-nos da esperança de alcançar a salvação eterna: «Escolhe um chefe de publicanos: quem desesperará de si mesmo quando este alcança a graça?» (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.).

18.11.2015 – Lc 19, 11-28

11Estando eles a ouvir estas coisas, acrescentou Jesus uma parábola, por estar perto de Jerusalém e por eles pensarem que se ia manifestar imediatamente o Reino de Deus. 12Disse, pois: Certo homem de nobre linhagem foi a um país distante tomar posse dum reino, para depois voltar. 13Chamando a dez dos seus criados, entregou-lhes dez minas e disse-lhes: «Fazei-as render até que eu volte». 14Ora os seus concidadãos odiavam-no e mandaram uma deputação atrás dele, para dizer: «Não queremos que ele seja nosso rei!». 15Quando voltou, depois de tomar posse do reino, mandou chamar à sua presença os criados a quem entregara o dinheiro, para saber o que cada qual tinha lucrado a nego­ciar. 16Chegou-se o primeiro e disse: « Senhor, a tua mina rendeu mais dez minas». 17Ele respondeu-lhe: «Bravo, bom servidor! Por teres sido fiel em tão pouco, recebe o go­verno de dez cidades». 18Veio o segundo e disse: «A tua mina, Senhor, produziu cinco minas». 19Respondeu igualmente a este: «Tu, também, ficas à frente de cinco cidades». 20Veio outro e disse: «Senhor, aqui está a tua mina, que eu tinha depositada num lenço, 21pois tinha medo de ti, que és homem se­vero: levantas o que não depositaste e colhes o que não semeaste.» 22Diz-lhe ele: «Pela tua boca te julgo, mau servidor. Sabias que eu sou um homem severo, que levanto o que não depositei e colho o que não semeei? 23Então, porque não entregaste o meu di­nheiro ao banco? Tê-lo-ia, à volta, retirado com juro!…». 24Depois disse aos presentes: «Tirai-lhe a mina e dai-a ao que tem as dez minas.» 25«Senhor — observam-lhe — ele tem dez minas!…». 26«Eu vos digo: A todo aquele que tem dar-se-lhe-á, mas àquele que não tem, ainda o que tem lhe será tirado. 27Quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu fosse seu rei, trazei-os aqui e degolai-os na minha presença».

28Dito isto, seguiu na dianteira, subindo para Jerusalém.

Comentário

11. Os discípulos tinham uma ideia errada acerca do Reino de Cristo: pensavam que estava iminente e seria de caracter temporal, e que Jesus, vencendo o poder opressor de Roma, o instituiria prontamente para entrar triunfalmente na cidade santa de Jerusalém; eles esperavam que quando chegasse aquele momento teriam um lugar de privilégio no Reino. A opinião dos Apóstolos é uma tentação de sempre para os cristãos que não compreendem com clareza o ca­racter transcendente, sobrenatural, do Reino de Deus neste mundo, isto é, da Igreja, que «só pretende uma coisa: o advento do Reino de Deus e a salvação de toda a huma­nidade» (Gaudium et spes, n 45).

O Senhor ensina-nos com a parábola das minas que, ainda que já tenha começado o Seu reinado, a manifestação plena e total do mesmo tardará em chegar. No tempo que resta é preciso trabalhar com os meios que o Senhor nos oferece e com as graças que nos dá para merecer a recom­pensa.

13. A mina não era moeda cunhada, mas sim uma unidade contável; o seu valor equivalia a 35 gramas de ouro. Esta parábola das minas é semelhante à dos talentos, que São Mateus relata (cfr 25,14-30).

14. A última parte deste versículo, ainda que esteja num contexto muito concreto, reflecte a atitude de muitas pessoas que não querem aceitar o suave jugo do Senhor, e O rejeitam como Rei. «Na Terra há milhões de homens que se enfrentam assim com Jesus Cristo, ou melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque não O conhecem, nem viram a beleza do Seu rosto, nem se aperceberam da maravilha da Sua doutrina.

«Diante deste triste espectáculo, sinto-me movido a desa­gravar o Senhor. Ao ouvir o clamor que não cessa e que se constrói mais com obras pouco nobres do que com palavras, sinto a necessidade de gritar bem alto: oportet illum regnare! (1Cor 15, 25)» (Cristo que passa, n° 179).

17. Deus conta com a nossa fidelidade nas coisas pe­quenas e a Sua recompensa será maior quanto maior for o nosso esforço: «Porque foste ‘in pauca fidelis’ — fiel no pouco — entra no gozo do teu Senhor. — São palavras de Cristo.

— ‘In pauca fidelis!…’ — Desdenharás agora as pequenas coisas, se se promete o Céu a quem as cumpre?» (Caminho, n° 819).

24-26. Deus exige de nós um sério empenho para fazer frutificar os dons que recebemos, e, ao mesmo tempo, recom­pensa esplendidamente aqueles que correspondem à Sua graça. O rei da parábola mostra-se generoso com os servos que souberam multiplicar as minas e é magnânimo no prêmio. Pelo contrário, actua com toda a severidade com o servo preguiçoso; este também tinha recebido um dom do seu senhor; não o tinha esbanjado mas tinha-o guardado cuidadosamente, e este modo de proceder indigna o seu rei; o servo não cumpriu o mandato que lhe tinha sido dado juntamente com a mina: Fazei-as render até que eu volte. Se sabemos apreciar os tesouros que o Senhor nos deu — a vida, o dom da fé, a graça —, poremos um grande empenho em fazê-los frutificar: no cumprimento dos nossos deveres, no nosso trabalho e no nosso apostolado.« Que a tua vida não seja uma vida estéril. — Sé útil. — Deixa rasto. — Ilumina, com o resplendor da tua fé e do teu amor.

«Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. — E incendeia todos os caminhos da Terra com o fogo de Cristo que levas no coração» (Caminho, n° 1).

28. Ordinariamente nos Evangelhos, quando se fala de ir à Cidade Santa diz-se que se sobe para Jerusalém (cfr Mt 20,18; Ioh 7,8). Isto deve-se a que geograficamente a cidade está sobre o monte Sião. Por outro lado, o Templo por ser o centro político e religioso, subir a Jerusalém tinha um sentido sagrado de ascensão ao lugar santo, onde se ofereciam os sacrifícios e as oferendas a Deus.

De modo peculiar no Evangelho de São Lucas vê-se como toda a vida de Nosso Senhor é um contínuo caminhar e subir para Jerusalém, onde se consuma a Sua entrega ao sacrifício redentor da Cruz. Neste momento Jesus Cristo sobe para Jerusalém, consciente de que se aproxima o momento da Sua Paixão e Morte.

19.11.2015 – Lc 19, 41-44

41Quando Se aproximou, ao ver a cidade, chorou sobre ela, 42dizendo: Se neste dia tivesses conhecido, tu também, os trâmites da paz! Mas não; foram vedados a teus olhos. 43É que virão dias para ti, em que os teus inimigos hão-de levantar um entrincheiramento à tua volta, te hão-de cercar e apertar de todos os lados; 44hão-de esma­gar-te contra o solo, bem como a teus filhos dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o tempo em que foste visitada.

Comentário

41-44. Quando a comitiva chega a um lugar donde se domina a cidade, a sua alegria vê-se perturbada pelo inesperado pranto de Jesus. O Senhor explica a razão da Sua dor ao profetizar a destruição da Cidade Santa que Ele tanto amava: não ficará pedra sobre pedra e os seus moradores serão esmagados, profecia que se cumpriu no ano 70, quando Tito arrasou a cidade e destruiu o Templo.

No desenvolvimento dos acontecimentos históricos cum­pre-se um castigo: Jerusalém não conheceu a visita que lhe foi feita, isto é, permaneceu insensível diante da vinda salvadora do Redentor. Jesus teve para os judeus um amor de predilecção: foram os primeiros a receber a pregação do Evangelho (cfr Mt 10,5-6); a eles dedicou o Senhor o Seu ministério (cfr Mt 15,24). Tinha mostrado com a Sua palavra e os Seus milagres que era o Filho de Deus e o Messias anunciado nas Escrituras. Não obstante, os judeus despre­zaram a graça que o Senhor vinha trazer-lhes: os dirigentes da nação judaica arrastaram o povo até pedir a crucifixão.

Jesus visita-nos a cada um de nós, vem como o nosso Salvador, ensina-nos por meio da pregação da Igreja, dá-nos o Seu perdão e a Sua graça nos Sacramentos. Não devemos rejeitar o Senhor, não devemos permanecer insensíveis à Sua visita.

20.11.2015 – Lc 19, 45-48

45Entrando no Templo, começou a expulsar os vendedores, 46dizendo-lhes: Está escrito: A Minha casa há-de ser casa de oração! Mas vós fizestes dela um antro de salteadores. 47Estava todos os dias no Templo a ensinar. Ora os Sumos Sacerdotes e os Escribas pro­curavam perdê-Lo, e os principais dentre o povo também, 48mas não atinavam com o que haviam de fazer, pois todo o povo ficava suspenso ao ouvi-Lo.

Comentário

45-48. A indignação de Jesus manifesta o Seu zelo pela glória do Pai, que deve ser reconhecida agora no respeito pelo Templo. De modo enérgico repreendi os vendedores pelo exercício de funções alheias ao culto divino (cfr Mt 21,12; Mc 11,15). Os próprios sacerdotes permitiam semelhantes abusos, que também traziam (benefícios para eles ao cobrarem umas taxas. Os vendedores realizavam funções necessárias para O culto divino, mas tinham-nas viciado pelo seu afã de lucro, convertendo o Templo num mercado.

«A Minha casa há-de ser casa de oração»! Com este texto de Isaías (56,7; cfr ler 7,11) Jesus sublinha a finalidade do Templo. O gesto do Senhor ensina o respeito que merecia o Templo de Jerusalém. Quanta maior veneração merecem os nossos templos, onde o próprio Jesus está realmente pre­sente na Santíssima Eucaristia (cfr as notas a Mt 21,12-13e Mc 11,15-18).

21.11.2015 – Lc 20, 27-40

27Aproximaram-se alguns dos Saduceus, esses que contestam que haja ressurreição, e interrogaram-No: 28Mestre — dizem eles — Moisés deixou-nos prescrito: Se a algum homem morrer um irmão, que tenha mulher, mas não tenha filhos, tome o irmão a viúva para suscitar descendência a seu irmão. 29Ora havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu sem ter filhos. 30O segundo, 31depois o terceiro casaram com a viúva; e o mesmo sucedeu por igual aos sete, que não dei­xaram filhos e morreram. 32Por fim, morreu também a mulher. 33Na ressurreição, de qual deles fica então mulher, pois os sete a tiveram por esposa? ^Disse-lhes Jesus: Os filhos deste mundo casam. 35Mas os que forem tidos por dignos de participar do outro mundo e da ressurreição dos mortos, não se casam. 36De facto, nem já podem morrer, pois são iguais aos Anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus. 37E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender, no episódio da sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob. 38Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos para Ele estão vivos! 39Intervindo então, disseram alguns dos Escribas: Disseste bem, Mestre. 40E, de facto, já não se atreviam a fazer-Lhe pergunta alguma.

Comentário

27-40. Os saduceus não criam na ressurreição da carne e negavam a imortalidade da alma. Aproximam-se do Senhor para Lhe apresentarem uma questão que O ponha em apuros. Segundo a lei do levirato (cfr Dt 25,5 ss.), se um homem morria sem deixar filhos, o irmão tinha obrigação de se casar com a viúva para suscitar descendência a seu irmão. As consequências desta lei parecem provocar uma situação ridícula no momento da ressurreição dos corpos.

O Senhor responde reafirmando a existência da ressur­reição, e, ao ensinar as propriedades dos ressuscitados, desvanece-se o argumento dos saduceus. Neste mundo, os homens contraem núpcias para perpetuar a espécie; esse é o fim primário do matrimônio. Depois da ressurreição não haverá mais núpcias, porque os homens não poderão morrer.

O Senhor, citando a Sagrada Escritura (Ex 3,2.6), mani­festa o erro grave dos saduceus, e argumenta: Deus não é Deus de mortos mas de vivos, isto é, existe uma relação permanente entre Deus e Abraão, Isaac e Jacob, que há muito tempo tinham morrido. Portanto, ainda que estes justos tenham morrido quanto ao corpo, vivem com ver­dadeira vida em Deus — as suas almas são imortais — e esperam a ressurreição dos corpos.

Vid. também as notas a Mt 22,23-33 e Mc 12,18-27.

22.11.2015 – Jo 18, 33b-37

33Então Pilatos entrou novamente no pretório, chamou Jesus e disse-Lhe: Tu és o Rei dos Judeus? 34Jesus respondeu-lhe: É por ti mesmo que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim? 35Porventura sou eu judeu? replicou Pilatos. A Tua nação e os Sumos Sacerdotes é que te entregaram a mim! Que fizeste? 36Jesus retorquiu: O Meu Reino não é deste mundo. Se o Meu Reino fosse deste mundo, os Meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse entregue aos Judeus. Mas, de facto, o Meu Reino não é daqui. 37Disse-Lhe então Pilatos: Logo Tu és Rei? É como dizes — retorquiu Jesus — sou Rei! Para isso é que Eu nasci e para isso é que vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a Minha voz. 38Diz-Lhe Pilatos: Que é a verdade?

Comentário

33-34. A Pilatos não lhe incumbe intervir em questões religiosas, mas como a acusação que lhe apresentam contra Jesus diz respeito à ordem pública e política, o seu interro­gatório começa obviamente com a averiguação da denúncia fundamental: «Tu és o Rei dos judeus?».

Jesus, ao responder com uma nova pergunta, não evita a resposta, mas quer, como sempre, deixar claro o caracter espiritual da Sua missão. Realmente a resposta não era fácil, pois, na perspectiva de um gentio, um Rei dos Judeus era simplesmente um conspirador contra o Império; pelo con­trário, na perspectiva dos judeus nacionalistas, o Rei Messias era o libertador político-religioso que lhes conseguiria a independência. A verdade do messianismo de Cristo trans­cende por completo ambas as concepções, e é o que Jesus explica ao Procurador, mesmo sabendo a enorme dificul­dade que implica compreender a verdadeira natureza do Reino de Cristo.

35-36. Depois do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus tinha-Se negado a ser proclamado rei, porque a multidão pensava num reino temporal (cfr Ioh 6,15). Não obstante, Jesus entra triunfalmente em Jeru­salém e aceita que O aclamem como Rei-Messias. Agora, na Paixão, reconhece diante de Pilatos que Ele é verdadeira­mente Rei, esclarecendo que o Seu reino não é como os da terra. Por isso «aqueles que esperavam do Messias um poderio temporal visível, enganavam-se: porque o Reino de Deus não consiste em comer e beber, mas em paz, justiça e alegria no Espírito Santo (Rom 14, 17).

«Verdade e justiça, paz e júbilo no Espírito Santo. Esse é o reino de Cristo. A acção divina que salva os homens culminará com o fim da história, quando o Senhor, que Se senta no mais alto do paraíso, vier julgar definitivamente os homens» (Cristo que passa, n° 180).

37. Este é o sentido profundo da Sua realeza: o Seu reino é «o reino da Verdade e da Vida, o reino da Santidade e da Graça, o reino da Justiça, do Amor e da Paz» (Prefácio da Missa de Cristo Rei). Cristo reina sobre aqueles que aceitam e vivem a Verdade por Ele revelada: o amor do Pai (Ioh 3,16; 1Ioh 4,9). Faz-Se carne para manifestar esta Verdade, e para que os homens possam conhecê-la e aceitá-la. E assim os que reconhecem a realeza e a soberania de Cristo submetem-se a Ele, que desse modo reina sobre eles com um reinado eterno e universal.

Por seu lado, «a Igreja, contemplando Cristo que dá testemunho da Verdade, sempre e em toda a parte, deve perguntar a si mesma, e em certo sentido também ao ‘mundo’ contemporâneo, de que modo suscitara bem a partir do homem, como libertar as energias do bem que há no homem, para que seja mais forte que o mal, que qualquer mal moral, social, etc.» (Audiência geral João Paulo II, 21-11-1979).

Os cristãos, «se pretendemos que Cristo reine, temos de ser coerentes, começando por Lhe entregar o nosso coração. Se não o fizéssemos, falar do reino de Cristo seria vozearia sem substância cristã, manifestação exterior de uma fé inexistente, utilização fraudulenta do nome de Deus para compromissos humanos (…). Se deixarmos que Cristo reine na nossa alma, não nos tornaremos dominadores; seremos servidores de todos os homens. Serviço. Como gosto desta palavra! Servir o meu Rei e, por Ele, todos os que foram redimidos com o Seu sangue. Se os cristãos soubessem servir! Vamos confiar ao Senhor a nossa decisão de aprender a realizar esta tarefa de serviço, porque só servindo pode­remos conhecer e amar Cristo e dá-Lo a conhecer e conseguir que os outros O amem mais»(Cristo que passa, nos 181-182). Jesus, mediante a Sua Morte e Ressurreição, demonstra que o julgamento levado avante contra Ele pelos homens era falso, mentiroso; era Cristo quem dizia a verdade, e não os Seus juízes e acusadores, e Deus apoia a verdade de Jesus, a verdade das Suas palavras, dos Seus factos, da Sua Reve­lação, mediante o milagre singular da Sua Ressurreição gloriosa. Para os homens, a realeza de Cristo pode parecer um paradoxo: vive para sempre tendo morrido, vence sendo derrotado no julgamento e na Cruz, a verdade, oprimida por uns dias, sai vitoriosa depois da morte. «E o próprio Jesus Cristo, quando compareceu prisioneiro diante do tribunal de Pilatos e por ele foi interrogado (…) porventura não respondeu: ‘Para isto é que Eu nasci e para isto é que Eu vim ao mundo: para dar testemunho da verdade’? Com tais palavras (…) foi como se quisesse confirmar, uma vez mais ainda, o que já havia dito antes: ‘Conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres’. No decorrer de tantos séculos e de tantas gerações, a começar nos tempos dos Apóstolos, não foi acaso o mesmo Jesus Cristo que tantas vezes compareceu ao lado dos homens julgados por causa da verdade? Cessa Ele, porventura, de continuamente ser o porta-voz e advo­gado do homem que vive ‘em espírito e em verdade?’ (cfr Ioh 4.23 s.). Do mesmo modo que não cessa de sê-lo em relação à história do homem» (Redemptor hominis, n. 12).

23.11.2015 – Lc 21, 1-4

Erguendo os olhos, viu os ricos deitarem no tesouro as suas ofertas. 2Viu também uma viúva pobrezinha deitar lá duas moedinhas 3e exclamou: Digo-vos, na verdade, que essa viúva pobre deitou mais que todos, 4pois todos eles deitaram do que lhes sobrava, para as ofertas de Deus, mas ela. foi da sua penúria que lançou todos os recursos que possuía.

Comentário

1-4. O Senhor, rodeado pelos Seus discípulos, observa como a gente deposita as suas oferendas no gazofilácio. Era este um lugar situado no átrio das mulheres, em que existiam várias caixas destinadas a recolher as oferendas dos fiéis. De repente sucede algo cuja importância Jesus quer pôr em relevo diante dos Seus discípulos: uma pobre viúva deposita duas pequenas moedas, cujo valor é exíguo. Qualifica esta oferenda como a mais importante; louva a generosidade das esmolas destinadas ao culto, e mais ainda a liberalidade de quem dá do que lhe é necessário. O Senhor comove-Se diante do óbolo da viúva porque na sua pequenez supõe um grande sacrifício. «O Senhor não olha — diz São João Crisóstomo — à quantidade que Lhe é oferecida, mas ao afecto com que a gente Lhe oferece. Não está a esmola em dar pouco do muito que se tem. mas em fazer o que fez aquela viúva, que deu tudo o que tinha» (Hom. sobre Heb, 1). Esta mulher ensina-nos que podemos comover o coração de Deus ao entregar-Lhe tudo aquilo que temos ao nosso alcance, que será sempre muito pouco, ainda que fosse a nossa própria vida. «Que pouco é uma vida para oferecê-la a Deus!…» (Caminho, n°420).

24.11.2015 – Lc 21, 5-11

5Como alguns dissessem, a respeito do Templo, que ele estava guarnecido com belas pedras e oferendas votivas, respondeu: 6Dessas coisas que estais vendo, dias virão em que não se deixará pedra sobre pedra que não venha a ser derrubada. 7Eles perguntaram-Lhe: Quando serão então essas coisas, Mes­tre? E qual o sinal, quando estiverem para acontecer? 8Ele respondeu: Tomai cuidado em não serdes desencaminhados, pois muitos virão com o Meu nome, dizendo: «sou eu», e ainda: «Está próximo o tempo!». Não sigais atrás deles. 9Quando ouvirdes falar em guerras e tumultos, não fiqueis aterrados, pois isso tem de acontecer primeiro, mas não será logo o fim.

10Foi-lhes então dizendo: Erguer-se-á povo contra povo e reino contra reino; 11haverá grandes terramotos e, em vários sítios, fomes e epidemias; haverá coisas apavorantes e, lá do céu, grandes sinais.

Comentário

5-36. Os discípulos ponderam diante do Senhor a gran­deza do Templo. A este propósito Jesus desenvolve um longo discurso, conhecido com o nome de «discurso escatológico», porque versa sobre os acontecimentos finais da história. O passo é conservado também de uma maneira muito pare­cida pelos outros Evangelhos Sinópticos (cfr Mt 24,1-51; Mc 13,1-37). Nas palavras do Senhor enlaçam-se três questões relacionadas entre si: a destruição de Jerusalém — que teve lugar uns quarenta anos depois —, o fim do mundo, e a segunda vinda de Cristo em glória e majestade. Jesus, que também anuncia aqui perseguições contra a Igreja, exorta insistentemente à paciência, à oração e à vigilância.

O Senhor fala aqui com o estilo e a linguagem próprios dos profetas, com imagens tomadas do Antigo Testamento; além disso, neste discurso alternam-se profecias que se vão cumprir em breve com outras cujo cumprimento se difere até ao fim da história. Com elas Nosso Senhor não quer saciar a curiosidade dos homens acerca dos acontecimentos futuros, mas trata de evitar o desalento e o escândalo que poderiam produzir-se diante das dificuldades que se avizi­nham. Por isso exorta: «Tomai cuidado em não serdes desen­caminhados» (v. 8); «não fiqueis aterrados» (v. 9); «Tende cuidado convosco» (v. 34).

8. Os discípulos, ao ouvir que Jerusalém ia ser destruída, perguntam qual será o sinal que anunciará esse acontecimento (vv. 5-7). Jesus responde com uma advertência: «Não vos deixeis enganar», isto é, não espereis nenhum aviso; não vos deixeis levar por falsos profetas, permanecei fiéis a Mim. Esses falsos profetas apresentar-se-ão afirmando que são o Messias, isto é o que significa a expressão «eu sou». A res­posta do Senhor refere-se na realidade a dois acontecimentos que a mentalidade judaica via relacionados entre si: a des­truição da Cidade Santa e o fim do mundo. Por isso, falará a seguir de ambos os acontecimentos e deixará entrever que deve decorrer um longo tempo entre eles; a destruição do Templo e de Jerusalém é como um sinal, um símbolo das catástrofes que acompanharão o fim do mundo.

9-11. O Senhor não quer que os discípulos possam confundir qualquer catástrofe — fomes, terremotos, guerras — ou as próprias perseguições com sinais que anunciem a proximidade do fim do mundo. A exortação de Jesus é clara: «Não fiqueis aterrados», porque isto há-de suceder, «mas não será logo o fim»; pelo contrário, no meio de tantas dificuldades, o Evangelho ir-se-á estendendo até aos confins do orbe. Estas circunstâncias adversas não devem paralisar a pregação da fé.

25.11.2015 – Lc 21, 12-19

12Mas antes de tudo isso, deitar-vos-ão as mãos e perseguir-vos-ão, entregando-vos às sinagogas e às prisões, levando-vos a reis e governadores, por causa do Meu nome. 13Mas isso proporcionar-vos-á ocasião de dar testemunho. 14Assentai, pois, no vosso íntimo, em não preparardes a vossa defesa, 15pois Eu vos darei língua e sabe­doria a que não poderá resistir ou contestar qualquer dos vossos adversários. 16Sereis entregues até pelos vossos pais, irmãos, pa­rentes e amigos. Hão-de causar a morte a alguns dentre vós 17e por todos sereis odia­dos por causa do Meu nome; 18mas nem um cabelo se perderá da vossa cabeça. 19Pela vossa constância e que haveis de ganhar as vossas almas!

Comentário

19. Jesus anuncia perseguições de todos os gêneros. Isto é inevitável: «Todos os que queiram viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguições» (2Tim 3,12). Os discí­pulos deverão recordar aquela advertência do Senhor na Ultima Ceia: «Não é o servo mais que o seu senhor. Se Me perseguiram a Mim, também vos perseguirão a vós» (Ioh 15,20). Contudo, estas perseguições não escapam à Provi­dência divina. Acontecem porque Deus as permite. E Deus permite-as porque pode tirar delas bens maiores. As perse­guições serão ocasião de dar testemunho: sem elas a Igreja não estaria adornada com o sangue de tantos mártires. O Senhor promete, além disso, uma assistência especial àqueles que estejam a sofrer perseguição e adverte-os de que não hão-de temer: dar-lhes-á a Sua sabedoria para se defen­derem e não permitirá que pereça nem sequer um cabelo da sua cabeça, isto é, que até o que possa parecer uma desgraça e uma perda será para eles o começo da glória.

Das palavras de Jesus deduz-se também a obrigação que tem todo o cristão de estar disposto a perder a vida antes que ofender a Deus. Só aqueles que perseverem até ao fim na fidelidade ao Senhor alcançarão a salvação. A exortação à perseverança está consignada pelos três Sinópticos neste discurso (cfr Mt 24,13; Mc 13,13) e por São Mateus noutro lugar (Mt 10,22) e igualmente por São Pedro (1Pet 5,9). Isso parece sublinhar a importância desta advertência de Nosso Senhor na vida de todo o cristão.

26.11.2015 – Lc 21, 20-28

20Mas, quando virdes Jerusalém sitiada por exércitos, ficai então sabendo que está próxima a sua devastação. 21Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes, os que se encontrarem no interior da cidade retirem-se e os que estiverem nos campos não entrem nela, 22porque são de vindicta esses dias, a fim de se cumprir tudo o que está escrito. 23Ai das que se encontrarem grávidas e das que andarem a amamentar naqueles dias, pois haverá grandes dificul­dades no país e ira contra este povo. 24Hão-de cair ao fio da espada, irão cativos para todas as nações, e Jerusalém será calcada pelos pagãos, até se completarem os tempos dos pagãos.

25Haverá sinais no Sol, na Lua e nas es­trelas e, na Terra, angústia entre as nações, perplexas com o bramido e a agitação do mar, 26desfalecendo os homens de pavor e com a expectativa do que vai sobrevir ao Universo, pois as forças celestes serão aba­ladas. 27Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória.

28Ora, quando isto começar a acontecer, endireitai-vos e erguei as vossas frontes, porque se aproxima a vossa libertação.

Comentário

20-24. Jesus profetiza suficientemente a destruição da Cidade Santa. Quando os cristãos que viviam ali viram que os exércitos cercavam a cidade recordaram a profecia do Senhor e fugiram para a Transjordânia (cfr História Ecle­siástica, III, 5). Com efeito, Cristo recomenda que fujam com toda a prontidão, porque é o tempo da aflição de Jerusalém, de que se cumpra o que está escrito no AT: Deus castiga Israel pelas suas infidelidades (Is 5,5-6).

A Tradição católica considera Jerusalém como figura da Igreja. De facto a Igreja triunfante é chamada no Apocalipse a Jerusalém celeste (Apc 21,2). Por isso, ao aplicar este passo à Igreja, os sofrimentos da Cidade Santa podem ser consi­derados como figura das contradições que sobrevêm à Igreja peregrina por causa dos pecados dos homens, pois «ela própria vive entre as criaturas que gemem com dores de parto à espera da manifestação dos filhos de Deus» (Lumen gentium, n 48).

24. «Tempo dos pagãos» quer dizer o tempo em que os gentios, que não pertencem ao povo judaico, entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus, a Igreja, até que os próprios judeus se convertam no fim dos tempos (cfr Rom 11,11-32).

25-26. Jesus refere-Se à comoção dos elementos da natu­reza quando chegar o fim do mundo. «As forças celestes serão abaladas», isto é, todo o universo tremerá diante da vinda do Senhor em poder e glória.

27-28. O Senhor, aplicando a Si mesmo a profecia de Daniel (7,13-14), fala da Sua vinda gloriosa no fim dos tempos. Os homens contemplarão o poder e a glória do Filho do Homem, que vem para julgar vivos e mortos. Este juízo compete a Cristo também enquanto homem. A Sagrada Escritura descreve a solenidade deste juízo. Nele confir­ma-se a sentença dada já a cada um no juízo particular, e brilharão com total resplendor a justiça e a misericórdia que Deus teve com os homens ao longo da história.« Era razoável — ensina o Catecismo Romano — que não só se estabelecessem prêmios para os bons e castigos para os maus na vida futura, mas que também se decretasse num juízo geral e público, a fim de que se tornasse para todos mais notório e grandioso, e para que todos tributassem a Deus louvores pela Sua justiça e providência» (1, 8,4).

É, pois, essa vinda do Senhor dia terrível para os maus e dia de gozo para aqueles que Lhe foram fiéis. Os discípulos hão-de levantar a cabeça com gozo, porque se aproxima a sua redenção. Para eles é o dia do prêmio. A vitória obtida por Cristo na Cruz — vitória sobre o pecado, sobre o demô­nio e sobre a morte — manifesta-se aqui em todas as suas consequências. Por isso o apóstolo São Paulo recomenda-nos que vivamos «aguardando a bem-aventurança esperada e a vinda gloriosa do grande Deus e Salvador nosso Jesus Cristo» (Tit 2,13).

« Subiu ao Céu (o Senhor), donde há-de vir de novo, então com glória, para julgar os vivos e os mortos, cada um segundo os próprios méritos: os que tenham respondido ao amor e à piedade de Deus irão para a vida eterna, mas os que os tenham rejeitado até ao fim serão destinados ao fogo que nunca cessará» (Credo do Povo de Deus, n° 12).

27.11.2015 – Lc 21, 29-33

29E disse-lhes uma parábola: Vede a fi­gueira e as restantes árvores: 30Quando come­çam a rebentar, verificais, ao observá-las, que está próximo o Verão. 31Assim também, quando virdes essas coisas, ficai sabendo que está próximo o Reino de Deus. 32Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo aconteça. 33O Céu e a Terra passarão, mas as Minhas palavras não hão-de passar.

Comentário

31. O Reino de Deus, anunciado por João Baptista (cfr Mt 3,2) e descrito pelo Senhor em tantas parábolas (cfr Mt 13; Lc 13,18-20), encontra-se já presente entre os Apóstolos (Lc 17,20-21) e, não obstante, ainda não chegou a plenitude da sua manifestação. Jesus anuncia neste lugar a chegada em plenitude do Reino e convida-nos a pedir isto mesmo no Pai-Nosso: «Venha a nós o Vosso Reino». «O Reino de Deus, que teve aqui na terra os seus começos na Igreja de Cristo, não é deste mundo, cuja figura passa (cfr Ioh 18,36; 1Cor 7,31); e os seus crescimentos próprios não podem ser jul­gados idênticos ao progresso da cultura da humanidade ou das ciências ou das artes técnicas, mas consiste em que sejam conhecidas cada vez mais profundamente as riquezas insondáveis de Cristo, em que seja posta cada vez com maior constância a esperança nos bens eternos, em que cada vez mais ardentemente se responda ao amor de Deus; final­mente, em que a graça e a santidade sejam difundidas cada vez mais abundantemente entre os homens» (Credo do Povo de Deus, n° 27). No fim do mundo tudo será recapitulado em Cristo e Deus reinará definitivamente em todas as coisas (cfr 1Cor 15,24.28).

32. O que se refere à ruína e destruição de Jerusalém, cumpriu-se uns quarenta anos depois da morte do Senhor, e pôde ser comprovada a verdade desta profecia pelos con­temporâneos de Jesus. Por outro lado, a ruína de Jerusalém é símbolo do fim do mundo, e assim pode dizer-se que a geração a que o Senhor Se refere viu simbolicamente o fim do mundo. Também se pode compreender que o Senhor falava da geração dos crentes (cfr a nota a Mt 24,32-35).

28.11.2015 – Lc 21, 34-36

34Tende cuidado convosco, não se tornem pesados os vossos corações com a crápula, a embriaguez e as preocupações da vida, e aquele dia vos surpreenda subitamente 35como um laço, pois ele há-de irromper sobre todos os que habitam a face da Terra inteira. 36Velai, pois, orando em todo o tempo, para conseguirdes fugir a todas essas coisas que estão para acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do homem.

Comentário

34-36. No fim do Seu discurso o Senhor exorta à vigi­lância como atitude necessária para todos os cristãos. Devemos estar vigilantes porque não sabemos nem o dia nem a hora em que o Senhor virá pedir-nos contas. Por isso importa viver em todos os momentos pendentes da vontade divina, fazendo em cada instante o que temos de fazer. Há que viver de tal modo que, venha quando vier a morte, sempre nos encontre preparados. Para aqueles que vivem assim, a morte repentina nunca é uma surpresa. A estes diz São Paulo: «Vós, irmãos, não viveis em trevas para que aquele dia vos arre­bate como um ladrão» (1Thes 5,4). Vivamos, pois, em contínua vigilância. Consiste a vigilância na luta constante por não nos apegarmos às coisas deste mundo (a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida; cfr 1Ioh 2,16), e na prática assídua da oração que nos faz estar unidos a Deus. Se vivemos deste modo, aquele dia será para nós um dia de gozo e não de terror, porque a nossa vigilância terá como resultado, com a ajuda de Deus, que as nossas almas estejam prontas, em graça, para receber o Senhor. Assim o nosso encontro com Cristo não será um juízo condenatório mas um abraço definitivo com que Jesus nos introduzirá na casa do Pai. «Não brilha na tua alma o desejo de que teu Pai-Deus fique contente quando te tiver de julgar?» (Caminho, n° 746).

29.11.2015 – Lc 21, 25-28.34-36

25Haverá sinais no Sol, na Lua e nas es­trelas e, na Terra, angústia entre as nações, perplexas com o bramido e a agitação do mar, 26desfalecendo os homens de pavor e com a expectativa do que vai sobrevir ao Universo, pois as forças celestes serão aba­ladas. 27Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória.

28Ora, quando isto começar a acontecer, endireitai-vos e erguei as vossas frontes, porque se aproxima a vossa libertação.

34Tende cuidado convosco, não se tornem pesados os vossos corações com a crápula, a embriaguez e as preocupações da vida, e aquele dia vos surpreenda subitamente 35como um laço, pois ele há-de irromper sobre todos os que habitam a face da Terra inteira. 36Velai, pois, orando em todo o tempo, para conseguirdes fugir a todas essas coisas que estão para acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do homem.

Comentário

25-26. Jesus refere-Se à comoção dos elementos da natu­reza quando chegar o fim do mundo. «As forças celestes serão abaladas», isto é, todo o universo tremerá diante da vinda do Senhor em poder e glória.

27-28. O Senhor, aplicando a Si mesmo a profecia de Daniel (7,13-14), fala da Sua vinda gloriosa no fim dos tempos. Os homens contemplarão o poder e a glória do Filho do Homem, que vem para julgar vivos e mortos. Este juízo compete a Cristo também enquanto homem. A Sagrada Escritura descreve a solenidade deste juízo. Nele confir­ma-se a sentença dada já a cada um no juízo particular, e brilharão com total resplendor a justiça e a misericórdia que Deus teve com os homens ao longo da história. «Era razoável — ensina o Catecismo Romano — que não só se estabelecessem prêmios para os bons e castigos para os maus na vida futura, mas que também se decretasse num juízo geral e público, a fim de que se tornasse para todos mais notório e grandioso, e para que todos tributassem a Deus louvores pela Sua justiça e providência» (1, 8,4).

É, pois, essa vinda do Senhor dia terrível para os maus e dia de gozo para aqueles que Lhe foram fiéis. Os discípulos hão-de levantar a cabeça com gozo, porque se aproxima a sua redenção. Para eles é o dia do prêmio. A vitória obtida por Cristo na Cruz — vitória sobre o pecado, sobre o demô­nio e sobre a morte — manifesta-se aqui em todas as suas consequências. Por isso o apóstolo São Paulo recomenda-nos que vivamos «aguardando a bem-aventurança esperada e a vinda gloriosa do grande Deus e Salvador nosso Jesus Cristo» (Tit 2,13).

«Subiu ao Céu (o Senhor), donde há-de vir de novo, então com glória, para julgar os vivos e os mortos, cada um segundo os próprios méritos: os que tenham respondido ao amor e à piedade de Deus irão para a vida eterna, mas os que os tenham rejeitado até ao fim serão destinados ao fogo que nunca cessará» (Credo do Povo de Deus, n° 12).

34-36. No fim do Seu discurso o Senhor exorta à vigi­lância como atitude necessária para todos os cristãos. Devemos estar vigilantes porque não sabemos nem o dia nem a hora em que o Senhor virá pedir-nos contas. Por isso importa viver em todos os momentos pendentes da vontade divina, fazendo em cada instante o que temos de fazer. Há que viver de tal modo que, venha quando vier a morte, sempre nos encontre preparados. Para aqueles que vivem assim, a morte repentina nunca é uma surpresa. A estes diz São Paulo: «Vós, irmãos, não viveis em trevas para que aquele dia vos arre­bate como um ladrão» (1Thes 5,4). Vivamos, pois, em contínua vigilância. Consiste a vigilância na luta constante por não nos apegarmos às coisas deste mundo (a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida; cfr 1Ioh 2,16), e na prática assídua da oração que nos faz estar unidos a Deus. Se vivemos deste modo, aquele dia será para nós um dia de gozo e não de terror, porque a nossa vigilância terá como resultado, com a ajuda de Deus, que as nossas almas estejam prontas, em graça, para receber o Senhor. Assim o nosso encontro com Cristo não será um juízo condenatório mas um abraço definitivo com que Jesus nos introduzirá na casa do Pai. «Não brilha na tua alma o desejo de que teu Pai-Deus fique contente quando te tiver de julgar?» (Caminho, n° 746).

30.11.2015 – Mt 4, 18-22

18Passeando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão chamado Pedro e André, seu irmão, a deitarem a tarrafa ao mar, pois eram pescadores, 19e disse-lhes: Vinde após Mim, e far-vos-ei pescadores de homens.

20E eles imediatamente, deixadas as redes, seguiram-No.

21Prosseguindo dali, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, na barca, com o pai Zebedeu, a consertarem as redes e chamou-os 22E eles imediatamente, deixando a barca e o pai, seguiram-No.

Comentário

18-22. Os quatro discípulos conheciam já o Senhor (Ioh 1, 35-42). A breve convivência com Jesus deve ter produzido uma atracção imperiosa nas suas almas. Cristo preparava assim a vocação destes homens. Agora trata-se já daquela vocação eficaz, que os moveu a abandonar todas as suas coisas para O seguir e ser Seus discípulos. Por cima dos defeitos humanos — que os Evangelhos não dissimulam — ressalta, sem dúvida e de modo exemplar, a generosidade e prontidão com que os Apóstolos corresponderam ao chama­mento divino.

O leitor atento poderá descobrir e admirar a terna simplicidade com que os evangelistas relataram, para sempre, as circunstâncias da vocação destes homens no meio dos seus afazeres quotidianos.

«Deus tira-nos das trevas da nossa ignorância, do nosso caminho incerto entre os acontecimentos da história e chama-nos com voz forte, como um dia o fez com Pedro e André» (Cristo que passa, nº 45).

«Diálogo divino e humano, que transformou a vida de João e de André, de Pedro, de Tiago e de tantos outros; que preparou os seus corações para escutarem a palavra imperiosa que Jesus lhes dirigiu junto ao mar da Galileia» (Cristo que passa, nº108).

São de salientar as palavras com que a Sagrada Escritura descreve a entrega imediata destes apóstolos. Pedro e André deixaram imediatamente as redes e seguiram-No. Do mesmo modo, Tiago e João deixaram imediatamente a barca e o pai e seguiram-No. Deus passa e chama. Se não se Lhe responde imediatamente, Ele pode continuar o Seu caminho e nós podemos perdê-Lo de vista. A passagem de Deus pode ser rápida; seria triste que ficássemos para trás, por querermos segui-Lo levando connosco muitas coisas que não serão senão peso e estorvo.

Sobre o chamamento de Cristo dirigido aos homens no meio do seu trabalho habitual, veja-se a nota a Mt 2,2.

 

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