em Evangelho do dia

Junho de 2012

 

01.06.2012 – Mc 11, 11-26

11E entrou em Jerusalém, no Templo; e, depois de ter observado tudo, como era já tarde, saiu para Betânia com os doze.

12No dia seguinte, ao saírem de Betânia, sentiu fome. 13E, vendo ao longe uma figueira coberta de folhas, aproximou-se para ver se encontrava nela alguma coisa, mas, ao chegar junto dela, não encontrou senão folhas, porque não era tempo de figos. 14Tomando então a palavra, disse-lhe: Nunca mais alguém de ti coma fruto! Os discípulos ouviam.

15Chegaram a Jerusalém; e, tendo entrado no Templo, começou a expulsar os que aí vendiam e compravam; derribou as mesas dos cambistas e os bancos dos que vendiam as pombas, 16e não permitia que ninguém levasse nenhum objecto através do Templo. 17E ensinava-os, dizendo: Não está escrito que a Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Vós, porém, fizestes dela uma caverna de ladrões.

18Ouviram isto os Príncipes dos sacerdotes e os Escribas e procuravam modo de O matar, pois tinham medo d’Ele, porque todo o povo estava maravilhado da Sua doutrina. 19Ao cair da tarde saíram para fora da cidade.

20Na manhã seguinte, ao passarem por ali, repararam que a figueira estava seca até à raiz. 21E Pedro, lembrando-se, disse-Lhe: Mestre, olha, a figueira que amaldiçoaste está seca.22Respondeu-lhes Jesus: Tende fé em Deus. 23Em verdade vos digo que quem disser a este monte: «tira-te e lança-te ao mar» e não vacilarem seu coração, mas crer que o que diz se fará, ser-lhe-á concedido. 24Por isso Eu vos digo que tudo o que pedirdes na oração, crede que o recebestes, e assim será. 25E, quando vos puserdes a orar, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe, para que também vosso Pai que está nos Céus vos perdoe as vossas ofensas.

Comentário

12. A fome de Jesus é um sinal entre tantos outros, da Sua verdadeira Humanidade santíssima. Devemos contemplar Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, muito próximo de nós. A fome do Senhor indica-nos que Ele entende perfeitamente e participou das nossas necessidades e limitações. «Generosidade do Senhor que Se humilhou, que aceitou plenamente a condição humana, que não Se serve do Seu poder divino para fugir das dificuldades ou do esforço! E assim nos ensina a ser fortes, a amar o trabalho, a apreciar a nobreza humana e divina de saborear as consequências da entrega, da doação» (Cristo que passa, n.° 61).

13-14. Não há dúvida que Jesus sabia que não era tempo de figos; portanto, é claro que não pretendia comê-los, mas esta acção tem um significado mais profundo. Os Santos Padres, cujo sentir recolhe São Beda no seu comentário à perícopa, ensinam-nos que o milagre de Jesus tem uma intenção alegórica: Jesus tinha vindo aos Seus, ao povo judaico, com fome de encontrar frutos de santidade e de boas obras, mas não encontrou senão as práticas exteriores, que, por não terem o correspondente fruto, ficavam reduzidas a mero folhedo. Do mesmo modo Jesus, ao entrar no Templo lançará à cara dos ali presentes que o Templo de Deus, que é casa de oração — fruto da autêntica piedade —, foi convertido por eles em lugar de mercado — folhedo externo e sem valor —. «Também tu — conclui São Beda — se não queres ser condenado por Cristo, deves procurar evitar ser árvore estéril, para poder oferecer a Jesus, que Se fez pobre, o fruto de piedade de que necessita» (In Marci Evangelium expositio, ad loc.).

Deus quer que existam o fruto e as folhas; quando, por falta de rectidão de intenção, só há folhas, o que se vê, a aparência, podemos temer que ali não exista senão uma obra puramente humana, sem relevo sobrenatural, consequência da ambição, da soberba, e do afã de figurar.

«Temos de trabalhar muito na terra e temos de trabalhar bem, porque essa ocupação corrente é a que devemos santificar. Mas nunca nos esqueçamos de a realizar por Deus. Se trabalhássemos por nós mesmos, isto é, por orgulho, só conseguiríamos produzir folhas e nem Deus nem os homens poderiam saborear, numa árvore tão frondosa, a doçura dos frutos» (Amigos de Deus, n.° 202). Vid. também a nota aos vv. 20-26.

15-18. O Senhor não transige com um comportamento com falta de fé e de piedade nas coisas que se referem ao culto de Deus. Se Jesus Se comportou assim no que diz respeito ao Templo da Antiga Lei, que não haveremos de fazer nós relativamente ao Templo cristão, em que Ele está real e verdadeiramente presente na Santíssima Eucaristia!: «Há uma urbanidade da piedade. — Aprende-a. — Dão pena esses homens «piedosos», que não sabem assistir à Missa — ainda que a ouçam diariamente — nem benzer-se (fazem uns estranhos trejeitos, cheios de precipitação), nem dobrar o joelho diante do Sacrário (as suas genuflexões ridículas parecem um escárnio), nem inclinar reverentemente a cabeça diante de uma imagem da Senhora» (Caminho n.° 541). Cfr a nota a Mt 21,12-13.

20-25. Diante da figueira seca, Jesus fala-nos do poder da oração. Para que esta seja eficaz requere-se fé e confiança absoluta: «Fé viva e penetrante. Como a fé de Pedro. — Quando a tiveres, disse-o Ele, afastarás os montes, os obstáculos, humanamente insuperáveis, que se oponham aos teus empreendimentos de apóstolo» (Caminho, n.° 489).

Para que a oração seja eficaz também é necessário o amor que perdoa ao próximo; assim o nosso Pai Deus nos perdoará também a nós. Já que todos somos pecadores é necessário que o reconheçamos diante de Deus e Lhe pecamos perdão (cfr Lc 18,9-14). Quando Cristo nos ensinou a orar exigiu estas disposições prévias (cfr Mt 6,12; cfr também Mt 5,23 e as notas correspondentes). Assim o explica Teofilacto (Enarratio in Evangelium Marci, ad loc.): «Quando orardes, perdoai sé tendes alguma coisa contra alguém, para que o vosso Pai que está nos Céus, vos perdoe os vossos pecados… Quem crê com grande afecto, eleva plenamente o seu coração para Deus e, usando palavras de David, abre a sua alma diante de Deus. Quem dilata o seu coração diante de Deus une-se com Ele e o seu coração ardente adquire uma maior certeza de alcançar o que deseja».

Inclusivamente estando em pecado, o primeiro que deve fazer o homem é recorrer a Deus na oração. Por isso, Jesus não põe limite algum: «Qualquer que diga…». Por conseguinte, a nossa indignidade pessoal não deve ser desculpai para deixar de recorrer ao nosso Pai Deus com uma oração confiante. O facto de Deus conhecer as nossas necessidades também não pode ser pretexto para não nos dirigirmos á Ele. Santa Teresa exclamava assim na sua oração: «Oh Senhor meu!, porventura será melhor estar calada com minhas necessidades à espera de que Vós as remedieis? Não, certamente; que Vós, Senhor meu e deleite meu, sabendo as muitas que tinham de ser e o alívio que para nós é contá-las a Vós, dizeis que Vos pecamos e que não deixareis de dar» (Exclamações, 5). Cfr as notas a Mt 6,5-6 e a Mt 7,7-11.

26. Muitos manuscritos antigos acrescentam o v. 26; mas é claro que se trata de uma adição, tomada literalmente de Mt 6,15. Essa adição foi recolhida pelos editores da antiga Vulgata Sixto-Clementina.

 

02.06.2012 – Mc 11, 27-33

27Chegam outra vez a Jerusalém; e, andando Ele a passear no Templo, vêm ter com Ele os Príncipes dos sacerdotes e os Escribas e os Anciãos 28e dizem-Lhe: Com que autoridade fazes estas coisas? Ou quem Te deu a autoridade para Fazeres isto? 29Mas Jesus disse-lhes: Far-vos-ei só uma pergunta. Respondei-Me e dir-vos-ei com que autoridade faço estas coisas. 30O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-Me. 31Eles discorriam entre si e diziam: Se dissermos que do Céu, dirá: «Então porque não crestes nele?» 32Diremos antes: «Dos homens…». Mas temiam o povo, porque todos estavam convencidos que João era realmente profeta. 33Responderam, pois, a Jesus: Não sabemos. E Jesus disse-lhes: Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas.

Comentário

27-33. Os que interrogam o Senhor são os mesmos que, dias antes, buscavam o modo de O perder (cfr Mc 11,18). Neles está representado o judaísmo oficial da época (cfr a nota a Mt 2,4). Jesus tinha dado já provas e sinais do seu messianismo por meio dos milagres e da Sua doutrina ao longo do ministério público. Além disso. São João Baptista tinha cumprido a sua missão de dar testemunho acerca de Jesus. Por esta causa, antes de dar a resposta, Nosso Senhor exige-lhes que reconheçam a verdade proclamada pelo Precursor. Mas eles não querem aceitar a verdade, nem tão-pouco opor-se publicamente a ela por temor do povo. Diante desse comportamento que não quer rectificar era inútil qualquer explicação de Jesus.

Este episódio é exemplar para muitos outros que acontecem na vida: quem intente pedir contas a Deus ficará confundido.

 

03.06.2012 – Mt 28, 16-20

16Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha e mandato designado. 17Ao verem-No, adoraram-No, mas houve alguns que duvidaram. 18Aproximou-Se Jesus e falou-lhes nestes termos: Foi-Me dado todo o poder no Céu e na Terra . 19lde, pois, doutrinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20e ensinando-as a observar tudo o que vos mandei. Sabei que Eu estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos.

Comentário

16-20. Este breve passo, com que se encerra o Evangelho segundo São Mateus, é de extraordinária importância. Os discípulos vendo o Ressuscitado adoram-nO, prostram-se diante d’Ele como diante de Deus. A sua atitude parece indicar que enfim são conscientes do que já, muito antes, tinham no coração e unham confessado: que o Seu Mestre era o Messias, o Filho de Deus (cfr Mt 16, 18; Ioh 1, 49). Apodera-se deles o assombro e a alegria diante da maravilha que os seus olhos contemplam, que parece quase impossível, se não o estivessem a ver. Mas era realidade, e o pasmo deixou passagem à adoração. O Mestre fala-lhes com a majestade própria de Deus: «Foi-Me dado todo o poder no Céu e na Terra». A Omnipotência, atributo exclusivo de Deus, é também atributo Seu: está a confirmar a fé dos que O adoram. E, ao mesmo tempo, ensina que o poder que eles vão receber para realizar a Sua missão universal, deriva do próprio poder divino.

Recordemos diante destas palavras de Cristo que a autoridade da Igreja, em ordem à salvação dos homens, vem de Jesus Cristo directamente, e que esta autoridade, nas coisas de fé e de moral, está por cima de qualquer outra da terra.

Os Apóstolos ali presentes, e depois deles os seus legítimos sucessores, recebem o mandato de ensinar a todas as gentes a doutrina de Jesus Cristo: o que Ele próprio tinha ensinado com as Suas obras e as Suas palavras, o único caminho que conduz a Deus. A Igreja, e nela todos os fiéis cristãos, têm o dever de anunciar, até ao fim dos tempos, com o seu exemplo e com a sua palavra, a fé que receberam. De modo especial recebem esta missão os sucessores dos Apóstolos, pois neles recai o poder de ensinar com autoridade, «já que Cristo ressuscitado antes de voltar ao Pai (…) lhes confiava deste modo a missão e o poder de anunciar aos homens o que eles próprios tinham ouvido, visto com os seus olhos, contemplado e palpado com as suas mãos, acerca do Verbo da vida (1Ioh 1, 1). Ao mesmo tempo confiava-lhes a missão e o poder de explicar com autoridade o que Ele lhes tinha ensinado, as Suas palavras e os Seus actos, os Seus sinais e os Seus mandamentos. E dava-lhes o Espírito para cumprir esta missão» (Catechesi tradendae, n., 1). Portanto, os ensinamentos do Papa e dos Bispos unidos a ele, devem ser recebidos sempre por todos com assentimento e obediência.

Também comunica ali Cristo aos Apóstolos e aos seus sucessores o poder de baptizar, isto é, de admitir os homens na Igreja, abrindo-lhes o caminho da sua salvação pessoal.

A missão que, em última análise, recebe a Igreja neste fim do Evangelho de São Mateus, é a de continuar para sempre a obra de Cristo: ensinar aos homens as verdades acerca de Deus e a exigência de que se identifiquem com essas verdades, ajudando-os sem cessar com a graça dos sacramentos. Uma missão que durará até ao fim dos tempos e que, para a levar a cabo, o próprio Cristo Glorioso promete acompanhar a Sua Igreja e não a abandonar. Quando na Sagrada Escritura se afirma que Deus está com alguém, quer-se dizer que este terá êxito nas suas empresas. Daí que a Igreja, com a ajuda e a assistência do seu Fundador Divino, está segura de poder cumprir indefectivelmente a sua missão até ao fim dos séculos.

 

04.06.2012 – Mc 12, 1-12

E principiou a falar-lhes em parábolas: Um homem plantou uma vinha; rodeou-a com uma cerca, cavou um lagar e levantou uma torre. Depois arrendou-a a uns lavradores e partiu para longe. 2A seu tempo mandou um servo aos lavradores, para receber deles parte dos frutos da vinha. 3Mas eles pegaram nele, espancaram-no e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Tornou a mandar-lhes outro servo, mas também a ele lhe partiram a cabeça e o cobriram de injúrias. 5Mandou ainda outro. A este mataram-no. Depois muitos outros, e eles a uns espancaram-nos e a outros mataram-nos. Tinha ainda um, o filho estremecido. 6Man-dou-lho, por último, dizendo: «Hão-de respeitar o meu filho». 7Mas aqueles lavradores disseram uns para os outros: «Este é o herdeiro! Vamos matá-lo, e será nossa a herança». 8E, sem mais, pegaram nele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Há-de vir e exterminar aqueles lavradores, e a vinha dá-la-á a outros. 10Nunca lestes esta Escritura:

A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser pedra angular:

11isto é obra do Senhor e é maravilha a nossos olhos?

12E eles queriam prendê-Lo, mas tiveram medo do povo, pois tinham compreendido que para eles propusera a parábola. E, deixando-O, retiraram-se.

Comentário

1-12. Nesta parábola está compendiada de um modo impressionante a História da Salvação. Jesus serve-Se para expor o mistério da Sua Morte redentora de umas das mais belas alegorias do AT: a chamada «canção da vinha», com que Isaías (5, 1-7) profetizava a ingratidão de Israel diante dos favores de Deus. Jesus, sobre a base do texto de Isaías, revela-nos a paciência de Deus, que manda um depois de outro, os Seus mensageiros, os profetas do AT, para terminar enviando, diz o texto, o «filho estremecido», o próprio Jesus que os vinhateiros matariam. Esta expressão, com que o próprio Deus no Baptismo (1, 11) e na Transfiguração (9, 7) tinha designado Cristo, indica a divindade de Jesus, que é a pedra angular da salvação, rejeitada pelos que edificam sobre o seu egoísmo e a sua soberba. Para os judeus que escutaram esta parábola dos lábios de Jesus, o sentido deve ter-lhes parecido inequívoco. Os dirigentes de Israel, com efeito, «tinham compreendido que para eles propusera a parábola» (v. 12) e constituía o cumprimento do profetizado por Isaías. Cfr a nota a Mt 21,33-46.

 

05.06.2012 – Mc 12, 13-17

13Depois enviam-Lhe alguns dos Fariseus e Herodianos, para O apanharem em palavras. 14Chegados que foram, dizem-Lhe: Mestre, sabemos que és sincero e que não Te preocupas com ninguém, pois não fazes acepção de pessoas, mas ensinas com verdade o caminho de Deus. É ou não é lícito pagar o tributo a César? Devemos pagar, ou não devemos pagar? 15Mas Jesus, que lhes conhecia a hipocrisia, respondeu-lhes: Porque Me tentais? Trazei-Me um dinheiro, para ver. 16Trouxeram-no, e Ele disse-lhes: De quem é esta efígie e a inscrição? De César — responderam-Lhe. 17Disse-lhes então Jesus: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E ficaram admirados com Ele.

Comentário

13-17. Jesus aproveita a armadilha que procuram estender-lhe os Seus inimigos para ensinar que o homem pertence totalmente ao seu Criador: «Tendes que dar forçosamente a César a moeda que tem impressa a sua imagem; mas vós entregai com gosto todo o vosso ser a Deus, porque está impressa em nós a Sua imagem e não a de César» (Comm. in Marcum, ad loc.).

Ao mesmo tempo, Nosso Senhor estabeleceu um princípio permanente, que há-de guiar a actuação dos cristãos na vida pública. A Igreja reconhece a justa autonomia das realidades terrenas, mas isto não quer dizer que não tenha a responsabilidade de as iluminar com a luz do Evangelho. Os leigos, ao colaborarem lado a lado com os outros cidadãos no desenvolvimento da sociedade, devem infundir um autêntico sentido cristão: «Se o papel da Hierarquia é o de ensinar a interpretar autenticamente os princípios morais que devem ser seguidos neste terreno, aos leigos corresponde, com a sua livre iniciativa, e sem esperar passivamente ordens e directrizes, penetrar de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem. As mudanças são necessárias, as reformas profundas, indispensáveis: devem empenhar-se resolutamente em infundir-lhes o espírito evangélico» (Populorum progressio, n. 81).

 

06.06.2012 – Mc 12, 18-27

18Vêm depois ter com Ele os Saduceus, que negam a ressurreição, e perguntam-Lhe: 19Mestre, Moisés prescreveu-nos que, se morrer um irmão, deixando a mulher sem filho nenhum, o irmão dele tome essa mulher e suscite descendência ao irmão. 20Havia sete irmãos: o primeiro casou e, morrendo, não deixou descendência. 21O segundo casou com a viúva e morreu sem deixar descendência. Do mesmo modo, o terceiro; 22e assim os sete não deixaram descendência. Por fim, morreu também a mulher. 23Na ressurreição, quando ressuscitarem, de qual deles será ela mulher, pois os sete a tiveram por mulher? 24Disse-lhes Jesus: Não vedes que por isso errais, porque não compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus? 25Quando os mortos ressuscitarem, nem eles nem elas se casam, mas são como Anjos no Céu. 26E, a propósito da ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés, no passo da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob? 27Não é Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito errados.

Comentário

18-27. Jesus, antes de responder à dificuldade proposta pelos saduceus, quer assinalar a raiz donde procede: a tendência do homem a reduzir a grandeza divina aos limites humanos, uma excessiva confiança na razão, menosprezando a doutrina revelada e o poder de Deus. Alguém pode ter dificuldades diante das verdades da fé e isto não pode causar estranheza, pois essas verdades superam a razão. Mas é ridículo tratar de buscar contradições na palavra revelada: esse é o caminho para não resolver as dificuldades e para se extraviar definitivamente. Da Sagrada Escritura e, em geral, das coisas de Deus uma pessoa deve aproximar-se com a humildade que a fé exige. Precisamente na passagem da sarça ardente, que Jesus cita perante os saduceus, Deus disse a Moisés: «Descalça-te, que a terra que estás a pisar é sagrada» (Ex 3, 5).

 

07.06.2012 – Mc 14, 12-16.22-26

12No primeiro dia dos Ázimos, quando imolavam a Páscoa, dizem-Lhe os discípulos: Onde queres que vamos fazer os preparativos para comeres a Páscoa? 13Ele manda dois discípulos e diz-lhes: Ide à cidade, e sair-vos-á ao encontro um homem com um cântaro de água. Segui-o 14e dizei ao dono da casa onde entrar: «O Mestre manda dizer: Onde está a Minha sala em que possa comer a Páscoa com os Meus discípulos?». 15Ele mostrar-vos-á urna grande sala no andar superior, já mobiliada e pronta. Fazei lá os preparativos. 16Partiram os discípulos e, entrando na cidade, encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito e prepararam a Páscoa.

22Durante a ceia, tomou um pão, pronunciou a fórmula da bênção, partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: Tomai; isto é o Meu corpo. 23“Tomou depois o cálice, deu graças e passou-lho, e todos beberam dele. 24E disse-lhes: Isto é o Meu sangue do Testamento, derramado por muitos. 25Em verdade vos digo que não beberei mais do fruto da vide, até àquele dia em que o hei-de beber novo no Reino de Deus.

26E, cantados os hinos, saíram para o Monte das Oliveiras.

Comentário

12-16. Os pormenores deste passo podem parecer à primeira vista desusados no comportamento do Senhor. Não obstante, considerado com certa atenção, tudo é coerente: é provável que Jesus quisesse evitar que Judas conhecesse com antecipação o sítio exacto da celebração da Ceia e o comunicasse ao Sinédrio. Assim se cumpriram os planos divinos para aquela noite memorável de Quinta Feira Santa. Judas, com efeito, não parece ter podido comunicar aos sinedritas onde podiam encontrar Jesus antes de celebrarem a Ceia de Páscoa, durante a qual saiu o traidor do Cenáculo (cfr Ioh 13,30).

São Marcos descreve com mais pormenor que os outros evangelistas o lugar da Ceia, ao dizer que era uma sala grande e bem mobiliada: tratava-se de um lugar digno. Uma antiga tradição cristã afirma que a casa do Cenáculo era propriedade de Maria, a mãe do próprio São Marcos, à qual parece que pertencia também o Horto das Oliveiras.

22. A palavra «isto» não se refere ao acto de partir o pão, mas à coisa que Jesus apresenta aos Seus discípulos, isto é, ao que diante dos seus olhos aparecia como pão, que já não era pão mas o Corpo de Cristo. «Isto é o Meu corpo. A saber, o que vos dou agora e que agora vós tomais. Porque o pão não é só figura do Corpo de Cristo, mas converte-se neste mesmo Corpo, segundo disse o Senhor: o pão que Eu darei é a Minha própria carne (Ioh6, 51). Por isso o Senhor conserva as espécies de pão e de vinho, mas converte estes na realidade da Sua carne e do Seu sangue» (Enarratio in Evangelium Marci, ad loc.). Não corresponde, pois, ao sentido do texto qualquer interpretação que derive para o simbolismo ou para a metáfora. O mesmo se deve dizer acerca de «este é o Meu sangue» do v. 24. Sobre o realismo destas expressões cfr a nota a Mt 26,26-29, primeira parte.

24. As palavras da consagração do cálice mostram com clareza a natureza de sacrifício que tem a Eucaristia: O Sangue de Cristo derramado que sela a nova e definitiva Aliança de Deus com os homens. Esta Aliança fica selada para sempre com o sacrifício de Cristo na Cruz, no qual Jesus é ao mesmo tempo o Sacerdote e a Vítima. A Igreja definiu esta verdade com as seguintes palavras: «Se alguém disser que no sacrifício da Missa não se oferece a Deus um verdadeiro e próprio sacrifício, ou que o oferecê-lo, não é outra coisa senão dar-Se-nos a comer Cristo, seja anátema» (De SS. Missae sacrifício, cap. l, can. 1).

Aquelas palavras pronunciadas sobre o cálice devem ter sido muito reveladoras para os Apóstolos, porque nelas aparecia o sentido de preparação e de antecipação que tinham tido os sacrifícios da antiga Aliança. Os Apóstolos compreenderam deste modo como a Aliança do Sinai e os múltiplos sacrifícios do Templo não eram senão uma figura imperfeita do sacrifício definitivo e da Aliança definitiva, que teriam lugar na Cruz e eram antecipados na Ceia.

Uma explicação clara do caracter sacrificial da Eucaristia, pode ver-se no texto inspirado dos capítulos 8 e 9 da Epístola aos Hebreus. Do mesmo modo, a melhor preparação para entender a presença real e a Eucaristia como alimento da alma é a leitura do capítulo 6 do Evangelho de São João.

Na Ultima Ceia, pois, Cristo entrega-Se já voluntariamente a Seu Pai como vítima que vai ser imolada. Tanto a Ceia como a Santa Missa constituem com a Cruz um sacrifício único e perfeito, porque nos três casos a vítima oferecida é a mesma: Cristo; e o mesmo sacerdote: Cristo. A única diferença é que a Ceia, anterior à Cruz, antecipa de modo incruento a morte do Senhor e oferece a vítima que há-de ser imolada; enquanto a Santa Missa oferece, também de modo incruento, a vítima já imolada na Cruz, vítima que permanece na eternidade da glória.

25. O Senhor, depois de instituir a Santíssima Eucaristia, prolonga aquela Ultima Ceia em comovente conversa com os Seus discípulos, a quem dê novo fala da Sua próxima morte (cfr Ioh caps. 13-17). Jesus alivia a tristeza da Sua despedida prometendo aos Apóstolos que chegará um dia em que voltará a reunir-Se com eles, quando o Reino de Deus tiver chegado à sua plenitude. Com isso refere-Se à vida beatífica nos Céus, tantas vezes comparada a um banquete. Então não haverá necessidade do alimento e bebida normais desta terra, mas de algo diferente. Por isso alude o Senhor a um vinho novo (cfr Is 25, 6). Em última análise, depois da Ressurreição, os Apóstolos e todos os santos poderão ter a dita de estar com Jesus.

O facto de São Marcos apresentar estas palavras depois da instituição da Eucaristia, indica de algum modo que esta é uma antecipação aqui na terra da posse de Deus na bem-aventurança eterna, em que Deus será tudo em todos (cfr 1Cor 15, 28). «O Nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do Seu Corpo e do Seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da Cruz, confiando à Igreja, Sua esposa amada, o memorial da Sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura» (Sacrosanctum Concilium, n. 47).

26. «E, cantados os hinos». Segundo o costume dos Judeus, na Ceia Pascal recitavam-se umas orações que se chamavam «Hallel», e que recolhiam os Salmos 113 a 118; a última parte recitava-se no fim da ceia.

 

08.06.2012 – Mc 12, 35-37

35Jesus, continuando a ensinar no Templo, perguntava: Como dizem os Escribas que Cristo é Filho de David? 36O mesmo David, inspirado pelo Espírito Santo, cantou:

Disse o Senhor ao Meu Senhor:

Senta-Te à Minha direita, até que ponha os Teus inimigos como escabelo dos Teus pés?

37O próprio David chama-Lhe Senhor; donde vem então que é Seu filho? E a numerosa multidão escutava-O com prazer.

Comentário

35-37. Jesus testemunha aqui, com a Sua autoridade singular, a inspiração divina da Escritura, ao dizer que David escreveu o Salmo 110 movido pelo Espírito Santo. Pelo passo aprecia-se como o começo desse Salmo era de difícil interpretação para os Judeus. Jesus Cristo expõe o sentido messiânico que têm estas palavras: «Disse o Senhor ao meu Senhor». Esse segundo «Senhor» é o Messias, e implicitamente Jesus identifica-Se com ele. O caracter misteriosamente transcendente do Messias fica expressado pelo paradoxo de que sendo filho, descendente de David, todavia este chama-lhe seu Senhor. Cfr a nota a Mt 22,41-46.

 

09.06.2012 – Mc 12, 38-44

38E Ele, no Seu ensino, dizia: Guardai-vos dos Escribas, que gostam de passear com vestidos roçagantes, de ser saudados nas praças, 39de ocupar as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; 40que devoram as casas das viúvas e simulam orar longamente. Estes receberão julgamento mais severo.

41Sentando-Se depois defronte do gazofilácio, observava como a gente lá deitava moedas de cobre. Muitos ricos deitavam muito.42Veio uma pobre viúva e deitou duas pequeninas moedas, que perfaziam um quadrante. 43E Ele, chamando os discípulos disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deitou no gazofilácio mais que todos. 44Pois que todos deitaram do que lhes sobejava, mas esta, da sua indigência, deitou quanto tinha, todo o seu sustento.

Comentário

38-40. O Senhor repreende o afã desordenado das honras humanas: «Deve advertir-se que não proíbe as saudações na praça nem ocupar os primeiros assentos àqueles a quem corresponde pelo seu ofício; mas previne os fiéis de que devem evitar, como homens maus, os que amam indevidamente tais honras» (In Marci Evangelium expositio, ad loc.). Vid. também as notas a Mt 23,2-3.5.11.14.

41-44. O pequeno episódio é ocasião para que Nosso Senhor dê um ensinamento em que quer realçar a importância do que aparentemente é insignificante. Usa uma expressão um tanto paradoxal: a pobre viúva deitou mais que os ricos. Diante de Deus o valor das acções consiste mais na rectidão de intenção e na generosidade de espírito, que na quantia do que se dá. «Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva deixou no Templo a sua pequena esmola? — Dá-Lhe tu o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres» (Caminho, n.° 829). Por isso mesmo, também são agradáveis a Deus as nossas acções, ainda que não tenham a perfeição que seria de desejar. São Francisco de Sales comenta: «Como no tesouro do Templo foram estimadas as duas moedazinhas da pobre viúva (…), as pequenas obras boas, ainda que cumpridas com um pouco de descuido e não com toda a energia da nossa caridade, não deixam de ser gratas a Deus e de ter o seu mérito diante d’Ele; donde, ainda que elas por si mesmas não valham para aumentar o amor precedente (…), a Providência divina, que toma conta delas e pela Sua bondade as estima, imediatamente as recompensa com aumento de caridade nesta vida e com a atribuição de maior glória no Céu» (Tratado do amor de Deus, livro 3, cap. 2).

 

10.06.2012 – Mc 3, 20-35

20Votou depois para casa. E de novo acorreu tanta gente, que nem sequer podiam comer um bocado de pão. 21Ao saberem isto, os Seus saíram a ter mão n’Ele, pois se dizia: Está fora de Si.

22Mas os Escribas, descidos de Jerusalém, diziam: Está possesso de Belzebu, e é em virtude do príncipe dos Demônios que os expulsa. 23Chamou-os Ele e disse-lhes, em parábolas: Como pode Satanás expulsar a Satanás? 24Se um reino se divide contra si mesmo, não pode um tal reino sustentar-se. 25E, se uma casa se divide contra si mesma, não poderá esta casa sustentar-se. 26Se, pois, Satanás se levantou contra si mesmo e se dividiu, não pode sustentar-se, mas está no fim. 27O facto é que ninguém pode entrar em casa dum valente e saquear-lhe as alfaias, sem primeiro o prender; só então lhe saqueará a casa.

28Em verdade vos digo que aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfêmias que proferirem; 29mas quem blasfemar contra o Espírito Santo jamais alcançará perdão: será réu de delito eterno, 30porque diziam: — Está possesso de um espírito imundo.

31Nisto chegaram Sua Mãe e Seus irmãos e, ficando fora, mandaram-No chamar. 32“Ora estava muita gente sentada à volta d’Ele, quando Lhe disseram: Olha, Tua Mãe, Teus irmãos e Tuas irmãs estão ali fora a procurar-Te. 33Mas Ele respondeu: Quem é Minha mãe e Meus irmãos?34E, percorrendo com o olhar todos o que estavam à volta d’Ele, disse: 35Quem faz a vontade de Deus, esse é Meu irmão, e irmã, e mãe.

Comentário

20-21. Alguns dos Seus parentes, deixando-se levar por pensamentos meramente humanos, interpretaram a absorvente dedicação de Jesus ao apostolado como um exagero, explicável — na sua opinião — apenas por uma perda de juízo. Ao ler estas palavras do Evangelho, não podemos pelo menos deixar de nos sentir afectados pensando naquilo a que Se submeteu Jesus por nosso amor: a que dissessem que tinha «perdido o juízo». Muitos santos, a exemplo de Cristo, passarão também por loucos, mas serão loucos de Amor, loucos de Amor a Jesus Cristo.

22-23. Até os milagres de Jesus foram mal entendidos por aqueles escribas que O acusam de ser instrumento do príncipe dos demônios: Beelzebu. Este nome pode relacionar-se com Beelzebub, assim o escrevem alguns códices, nome de um deus da cidade filisteia do Eqroii (Accaron), que significa «deus das moscas». Embora seja mais provável que o príncipe dos demônios se denomine Beelzebu, porque este termo significa «deus do estéreo», e estéreo chamavam os Judeus aos sacrifícios pagãos. Beelzebub ou Beelzebu, era aquele a quem se dirigiam, em última análise, esses sacrifícios: o demônio (1Cor 10, 20). É o mesmo personagem misterioso, mas real, que Jesus chama Satanás, que significa o adversário, e a que Cristo veio arrancar o domínio que tinha sobre o mundo (1Cor 15, 24-28; Col 1, 13 s.), numa luta incessante (Mt 4, 1-10; Ioh 16, 11). Estes nomes mostram a realidade do demônio, como um ser pessoal, que tem ao seu serviço outros muitos da sua natureza (Mc 5,9).

24-27. O Senhor convida agora os fariseus, obcecados e endurecidos, a fazer uma consideração simples: se alguém expulsa o demônio, isto quer dizer que é mais forte do que ele. É uma exortação mais a reconhecer em Jesus o Deus «forte», o Deus que com o Seu poder liberta o homem da escravidão do demônio. Terminou o domínio de Satanás: o príncipe deste mundo está a ponto de ser expulso. A vitória de Jesus sobre o poder das trevas, que culmina na Sua Morte e Ressurreição, demonstra que a luz está já no mundo. Disse-o o próprio Senhor: «Agora é o julgamento deste mundo. Agora é que o Príncipe deste mundo vai ser lançado fora» (Ioh 12,31-32).

28-30. Jesus acaba de realizar um milagre, mas os escribas não o reconhecem «porque eles diziam: Tem um espírito imundo» (v. 30). Não querem admitir que Deus é o autor do milagre. Nessa atitude consiste precisamente a gravidade especial da blasfêmia contra o Espírito Santo: atribuir ao príncipe do mal, a Satanás, as obras de bondade realizadas pelo próprio Deus. Quem actuasse assim viria a ser como um doente que, no cúmulo da sua desconfiança, repelisse o médico como um inimigo, e rejeitasse como um veneno o remédio que o poderia salvar. Por isso diz Nosso Senhor que o que blasfema contra o Espírito Santo não terá perdão: não porque Deus não possa perdoar todos os pecados, mas porque esse homem, na sua obcecação perante Deus, rejeita Jesus Cristo, a Sua doutrina e os Seus milagres, e despreza as graças do Espírito Santo como se fossem enganos para o perder (cfr Catecismo Romano, II, 5, 19; Suma Teológica, II-II q. 14, a. 3). Veja-se a nota a Mt 12, 31-32.

31-35. A palavra «irmãos» era em aramaico, a língua falada por Jesus, uma expressão genérica para indicar um parentesco: irmãos também se chamavam os sobrinhos, os primos direitos e os parentes em geral. (Para mais explicações cfr a nota a Mc 6, 1-3). «Jesus não disse estas palavras para renegar Sua mãe, mas para mostrar que não só é digna de honra por ter gerado Cristo, mas também pelo cortejo de todas as virtudes» (Enarratio in Evangelium Marci, ad loc.).

Por isso, a Igreja recorda-nos que a Santíssima Virgem «acolheu as palavras com que o Filho, pondo o reino acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática; coisa que Ela fazia fielmente» (Lumen gentium, n. 58).

O Senhor, pois, ensina também que segui-Lo nos leva a compartilhar a Sua Vida até tal ponto de intimidade que constitui um vínculo mais forte que o familiar. São Tomás explica-o dizendo que Cristo «tinha uma geração eterna e outra temporal, e antepõe a eterna à temporal. Aqueles que fazem a vontade de Meu Pai alcançam-No segundo a geração celestial (…). Todo o fiel que faz a vontade do Pai, isto é, que simplesmente Lhe obedece, é irmão de Cristo, porque é semelhante Àquele que cumpriu a vontade do Pai. Mas, quem não só obedece, mas converte os outros, gera Cristo neles, e desta maneira chega a ser como a Mãe de Cristo» (Comentário sobre S. Mateus, 12,49-50).

 

11.06.2012 – Mt 10, 7-13

7Ide e pregai, dizendo: «Está próximo o Reino dos Céus». 8Curai enfermos, ressuscitai mortos, limpai leprosos, expulsai Demônios. Dai de graça o que de graça recebeste. 9Não procureis oiro nem prata nem cobre para vossos cintos, 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas nem calçado nem bordão, porque o trabalhador tem direito ao seu sustento.

11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, informai-vos de alguma pessoa honrada que nela haja e hospedai-vos aí até partirdes. 12E, ao entrar na casa, saudai-a. E, se realmente essa casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; 13se, porém, não for digna, a vossa paz voltará para vós.

Comentário

9. «Cintos»: Cinturões duplos, cosidos pelas bordas, em que se costumava na antiguidade levar o dinheiro e outros objectos pequenos e pesados.

9-10. Jesus urge aos Seus discípulos a que partam sem demora para o cumprimento da sua missão. Não devem preocupar-se por carecerem de bens materiais, nem dos meios humanos; o que faltar Deus provê-lo-á na medida das suas necessidades. Esta santa audácia em empreender as obras de Deus repete-se uma e outra vez na história da Igreja. Quantas coisas grandes foram empreendidas, mesmo sem ter à disposição os meios humanos mais imprescindíveis! Assim agiram os santos. Se na expansão da Igreja se tivesse esperado por dispor desses meios, muitas almas não teriam recebido a luz de Cristo. Quando o cristão está persuadido de qual é a Vontade de Deus, não deve, com ânimo encolhido, parar a contar os meios de que dispõe. «Nos empreendimentos de apostolado, está bem — é um dever que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 =4). Mas não te esqueças — nunca — de que tens de contar, felizmente, com outra parcela. Deus + 2 + 2…) (Caminho, n.°471).

De qualquer modo, não pretendamos forçar Deus para que intervenha de modo extraordinário quando podemos remediar as necessidades com o nosso próprio esforço e trabalho. Isto quer dizer que os cristãos devem ajudar com generosidade aqueles que, dedicados totalmente a cuidar dos bens espirituais dos seus irmãos, não têm tempo para se ocuparem do seu próprio sustento. Veja-se a este propósito o que promete o próprio Jesus em Mt 10,40-42.

11-15. A palavra «paz» era e continua a ser a saudação usual entre os Judeus. Mas na boca dos Apóstolos devia adquirir uma significação mais profunda: a manifestação da bênção de Deus, que os discípulos de Jesus, como enviados Seus, derramam sobre aqueles que os acolhem. Este mandato do Senhor não termina naquela missão concreta, mas é como que uma profecia para toda a história posterior. O mensageiro de Cristo não desanima quando a sua palavra não é acolhida. Sabe que a bênção de Deus não fica vazia nem é ineficaz (cfr Is 55, 11) e todo o esforço por parte do cristão sempre dará fruto. Em qualquer caso, a palavra apostólica leva consigo a graça da conversão: «muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a Fé, e o número, só dos homens, elevou-se a uns cinco mil» (Act 4,4; cfr 10,44; Rom 10,17).

O homem deve prestar atenção a essa palavra do Evangelho e acreditar nela (Act 13, 48; 15, 7). Se a aceitar e perseverar nela, receberá a consolação da sua alma, a paz do seu espírito (Act 8, 3.9) e a salvação (Act 11, 4-18). Mas se a rejeitar, não estará isento de culpa e Deus julgá-lo-á por se ter fechado à graça que lhe foi oferecida.

 

12.06.2012 – Mt 5, 13-16

13Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se tornar insípido, com que há-de ser ele salgado? Para nada mais serve, senão para se deitar fora e ser pisado pelos homens.

14Vós sois a luz do mundo. Não pode ocultar-se uma cidade assente sobre um monte.

15Nem se acende uma candeia para se colocar debaixo do alqueire mas sim sobre o velador, e assim alumia a quantos estão em casa.

16Brilhe a vossa luz diante dos homens de tal modo que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus.

Comentário

13-15. Estes versículos são um chamamento à missão apostólica que todo o cristão tem pelo facto de o ser. Cada cristão há-de lutar pela sua santificação pessoal, mas também pela santificação dos outros. Jesus ensina-o com as imagens expressivas do sal e da luz. Assim como o sal preserva da corrupção os alimentos, lhes dá sabor, os torna agradáveis e desaparece confundindo-se com eles, o cristão há-de desempenhar essas mesmas funções entre os seus semelhantes.

«Tu és sal, alma de apóstolo. — «Bonum est sal» — o sal é bom, lê-se no Santo Evangelho; «si autem sal evanuerit» — mas se o sal se desvirtua… de nada serve, nem para a terra, nem para o estéreo; deita-se fora como inútil.

«Tu és sal, alma de apóstolo. — Mas se te desvirtuas…» (Caminho, n.°921).

As boas obras são fruto da caridade, que consiste em amar os outros como nos ama o Senhor (cfr Ioh 15, 12). «Agora adivinho — escreve Santa Teresinha — que a verdadeira caridade consiste em suportar todos os defeitos do próximo, em não estranhar as suas debilidades, em edificar-se com as suas menores virtudes; mas aprendi especialmente que a caridade não deve permanecer encerrada no fundo do coração pois ‘não se acende uma luz para a colocar debaixo de um alqueire, mas sobre o velador a fim de alumiar todos os que estão em casa’. Parece-me que esta tocha representa a caridade que deve iluminar e alegrar não só aqueles que mais amo, mas todos os que estão em casa» (História de uma alma, cap 9).

Uma das manifestações mais claras da caridade é a actividade apostólica. O Concilio Vaticano II pôs em relevo a obrigação do apostolado, direito e dever que nascem do Baptismo e da Confirmação (cfr Lumen gentium, n. 33), até afirmar que, fazendo o cristão parte do Corpo Místico, «o membro que não contribui segundo a sua medida para o aumento deste Corpo, deve dizer-se que não aproveita nem à Igreja nem a si mesmo» (Apostolicam actuositatem, n. 2). «Inúmeras oportunidades se oferecem aos leigos para exercerem o apostolado de evangelização e santificação. O próprio testemunho da vida cristã e as obras, feitas com espírito sobrenatural, têm eficácia para atrair os homens à fé a Deus; diz o Senhor: ‘Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que vejam as vossas boas obras e deem glória ao vosso Pai que está nos céus’» (Apostolicam actuositatem, n. 6).

«A Igreja tem de estar presente nestes agrupamentos humanos por meio dos seus filhos que entre eles vivem ou a eles são enviados. Com efeito, todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Baptismo, e a virtude do Espírito Santo por quem na Confirmação foram robustecidos, de tal modo que os outros homens, ao verem as suas boas obras, glorifiquem o Pai e compreendam mais plenamente o sentido genuíno da vida humana e o vínculo universal da comunidade humana» (Adgentes, n. 11; cfr n. 36).

 

13.06.2102 – Mt 5, 17-19

17Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim abolir mas cumprir.

18Ern verdade vos digo: até que passem os Céus e a Terra, nem um só jota ou um só til da Lei passará, sem que tudo se cumpra.

19Portanto, quem transgredir um só destes mandamentos mais pequenos e ensinar assim aos homens, será o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas quem os observar e ensinar, esse será grande no Reino dos Céus.

Comentário

17-19. Jesus ensina neste passo o valor perene do Antigo Testamento, enquanto é palavra de Deus; goza, portanto, de autoridade divina e não pode desprezar-se o mínimo. Na Antiga Lei havia preceitos morais, judiciais e litúrgicos. Os preceitos morais do AT conservam no Novo o seu valor, porque são principalmente promulgações concretas, divino-positivas, da lei natural. Nosso Senhor dá-lhes, contudo, a sua significação e as suas exigências mais profundas. Os preceitos judiciais e cerimoniais, pelo contrário, foram dado por Deus para uma etapa concreta na História da Salvação, a saber, até à vinda de Cristo; a sua observância material em si não obriga os cristãos (cfr Suma Teológica, I-II, q. 108, a. 3 ad 3).

A lei promulgada por meio de Moisés e explicada pelos Profetas constituía um dom de Deus para o povo, como antecipação da Lei definitiva que daria Cristo o Messias. Na verdade, como definiu o Concilio de Trento, Jesus não só « foi dado aos homens como Redentor em quem confiem, mas também como Legislador a quem obedeçam» (De justificatione, can. 21).

 

14.06.2012 – Mt 5, 20-26

20Porque Eu vos digo que, se a vossa justiça não sobrepujar a dos Escribas e Fariseus, não entra reis no Reino dos Céus.

21Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, e quem matar será réu perante o tribunal. 22Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu perante o tribunal. E quem chamar a seu irmão «imbecil», será réu perante o Sinédrio. E quem lhe chamar «doido», será réu da Geena do fogo. 23Portanto, se ao apresentares a tua oferenda ao altar, aí te recordares que teu irmão tem algo contra ti, 24deixa aí a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois vem e apresenta a tua oferenda. 25Põe-te de acordo com o teu adversário, enquanto estás com ele no caminho. Não seja caso que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. 26Em verdade te digo: não sairás de lá, enquanto não pagares o último ceitil.

Comentário

20. «Justiça»: Veja-se nota a Mt 5, 6. O versículo vem esclarecer o sentido dos precedentes. Os escribas e os fariseus tinham chegado a deformar o espírito da Lei, ficando na observância externa e ritual da mesma. Entre eles o cumprimento exacto e minucioso, mas externo, dos preceitos tinha-se transformado numa garantia de salvação do homem diante de Deus: «se eu cumpro isto sou justo, sou santo e Deus tem de me salvar». Com este modo de conceber a justificação já não é Deus no fundo quem salva, mas é o homem quem se salva pelas obras externas. A falsidade de tal concepção fica patente com a afirmação de Cristo, que poderia exprimir-se com estes termos: para entrar no Reino dos Céus é necessário superar radicalmente a concepção da justiça ou santidade a que tinham chegado os escribas e os fariseus. Por outras palavras, a justificação ou santificação é uma graça de Deus, com a qual o homem só pode colaborar secundariamente pela sua fidelidade a essa graça. Noutros lugares estes ensinamentos ficarão ainda mais claramente explicados por Jesus (cfr Lc 18, 9-14, parábola do fariseu e do publicano). Também dará lugar a Uma das grandes batalhas doutrinais de São Paulo perante os «judaizantes» (veja-se Gal 3 e Rom 2-5).

21-26. Nestes versículos temos um exemplo concreto de como Jesus leva à sua plenitude a Lei de Moisés, explicando profundamente o sentido dos mandamentos desta.

22. Jesus ao falar em primeira pessoa («Eu, porém, digo-vos») expressa que a Sua autoridade está por cima da de Moisés e dos Profetas; quer dizer: Ele tem autoridade divina. Nenhum homem poderia falar com essa autoridade,

«Imbecil»: Muitíssimas versões deste passo mantiveram a transcrição da palavra original aramaica: «Raça», pronunciada por Cristo. Não é fácil de dar uma tradução exacta. O termo «raça» equivale ao que hoje entendemos por néscio, estúpido, imbecil. Era sinal entre os Judeus de um grande desprezo, que muitas vezes se manifestava não com palavras, mas com a acção de cuspir no chão.

«Doido», que outras versões traduzem por «fátuo», «louco», «renegado», etc., era um insulto ainda maior que «raça»: referia-se à perda do sentido moral e religioso, até ao ponto da apostasia.

Nosso Senhor indica neste texto três faltas que podemos cometer contra a caridade, nas quais se pode apreciar uma gradação, que vai desde a irritação interna até ao maior dos insultos. A propósito deste passo comenta Santo Agostinho que se devem observar três graus de faltas e de castigos. O primeiro, entrar em cólera por um movimento interno do coração, ao que corresponde o castigo do juízo; o segundo, dizer alguma palavra de desprezo, que leva consigo o castigo do Conselho; o terceiro, quando deixando-nos levar pela ira até à obcecação, injuriamos despiedadamente os nossos irmãos, que é castigado com o fogo do inferno (cfr De Semi. Dom. in monte II, 9).

«Geena do fogo», frase que na linguagem judaica daqueles tempos significava o castigo eterno, o fogo do inferno.

Daqui a gravidade dos pecados externos contra a caridade: murmuração, injúria, calúnia, etc. Não obstante, devemos dar-nos conta de que estes brotam do coração; o Senhor chama a atenção em primeiro lugar para os pecados internos: rancor, ódio, etc., para fazer ver que aí está a raiz, e quanto nos convém refrear os primeiros movimentos da ira.

23-24. O Senhor encontra-Se com umas práticas judaicas do Seu tempo, e em tal ocasião dará uma doutrina de valor moral altíssimo e perene. Naturalmente que no cristianismo estamos noutra situação diferente das práticas cultuais judaicas. Para nós o mandato do Senhor tem uns caminhos determinados por Ele mesmo. Em concreto, na Nova e definitiva Aliança, fundada por Cristo, reconciliar-nos é aproximar-nos do sacramento da Penitência. Neste os fiéis «obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa feita a Ele, e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, à qual feriram pelo pecado» (Lumen gentium, n. 11).

Do mesmo modo, no Novo Testamento, a oferenda por excelência é a Eucaristia. Ainda que à Santa Missa se deva assistir sempre nos dias de preceito, é sabido que para a recepção da Sagrada Comunhão se requer como condição imprescindível estar em graça de Deus.

Nosso Senhor não quer dizer nestes versículos que se tenha de antepor o amor do próximo ao amor de Deus. A caridade tem uma ordem: amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é o maior e primeiro mandamento (cfr Mt 22, 37-38). O amor ao próximo, que é o segundo mandamento em importância (cfr Mt 22, 39), recebe o seu sentido do primeiro. Não é concebível fraternidade sem paternidade. A ofensa contra a caridade é, antes de mais, ofensa a Deus.

 

15.06.2012 – Jo 19, 31-37

31Então os Judeus, visto ser a Preparação, para os corpos não ficarem na cruz ao sábado, pois era um grande dia aquele sábado, pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32Vieram, pois, os soldados e quebraram as pernas ao primeiro, depois ao outro que tinha sido crucificado com Ele. 33Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, 34mas um dos soldados perfurou-Lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água. 35Aquele que o viu é que o atesta, e é verdadeiro o seu testemunho; ele sabe que diz a verdade, para vós também acreditardes. É que isto sucedeu para se cumprir a Escritura: Nem um só dos seus ossos se há-de quebrar! 37Diz ainda outro passo da Escritura: Hão-de olhar para Aquele que trespassaram!

Comentário

31-32. Jesus morre no dia da preparação da Páscoa — Parasceve —, isto é, na véspera, quando no Templo eram imolados oficialmente os cordeiros pascais. Ao sublinhar esta coincidência o Evangelista insinua que o sacrifício de Cristo substituía os sacrifícios da antiga Lei e inaugurava a Nova Aliança no Seu sangue (cfr Heb 9,12).

A Lei de Moisés mandava que os justiçados não permanecessem pendurados do madeiro ao chegar a noite (Dt 21,22-23); por isso os judeus pedem a Pilatos que lhes quebrem as pernas para acelerar a morte e podê-los enterrar antes do anoitecer, sobretudo porque no dia seguinte era a solenidade da Páscoa.

Sobre a data da morte de Jesus veja-se Data da Morte, pp. 82 ss.

34, Este facto tem uma explicação natural. O mais provável é que a água que saiu do lado de Cristo fosse o líquido pleural acumulado por causa dos tormentos.

Como noutras ocasiões, o quarto Evangelho, nos factos históricos que narra, contém um significado profundo. Santo Agostinho e a tradição cristã veem brotar os sacramentos e a própria Igreja do lado aberto de Jesus: «Ali abria-se a porta da vida, donde manaram os sacramentos da Igreja, sem os quais não se entra na verdadeira vida (…). Este segundo Adão adormeceu na cruz para que dali fosse formada uma esposa que saiu do lado d’Aquele que dormia. Oh morte que dá vida aos mortos! Que coisa mais pura que este sangue? Que ferida mais salutar que esta?» (In Ioann. Evang., 120,2). Por sua vez o Concilio Vaticano II ensinou: «A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado» (Lumen gentium, n. 3).

«Cristo na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloquente — as palavras não são necessárias — à pergunta sobre o valor das coisas e das pessoas. Pois valem tanto os homens, a sua vida, a sua felicidade, que o próprio Filho de Deus Se entrega para os remir, para os purificar, para os elevar!» (Cristo que passa, n.° 165).

35. O Evangelho de São João apresenta-se como um testemunho veraz acerca dos acontecimentos da vida do Senhor e do seu significado doutrinai e espiritual. Desde as palavras de João Baptista no começo do ministério público de Jesus (1,19) até ao parágrafo conclusivo do Evangelho (21,24-25), tudo fica enquadrado num testemunho da realidade sublime do Verbo de Vida feito carne. Aqui o Evangelista explicita a sua condição de testemunha directa (cfr também Ioh 20,30-31; 1Ioh 1,1-3).

36. Esta citação alude ao preceito da Lei de não quebrar nenhum osso ao cordeiro pascal (cfr Ex 12,46). Uma vez mais o Evangelho de São João ensina-nos que Jesus é o verdadeiro Cordeiro pascal que tira o pecado do mundo (cfr Ioh 1 ,29).

37. O relato da Paixão termina com a citação de Zach 12,10, que preanunciava a salvação pelo sofrimento e morte misteriosos de um Redentor. O Evangelista evoca com este texto profético a salvação realizada por Jesus Cristo que, pregado na Cruz, cumpriu a promessa divina de redenção (cfr Ioh 12,32). Todo aquele que O contemple com fé recebe os frutos da Sua Paixão. Assim, o bom ladrão, contemplando Cristo na Cruz, reconheceu a Sua realeza, pôs n’Ele a sua confiança e recebeu a promessa do Céu (cfr Lc 23,42-43).

Na liturgia da Sexta Feira Santa a Igreja convida a contemplar e adorar a Cruz com estas palavras: «Contemplai a árvore da Cruz, onde esteve cravada a salvação do mundo», e desde os primeiros tempos da Igreja o Crucifixo é o sinal que recorda aos cristãos o momento supremo do amor de Cristo que, morrendo, nos livra da morte eterna. «O teu Crucifixo. — Como cristão, deverias trazer sempre contigo o teu Crucifixo. E colocá-lo sobre a tua mesa de trabalho. E beijá-lo antes de te entregares ao descanso e ao acordar. E quando o pobre corpo se rebelar contra a tua alma, beija-o também» (Caminho, n.° 302)

 

16.06.2012 – Lc 2, 41-51

41Iam Seus pais todos os anos a Jerusalém, nela festa da Páscoa. 42E, quando chegou aos doze anos, subiram eles até lá, segundo o costume da festa. 43Quando chegaram ao fim desses dias, ao regressarem, o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem os pais darem por isso. 44Pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-Lo entre os parentes e conhecidos. 45Não O encontrando, voltaram a Jerusalém, à procura d’Ele. 46E, depois de três dias, acharam-No no Templo, sentado no meio dos doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. 47Todos aqueles que O ouviam, estavam pasmados da Sua inteligência e das Suas respostas. 48Quando O viram, ficaram vivamente impressionados, e Sua mãe disse-Lhe: Filho, porque procedeste assim connosco? Olha que Teu pai e eu andávamos aflitos à Tua procura. 49Ele respondeu-lhes: Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu tenho de estar em casa de Meu Pai? 50Mas eles não entenderam as palavras que lhes disse.

51Depois, desceu com eles, veio para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração. 52E Jesus ia progredindo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens.

Comentário

41. Só São Lucas (2,41-50) recolheu o acontecimento do Menino Jesus perdido e achado no Templo, que piedosamente contemplamos no quinto mistério gozoso do santo Rosário.

A viagem era obrigatória apenas para os varões a partir dos doze anos. A distância entre Nazaré e Jerusalém em linha recta é de uns 100 km. Tendo em conta as zonas montanhosas, os caminhos dariam um rodeio que pode calcular-se em 140 km.

43-44. Nas peregrinações a Jerusalém os Judeus costumavam caminhar em dois grupos: um de homens e outro de mulheres. As crianças podiam ir com qualquer dos dois. Isto explica que pudesse passar inadvertida a ausência do Menino até que terminou a primeira jornada, momento em que se reagrupavam as famílias para acampar.

«Maria chora. — Bem corremos, tu e eu, de grupo em grupo, de caravana em caravana; não O viram. — José, depois de fazer esforços inúteis para não chorar, chora também… E tu… E eu…

«Eu, como sou criadito rústico, choro até mais não poder e clamo ao céu e à terra…, por todas as vezes que O perdi por minha culpa e não clamei» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso).

45. A solicitude com que Maria e José buscam o Menino há-de estimular-nos a nós a buscar sempre Jesus, sobretudo quando O tenhamos perdido pelo pecado.

«Jesus! Que eu nunca mais Te perca… E então, a desgraça e a dor unem-nos, como nos uniu o pecado, e saem de todo o nosso ser gemidos de profunda contrição e frases ardentes, que a pena não pode, não deve registrar» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso).

46-47. Seguramente o Menino Jesus estaria no átrio do Templo, onde os doutores costumavam ensinar. Os que queriam escutavam as explicações, sentados no chão, intervindo por vezes com perguntas e respostas. O Menino Jesus seguiu este costume, mas as Suas perguntas e respostas chamaram a atenção dos doutores pela sua sabedoria e ciência.

48. A Virgem Santíssima sabia desde a Anunciação do anjo que o Menino Jesus era Deus. Esta fé fundamentou uma atitude constante de generosa fidelidade ao longo de toda a sua vida, mas não tinha por que incluir o conhecimento concreto de todos os sacrifícios que Deus lhe pediria, nem do modo como Cristo levaria a cabo a Sua missão redentora. I-lo-ia descobrindo na contemplação da vida de Nosso Senhor.

49. A resposta de Cristo é uma explicação. As palavras do Menino — que são as primeiras que recolhe o Evangelho — indicam claramente a Sua Filiação divina. E afirmam a Sua vontade de cumprir os desígnios de Seu Pai Eterno. «Não os repreende — a Maria e a José — porque O buscam como filho, mas fá-los levantar os olhos do seu espírito para que vejam o que deve Àquele de Quem é Filho Eterno» (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.). Jesus ensina-nos a todos que por cima de qualquer autoridade humana, inclusive a dos pais, está o dever primário de cumprir a vontade de Deus: «E com a alegria de encontrarmos Jesus — três dias de ausência! — disputando com os Mestres de Israel (Lc 2, 46), ficará bem gravada na tua alma e na minha a obrigação de deixarmos os nossos em serviço do Pai Celestial» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso). Cfr a nota a Mt 10,34-37.

50. Há que ter em conta que Jesus conhecia com pormenor desde a sua concepção o desenvolvimento de toda a Sua vida na terra (cfr a nota a Lc 2,52). As palavras com que responde a Seus pais denotam esse conhecimento. Maria e José deram-se conta de que essa resposta entranhava um sentido muito profundo que não chegavam a compreender. Foram-no compreendendo à medida que os acontecimentos ida vida de Seu Filho se iam desenvolvendo. A fé de Maria e José e a sua atitude de reverência perante o Menino levaram-nos a não perguntar mais por então, e a meditar, como noutras ocasiões, nas obras e nas palavras de Jesus.

51. O Evangelho resume-nos a vida admirável de Jesus em Nazaré apenas com três palavras: erat súbditus illis, era-lhes submisso, obedecia-lhes. «Jesus obedece, e obedece a José e a Maria. Deus veio à Terra para obedecer, e para obedecer às criaturas. São duas criaturas perfeitíssimas — Santa Maria, nossa Mãe; mais do que Ela, só Deus; e aquele varão castíssimo, José. Mas criaturas. E Jesus, que é Deus, obedecia-lhes! Temos de amar a Deus, para amar assim a Sua vontade, e ter desejos de responder aos chamamentos que nos dirige através das obrigações da nossa vida corrente: nos deveres de estado, na profissão, no trabalho, na família, no convívio social, no nosso sofrimento e no sofrimento dos outros homens, na amizade, no empenho de realizar o que é bom e justo…» (Cristo que passa, n.° 17).

Em Nazaré permaneceu Jesus como um mais dos homens, trabalhando no mesmo ofício de São José e ganhando o sustento com o suor do Seu rosto. «Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, nem uma simples preparação dos anos que viriam depois, os da Sua vida pública. Desde 1928 compreendi claramente que Deus deseja que os cristãos tomem exemplo de toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a Sua vida escondida, a Sua vida de trabalho corrente no meio dos homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nos anos de vida calada e sem brilho. Obedecer à vontade de Deus, portanto, é sempre sair do nosso egoísmo; mas não tem por que se traduzir no afastamento das circunstâncias ordinárias da vida dos homens, iguais a nós pelo seu estado, pela sua profissão, pela sua situação na sociedade.

«Sonho — e o sonho já se tornou realidade — com multidões de filhos de Deus santificando-se na sua vida de cidadãos correntes, compartilhando ideais, anseios e esforços com as outras pessoas. Preciso de lhes gritar esta verdade divina: se permaneceis no meio do mundo, não é porque Deus Se tenha esquecido de vós; não é porque o Senhor não vos tenha chamado; convidou-vos a permanecer nas actividades e nas ansiedades da Terra, porque vos fez saber que a vossa vocação humana, a vossa profissão, as vossas qualidades não só não são alheias aos Seus desígnios divinos, mas Ele as santificou como oferenda gratíssima ao Pai!» (Cristo que passa, n.° 20).

 

17.06.2012 – Mc 4, 26-34

26Dizia também: O Reino de Deus é assim como um homem que lançou a semente à terra, 27e dorme, e levanta-se, de noite e de dia, e a semente germina e cresce sem ele saber como. 28Porqüe a terra por si mesma produz primeiro o colmo, depois a espiga, depois o trigo grado na espiga. 29E, quando o fruto o permite, logo lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.

30Dizia ainda: A que havemos de assemelhar o Reino de Deus, ou com que parábola o hemos de representar? 31É como o grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a mais pequenina de todas as sementes que na Terra há. 32Mas, depois de semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças e deita ramos tão grandes, que as aves do céu podem acolher-se à sua sombra.

33E com muitas parábolas como esta lhes Conclusão expunha a palavra, segundo a sua capacidade de ouvir. 34E sem parábolas não lhes falava; mas, em particular, explicava tudo aos Seus discípulos.

Comentário

26-29. Os agricultores esforçam-se por preparar bem o terreno para a sementeira; mas, uma vez semeado o grão, já não podem fazer por ele nada mais, até ao momento da ceifa; de maneira que o grão se desenvolve pela sua própria força. Com esta comparação, exprime o Senhor o vigor íntimo do crescimento do Reino de Deus na terra, até ao dia da ceifa (cfr 1Ioel 3, 13 e Apc 14,15), ou seja, o dia do Juízo Final.

Jesus fala da Igreja aos Seus discípulos: a pregação do Evangelho, que é a semente generosamente espalhada, dará o seu fruto sem falta, não dependendo de quem semeia ou de quem rega, mas de Deus, que dá o incremento (cfr 1Cor 3, 5-9). Tudo se realizará «sem que ele saiba como», sem que os homens se deem plenamente conta.

Ao mesmo tempo o Reino de Deus indica a operação da graça em cada alma: Deus opera silenciosamente em nós uma transformação, enquanto dormimos ou enquanto velamos, fazendo brotar no fundo da nossa alma resoluções de fidelidade, de entrega, de correspondência, até nos levar à idade «perfeita» (cfr Eph 4, 13). Ainda que seja necessário este esforço do homem, em última análise é Deus quem actua, «porque é o Espírito Santo que, com as suas inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras. É Ele que nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em profundidade; que nos dá luz para tomar consciência da nossa vocação pessoal e força para realizar tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em nós e assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai. Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus (Rom 8, 14)» (Cristo que passa, n.° 135).

30-32. O sentido principal desta parábola é dado pelo contraste entre o pequeno e o grande. A semente do Reino de Deus na Terra é algo muito pequeno ao princípio (Lc 12, 32; Act 1,15); depois será uma árvore grande. Assim vemos como o reduzido grupo inicial dos discípulos cresce nos começos da Igreja (cfr Act 2,47; 6,7; 12,24), se estende ao longo dos séculos e chegará a ser uma multidão imensa «que ninguém poderá contar» (Apc 7,9).

Também se realiza em cada alma esse mistério do crescimento, a que se referem as palavras do Senhor: «O Reino de Deus está dentro de vós» (Lc 17, 21), e que podemos ver anunciado com aquelas outras do Salmo: «O justo multiplicar-se-á como o cedro do Líbano» (Ps 92, 13). Para que brilhe a misericórdia do Senhor que nos exalta, que nos faz grandes, é preciso que nos encontre pequenos, humildes (Ez 17, 22-24; Lc 18,9-14).

 

18.06.2012 – Mt 5, 38-42

38Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. 39Eu, porém, digo-vos que não resistais ao mau; mas, se alguém te ferir na face direita oferece-lhe também a outra. 40E a quem quiser pleitear contigo para te tirar a túnica, larga-lhe também a capa. 41E se alguém te requisitar por uma milha, vai com ele duas. 42Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pede emprestado.

Comentário

38-42. Entre os antigos semitas, dos quais procede o povo hebraico, imperava a lei da vingança. Isto dava lugar a intermináveis lutas e crimes. A lei de talião constituiu naqueles primeiros séculos do povo eleito um avanço ético, social e jurídico notório. Esse avanço consistia em que o castigo não podia ser maior que o delito, e que cortava pela raiz toda a reiteração punitiva. Com isso, por um lado, ficava satisfeito o sentido da honra dos clãs e famílias e, por outro, cortava-se a interminável cadeia de vinganças.

Na moral do Novo Testamento Jesus dá o avanço definitivo, no que desempenha um papel fundamental o sentido do perdão e a superação do orgulho. Sobre estas bases morais e a defesa razoável dos direitos pessoais deve estabelecer-se todo o ordenamento jurídico para combater o mal no mundo. Os três últimos versículos referem-se à caridade mútua entre os filhos do Reino; caridade que pressupõe e impregna a justiça.

 

19.06.2012 – Mt 5, 43-46

43Ouvistes que foi dito: Ama o teu próximo e odeia o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; 45para serdes filhos de vosso Pai que está nos Céus, o qual faz nascer o sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa mereceis? Porventura não fazem o mesmo também os publicanos? 47E se saudais só os vossos irmãos, que fazeis nisso de extraordinário? Porventura não fazem o mesmo também os gentios? 48Sede, pois, vós perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste.

Comentário

43. A primeira parte do versículo «ama p teu próximo», está em Levítico 19, 18. A segunda parte «odeia o teu inimigo», não vem na Lei de Moisés. As palavras de Jesus, contudo, aludem a uma interpretação generalizada entre os rabinos da Sua época, os quais entendiam por próximo só os Israelitas. O Senhor corrige esta falsa interpretação da Lei, entendendo por próximo todo o homem (cfr a parábola do bom samaritano em Lc 10,25-37). 43-47. O passo recapitula os ensinamentos anteriores. O Senhor chega a estabelecer que o cristão não tem inimigos pessoais. O seu único inimigo é o mal em si, o pecado, mas não o pecador. Esta doutrina foi levada à prática pelo próprio Jesus Cristo com os que O crucificaram, e é a que segue todos os dias com os pecadores que se rebelam contra Ele e O desprezam. Por isso os santos seguiram o exemplo do Senhor, como o primeiro mártir Santo Estevão, que orava pelos que lhe estavam a dar a morte. Chegou-se ao cume da perfeição cristã: amar e rezar até pelos que nos persigam e caluniem.

Este é o distintivo dos filhos de Deus.

46. «Publicanos»: Eram os cobradores de impostos. O Império Romano não tinha funcionários próprios para este serviço, mas entregava-o a determinadas pessoas do país respectivo. Estas podiam ter empregados subalternos (daí que por vezes se fale de «chefe de publicanos», como é o caso dê Zaqueu; cfr Lc 19, 2). A quantidade genérica do imposto para cada região era determinada pela autoridade romana. Os publicanos cobravam uma sobretaxa, da qual viviam, e que se prestava a arbitrariedade; por isso normalmente eram Odiados pelo povo. Além disso, no caso dos Judeus, agregava-se a nota infamante de espoliar o povo eleito em favor dos gentios. 48. O versículo 48 resume, de algum modo, todos os ensinamentos do capítulo, incluídas as Bem-aventuranças. Em sentido estrito é impossível que a criatura tenha a perfeição de Deus. Portanto, o Senhor quer dizer aqui que a perfeição divina deve ser o modelo para o qual há-de tender o fiel cristão, sabendo que há uma distância infinita em relação ao seu Criador. Isto, porém, não rebaixa nada a força deste mandamento, mas, pelo contrário, ilumina-o. Juntamente com a exigência deste mandato de Jesus Cristo, há que considerar a magnitude da graça que promete, para que sejamos capazes de tender, nada menos, que à perfeição divina. De qualquer modo a perfeição que havemos de imitar não se refere ao poder e à sabedoria de Deus, que superam por completo as nossas possibilidades, mas nesta passagem, pelo contexto, parece referir-se sobretudo ao amor e à misericórdia. Neste sentido São Lucas refere-nos as seguintes palavras do Senhor: «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36; cfr nota a Lc 6, 20-49,).

Como se vê, a «chamada universal à santidade» não é uma sugestão, mas um mandamento de Jesus Cristo: «Tens obrigação de te santificar. — Tu, também. — Quem pensa que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos?

A todos, sem excepção, disse o Senhor: ‘Sede perfeitos, como Meu Pai Celestial é perfeito’» (Caminho, n.° 291). Doutrina que o Concilio Vaticano II sanciona no cap. 5 da Const. Lumen gentium, n. 40, donde tiramos estas palavras: «Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos Seus discípulos, de qualquer condição: ‘sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito’ (…). É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou condição de Vida, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Na própria sociedade terrena, esta santidade promove um modo de vida mais humano».

 

20.06.2012 – Mt 6, 1-6.16-18

Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens, para serdes vistos deles. De outra sorte, não tereis recompensa junto do vosso Pai que está nos Céus.

2Portanto, quando deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados dos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 3Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a direita, 4para que a tua esmola fique secreta, e teu Pai, que vê em lugar secreto, te recompensará.

5E quando orardes, não sejais como os hipócritas que gostam de orar de pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta à chave e ora a teu Pai que está em lugar secreto. E teu Pai que vê em lugar secreto, te recompensará.

16E quando jejuais, não andeis tristes, como os hipócritas pois desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que receberam já a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuas, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para não mostrares aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está em lugar secreto, e teu Pai, que vê em lugar secreto, te recompensará.

Comentário

1-18 «Justiça»: Aqui quer dizer boas obras (cfr a nota a Mt 5,6). Nosso Senhor ensina com que espírito se hão-de fazer os actos de piedade pessoal. A esmola, o jejum e a oração constituíam os actos fundamentais da piedade individual no povo escolhido; daqui que se centre nesses três temas. Jesus Cristo, como quem tem a autoridade máxima, ensina que a verdadeira piedade deve viver-se com rectidão de intenção, em intimidade com Deus e fugindo da ostentação. Esta piedade, assim vivida, supõe um exercício da fé em Deus que os vê, e da esperança de que premiará os que vivem uma piedade sincera.

5-6. A Igreja, seguindo esta doutrina de Jesus, sempre nós ensinou a rezar desde crianças no nosso aposento. Esse «tu» do Senhor (v. 6) está a indicar inequivocamente a necessidade da oração pessoal; cada um, a sós com Deus, como um filho que fala com o Pai.

A oração pública em que participam todos os fiéis é santa e necessária; mas não pode nunca substituir este terminante preceito do Senhor; tu, no teu aposento, fechada a porta, ora a teu Pai.

O Concilio Vaticano II recolhe os ensinamentos e a prática da Igreja na sua Liturgia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte donde promana toda a sua força (…). A participação na sagrada Liturgia não esgota, todavia, a vida espiritual. O cristão, chamado a rezar em comum, deve entrar também no seu quarto para rezar a sós ao Pai, e até, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar (lThes 5,17) (Sacrosanctum Concilium, nn. 10.12).

A alma que realmente vive a sua fé cristã sabe que necessita de se retirar frequentemente para orar a sós com seu Pai Deus. Jesus, que nos dá este ensinamento acerca da oração, praticou-o na Sua vida terrena: o santo Evangelho refere-nos as muitas vezes que o Senhor Se retirava sozinho para orar: «Às vezes, passava a noite inteira ocupado em colóquio íntimo com o Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração!» (Cristo que passa n.° 119) (cfr Mt 14, 23; Mc 1, 35; Lc 5, 16; etc.). Os Apóstolos seguiram o exemplo do Mestre, e assim vemos Pedro que sobe ao terraço da casa em que se aloja em Jope, para se retirar a orar a sós, e ali recebe uma revelação (cfr Act 10, 9-16). «A vida de oração tem de fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo, dedicados exclusivamente a ‘estar com Deus. São momentos de colóquio sem ruído de palavras» (Cristo que passa, n.° 119).

16-18. Partindo da prática tradicional do jejum, o Senhor inculca-nos o espírito com que devemos viver a necessária mortificação dos sentidos: temos de fazê-la sem ostentação, evitando o aplauso dos homens, discretamente; assim não poderão aplicar-se contra nós essas palavras de Jesus: «Já receberam a sua recompensa», pois seria um triste negócio. «O mundo só admira o sacrifício com espectáculo porque ignora o valor do sacrifício escondido e silencioso» (Caminho, n.° 185).

 

21.06.2012 – Mt 6, 7-15

7E, na oração, não sejais palavrosos como os gentios, pois imaginam que hão-de ser ouvidos pela sua verbosidade. 8Não vos pareçais, pois, com eles, porque o vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de Lho pedirdes. 9Vós, pois, orai assim:

Pai nosso que estás nos Céus, santificado seja o Teu nome.

10Venha o Teu Reino. Seja feita a Tua vontade, assim na Terra como no Céu.

11O pão nosso de cada dia nos dá hoje.

12E perdoa-nos as nossas dívidas, como também nós perdoamos aos nossos devedores.

13E não nos metas em tentação, Mas livra-nos do mal.»

14Porque, se vós perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens, nem o Pai celeste perdoará as vossas ofensas.

Comentário

7-8. Jesus corrige os exageros supersticiosos de crer que são necessárias longas orações para que Deus nos escute. A verdadeira piedade não consiste tanto na quantidade de palavras como na frequência e no amor com que o cristão se volta para Deus nos acontecimentos, grandes ou pequenos, de cada dia. A oração vocal é boa e necessária, mas as palavras só têm valor enquanto exprimem o sentir do Coração.

9-13. O «Pai-nosso» é, sem dúvida, a página mais comentada de toda a fé. Os grandes escritores da Igreja deixaram-nos explicações cheias de piedade e sabedoria. Já os primeiros cristãos, «fiéis à recomendação do Salvador e seguindo os Seus divinos ensinamentos», centraram a sua oração nesta fórmula sublime e simples de Jesus. E também os últimos cristãos elevarão o seu coração para dizer pela última vez o Pai-nosso quando estiverem prestes a ser levados para o Céu. Entretanto, desde criança até que deixa este mundo, o Pai-nosso é a oração que enche de consolação e de esperança o coração do homem. Bem sabia Jesus Cristo a eficácia que ia ter esta oração Sua. Graças sejam dadas a Nosso Senhor porque a compôs para nós, e também aos Apóstolos por no-la terem transmitido, e às nossas mães porque no-la ensinaram nas nossas primeiras balbuciadelas. É tão importante esta oração dominical, que desde os tempos apostólicos foi utilizada como base da catequese cristã, juntamente com o Credo ou Símbolo da fé, o Decálogo e os Sacramentos. A vida de oração era ensinada aos catecúmenos comentando o Pai-nosso. E. daí este costume passou para os nossos catecismos.

Santo Agostinho diz que esta oração do Senhor é tão perfeita, que em poucas palavras compendia tudo o que o homem possa pedir a Deus (cfr Sermo 56). Normalmente distinguem-se nela uma invocação e sete pedidos: três relativos à glória de Deus e quatro às necessidades dos homens.

9. E grande consolação poder chamar «Pai nosso» a Deus. Se Jesus, o Filho de Deus, ensina os homens a que invoquem Deus como Pai é porque neles se dá esta realidade consoladora, a de ser e sentir-se filhos de Deus.

«O Senhor (…) não é um dominador tirânico, nem um juiz rígido e implacável: é nosso Pai. Fala-nos dos nossos pecados, dos nossos erros, da nossa falta de generosidade, mas é para nos livrar deles e nos prometer a Sua amizade e o Seu amor (…). Um filho de Deus trata o Senhor como Pai. Não servilmente, nem com uma reverência formal, de mera cortesia, mas cheio de sinceridade e de confiança» (Cristo que passa, n.° 64).

«Santificado seja o Teu nome»: Na Bíblia o nome equivale à própria pessoa. Aqui nome de Deus é o próprio Deus. Que sentido tem pedir que Deus seja santificado? Não pode sê-lo à maneira humana: afastando-se progressivamente do mal e aproximando-se do bem, visto que Deus é a própria santidade. Pelo contrário, Deus é santificado quando a Sua Santidade é reconhecida e honrada pelas Suas criaturas. Este é o sentido que tem o primeiro pedido do «Pai-nosso» (cfr Catecismo Romano, IV, 10).

10. «Venha o Teu Reino»: Chegamos aqui outra vez à ideia central do evangelho de Jesus Cristo: a vinda do Reino. O Reino de Deus identifica-se tão plenamente com a obra de Jesus Cristo, que o Evangelho é chamado indiferentemente evangelho de Jesus Cristo ou evangelho do Reino (Mt 9, 35). Sobre o conceito de Reino de Deus veja-se o comentário a Mt 3, 2; 4, 17. O advento do Reino de Deus é a realização do desígnio salvador de Deus no mundo. O Reino de Deus estabelece-se em primeiro lugar no mais íntimo do homem, elevando-o à participação da própria vida divina. Esta elevação tem como que duas etapas: a primeira na terra, que se realiza pela graça; e a segunda, definitiva, na vida eterna, que será a plenitude da elevação sobrenatural do homem. Tudo isso exige de nós uma submissão espontânea, amorosa e confiada a Deus.

«Seja feita a Tua vontade»: Este terceiro pedido exprime um desejo duplo. Primeiro, a identificação do homem com a vontade de Deus, de modo rendido e incondicional; é a expressão do abandono nas mãos de seu Pai Deus. Segundo, o cumprimento daquela vontade divina, que reclama a livre cooperação humana. Este é o caso, por exemplo, da lei divina no aspecto moral, pela qual Deus manifesta a Sua vontade, mas sem a impor à força. Uma das manifestações da vinda do Reino de Deus é o cumprimento amoroso da vontade divina por parte do homem. A segunda parte da frase «assim na Terra como no Céu » quer dizer: assim como no céu os anjos e os santos estão totalmente identificados com a vontade de Deus, de modo semelhante se deseja que isso aconteça já aqui na terra.

A luta por cumprir a vontade de Deus é o sinal de que somos sinceros quando pronunciamos as palavras: «venha o Teu Reino». Porque diz o Senhor: «Nem todo o que Me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus» (Mt 7, 21). «Quem de veras tiver dito esta palavra: ‘Fiat voluntas tua’, tem de ter feito tudo, com a determinação pelos menos» (Caminho de perfeição, cap. 63, n.° 2).

11. Neste quarto pedido, o que ora tem em conta em primeiro lugar as necessidades da vida presente. A importância desta súplica consiste em que os bens materiais, necessários para viver, são declarados lícitos. Exprime-se um profundo sentido religioso da manutenção da vida: o que o discípulo de Cristo alcança com o seu próprio trabalho também o deve implorar de Deus e recebê-lo como um dom divino; Deus é quem mantém a vida. Ao pedir a Deus o próprio sustento e considerar que este vem das mãos divinas, o cristão afasta de si a angustiosa preocupação pelas necessidades materiais. Jesus quer que pecamos não a riqueza ou o gozo desses bens, mas a posse austera do necessário. Daí que, tanto em Mateus como em Lucas (Lc 11, 2), se fale do alimento suficiente para cada dia. O quarto pedido dirige-se, pois, a uma moderação do alimento e dos bens necessários, afastada dos extremos de opulência e miséria, como já tinha ensinado Deus no AT:

«Não me dês pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário, para que, saciado, não te renegue, e não diga: ‘Quem é o Senhor’?

Ou, empobrecido, não roube e não profane o nome do meu Deus» (Prv 30,8-9)

Os Santos Padres interpretaram o pão que aqui se pede, não só como o alimento material, mas também viram significada a Santíssima Eucaristia, sem a qual não pode viver o nosso espírito.

Segundo o Catecismo Romano (cfr IV, 13, 21), as razões para que se chame à Eucaristia pão nosso quotidiano são: Que cada dia se oferece a Deus na Santa Missa, e que devemos recebê-lo dignamente, sendo possível todos os dias, segundo Aconselho de Santo Ambrósio: «Se o pão é diário, por que o recebes tu apenas uma vez por ano? Recebe todos os dias o que todos os dias te é proveitoso; vive de modo que diariamente sejas digno de o receber» (De Sacramentis, V, 4).

12. «Dívida» tem aqui claramente o sentido de pecado. Com efeito, no dialecto aramaico do tempo de Jesus utilizava-se a mesma palavra para designar ofensa ou dívida. No Quinto pedido reconhecemos, pois, a nossa situação de Devedores por termos ofendido a Deus. Na revelação do AT é frequente a recordação da condição pecadora do homem. Inclusive os «justos» são também pecadores. Reconhecer os nossos pecados é o princípio de toda a conversão a Deus. Não SC trata apenas de reconhecer antigos pecados nossos, mas de confessar a nossa actual condição de pecadores. Esta mesma condição faz-nos sentir a necessidade religiosa de recorrer ao único que pode remediá-la, Deus. Daqui a conveniência de rezar insistentemente, com a oração do Senhor, para alcançar da misericórdia divina uma e outra vez o perdão dos nossos pecados.

A segunda parte deste pedido é uma chamada séria a perdoar aos nossos semelhantes: como nos atrevemos a pedir perdão a Deus, se não estamos dispostos a perdoar aos outros! O cristão deve ser consciente das exigências desta oração, que há-de rezar com todas as suas consequências: não querer perdoar a outro é condenar-se a si mesmo (vide nota a Mt 5, 23-24 e 18,21-35).

13. «E não nos deixes cair na tentação»: «Não pedimos aqui para não sermos tentados, porque a vida do homem na terra é milícia (Iob 7, 1)… Que é, pois, o que aqui pedimos? Que, sem nos faltar o auxílio divino, não consintamos por erro nas tentações, nem cedamos a elas por desalento; que esteja pronta em nosso favor a graça de Deus, a qual nos console e fortaleça quando nos faltem as próprias forças» (Catecismo Romano, IV, 15,14).

Reconhecemos nesta súplica do Pai-nosso a nossa debilidade para lutar contra a tentação só com as forças humanas. Isto deve levar-nos a recorrer com humildade a Deus, para receber d’Ele a fortaleza necessária. Porque «muito forte é Deus para livrar-te de tudo, e pode fazer-te mais bem do que mal todos os demônios. Deus quer somente que te fies d’Ele, que te arrimes a Ele, que confies n’Ele e desconfies de ti mesmo, e desta maneira há-de ajudar-te e com a Sua ajuda vencerás todo o inferno que venha contra ti. Desta firme esperança não te deixes cair, porque Se irritará com isso, nem porque os demônios sejam muitos e muitas as tentações e bravas e de muitas maneiras. Está sempre arrimado a Ele, porque se este arrimo e força não tens com o Senhor, logo cairás e temerás qualquer coisa» (Sermones, 9, Domingo I de Quaresma).

«Mas livra-nos do mal»: Neste pedido, que de algum modo resume todos os anteriores, rogamos ao Senhor que nos livre de tudo aquilo que o nosso inimigo faz contra nós para perder-nos; e não nos poderemos livrar dele se o próprio Deus não nos livra, concedendo a Sua assistência aos nossos rogos.

Igualmente poderia traduzir-se por «mas livra-nos do Mau», quer dizer, do maligno, do demônio, que é a origem, em última instância, de todos os nossos males.

Ao fazermos este pedido podemos estar seguros de ser ouvidos, porque Jesus Cristo, estando para sair deste mundo, rogava ao Pai pela salvação dos homens com estas palavras: «Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno» (Ioh 17,15).

14-15. São Mateus conserva nos vv. 14 e 15 como um comentário de Nosso Senhor à quinta petição do Pai-nosso.

Que maravilha é Deus que perdoa! Mas se Deus, três vezes Santo, tem misericórdia do pecador, quanto mais nós, pecadores, que sabemos por experiência própria da miséria do pecado, devemos perdoar aos outros. Não há ninguém perfeito na terra. Assim como Deus nos ama, mesmo com os nossos defeitos, e nos perdoa, nós também devemos amar os outros, mesmo com os seus defeitos, e perdoar-lhes. Se esperamos amar os que não têm defeitos, nunca amaremos ninguém. Se esperamos que se corrijam ou se desculpem os outros primeiro, quase nunca perdoaremos. Mas então, também nós não seremos perdoados. «De acordo: aquela pessoa tem sido má contigo. — Mas não tens sido tu pior com Deus?» (Caminho. n.°686). Perdoando àqueles que nos têm ofendido tornamo-nos, pois, semelhantes ao nosso Pai Deus: «No facto de amar os inimigos, vê-se claramente certa semelhança com o nosso Pai Deus, que reconciliou consigo o gênero humano, que era muito inimigo e contrário Seu, redimindo-o da condenação eterna por meio da morte do Seu Filho» (Catecismo Romano, IV, 14,19).

 

22.06.2012 – Mt 6, 19-23

19Não entesoireis na terra, onde a traça e a Confiança ferrugem destroem e os ladrões arrombam e roubam. 20Entesoirai antes tesoiros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem destroem, e os ladrões não arrombam nem roubam. 21Porque onde está o teu tesoiro, aí está o teu coração. 22A candeia do corpo é o olho. Se, pois, o teu olho estiver são, todo o corpo terá luz. 23Mas se o teu olho estiver doente, todo o teu corpo estará em trevas. Ora se a luz que em ti há é treva, quão grande a treva não será…

Comentário

19-21. A ideia é clara: o coração do homem anela por um tesouro em cuja posse pensa encontrar a segurança e a felicidade. Não obstante, todo o tesouro composto de bens da terra, de riquezas, de dinheiro, transforma-se numa contínua fonte de preocupações, porque está exposto ao perigo de perder-se, ou porque a sua defesa leva consigo uma tensão cheia de desgostos, e de dissabores. Jesus, pelo contrário, ensina aqui que o verdadeiro tesouro são as obras boas e o comportamento recto, que serão premiadas por Deus no Céu eternamente. Esse sim que é um tesouro que não se perde! É aí que o discípulo de Cristo deve pôr o seu coração.

Jesus encerra os ensinamentos dos versículos precedentes com uma frase a modo de refrão (v. 21). Com esta doutrina Jesus não quer dizer que o homem deva despreocupar-se das coisas da terra. O que nos ensina é que nenhuma coisa criada pode ser «o tesouro», o fim último do homem. Pelo contrário, o homem, usando rectamente das coisas nobres da terra, percorre o caminho para Deus, santifica-se e dá ao Senhor toda a glória: «Quer comais, quer bebais ou façais qualquer coisa, fazei-o tudo para a glória de Deus» (1Cor 10, 31; cfr Col 3, 17).

22-23. Nestes versículos temos outra pequena joia da doutrina sapiencial de Jesus. Começa com uma sentença que imediatamente é explicada. O Mestre emprega a imagem do olho como lamparina do corpo ao qual dá luz. A exegese cristã viu nesse «olho» e nessa «lâmpada» a intencionalidade dos nossos actos. São Tomás explica-o assim: «Com o olho é significada a intenção. O que quer fazer uma coisa, primeiro pretende-a: assim, se a tua intenção é luminosa — simples, transparente —, quer dizer, encaminhada para Deus, todo o teu corpo, ou seja, todas as tuas acções serão luminosas, dirigidas sinceramente para o bem» (Comentário sobre S. Mateus, 6, 22-23).

 

23.06.2012 – Mt 6, 24-34

24Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou há-de aborrecer um e amar o outro, ou ser dedicado a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza.

25Por isso vos digo: Não vos preocupeis pela vossa vida: que haveis de comer ou que haveis de beber; nem pelo vosso corpo: que haveis de vestir. Porventura não vale mais a vida do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? 26Vede as aves do céu, que não semeiam nem ceifam nem enceleiram, e, contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Não sois vós, porventura, muito mais do que elas? 27E quem de vós, com todas as suas preocupações, poderá acrescentar um côvado à sua vida? 28E quanto ao vestido, porque vos preocupais? Reparai nos lírios do Campo: como crescem!… e não trabalham nem fiam. 29Ora Eu vos digo que nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como um deles. 30Pois, se à erva do campo que hoje é e amanhã se lança no forno, Deus a. veste, quanto mais a vos, homens de pouca fé? 31Náo andeis, pois, preocupados, dizendo: que havemos de comer ou que havemos de beber ou que havemos de vestir? 32Os gentios é que se afanam por estas coisas; bem sabe vosso Pai celeste que vós precisais de todas elas.

33Buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas se vos darão por acréscimo. 34Por isso, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois que o dia de amanhã se preocupará de si mesmo. Basta a cada dia o seu afã.

Comentário

24. O fim último do homem é Deus. Por este fim o homem deve entregar todo o seu ser. De facto, porém, há quem não ponha em Deus o seu fim último, mas nas riquezas. Neste caso, as riquezas convertem-se no seu deus. O homem não pode dividir-se entre dois fins absolutos e contrários.

25-32. Nesta belíssima página Jesus põe em relevo o valor das realidades correntes da vida. Ao mesmo tempo ensina-nos a pôr a nossa confiança na providência paternal de Deus. Com exemplos e comparações simples, tomados da vida quotidiana, inculca o abandono sereno nas mãos de Deus.

27. Onde se diz «vida», pode dizer-se também «estatura», mas seria versão mais afastada do texto (cfr Lc 12,25). A palavra «côvado» significa uma medida de espaço aplicável também ao tempo metaforicamente.

33. Uma vez mais a justiça do Reino de Deus aparece como a vida de graça no homem; o que leva consigo todo um conjunto de atitudes espirituais e morais, e pode resumir-se no conceito de «santidade». A busca da santidade é a primeira coisa que se deve intentar nesta vida. De novo Jesus insiste na primazia das exigências espirituais. Afirma Sua Santidade o Papa Paulo VI, comentando este passo: «Porquê a pobreza? Para dar a Deus, ao Reino de Deus o primeiro lugar na escala de valores que são objecto das aspirações humanas. Diz Jesus: ‘Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça’; e di-lo em comparação com todos os outros bens temporais, inclusive necessários e legítimos, que normalmente empenham os desejos humanos. A pobreza de Cristo torna possível este desprendimento afectivo das coisas terrenas para pôr à frente das aspirações humanas a relação com Deus» (Audiência geral Paulo VI, 5-1-1977).

34. O Senhor exorta-nos a viver com serenidade cada dia, eliminando preocupações inúteis pelo que aconteceu ontem ou pelo que possa acontecer amanhã. É a sabedoria que se apoia na providência paternal de Deus e na própria experiência quotidiana: «O que observa o vento não semeia; é O que examina as nuvens não cega» (Eccl 11,4).

O importante, o que está nas nossas mãos, é viver diante de Deus e com intensidade o momento presente: «Porta-te bem ‘agora’, sem te lembrares de ‘ontem’, que já passou, e sem te preocupares com o ‘amanhã’, que não sabes se chegará para ti» (Caminho, n.°253).

 

24.06.2012 – Lc 1, 57-66.80

57Entretanto, chegou o tempo de Isabel Nascimento dar à luz e teve um filho. 58E souberam os vizinhos e parentes que o Senhor havia tido para com ela grande misericórdia e com ela se congratulavam. 59Ao oitavo dia, vieram circuncidar o menino e iam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60Mas a mãe interveio, dizendo: Não, João é que há-de chamar-se. 61Disseram-lhe eles: Não há ninguém da tua família que tenha esse nome. 62E perguntavam ao pai por sinais como queria que se chamasse. 63Ele, pedindo uma placa, respondeu por escrito: João é que é o seu nome. 64E ficaram todos admirados. 64Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e pôs-se a falar, bendizendo a Deus. 65Encheram-se de temor todos os que eram seus vizinhos e na Judeia, por toda a serra, se divulgaram todos aqueles factos. 66Quantos os ouviam conservavam-nos na memória e diziam: Quem virá então a ser este menino? E, de facto, a mão do Senhor estava com ele!

80Entretanto, o menino crescia e robustecia-se no espírito. E esteve no deserto até ao dia da sua apresentação a Israel.

Comentário

59. No Antigo Testamento a circuncisão era um rito instituído por Deus para assinalar como com uma marca e contra-senha os que pertenciam ao povo eleito. Deus mandou a circuncisão a Abraão como sinal da Aliança que estabelecia com ele e com toda a sua descendência (cfr Gen 17,10-14), e prescreveu que se realizasse no oitavo dia do nascimento. O rito realizava-se na casa paterna ou na sinagoga, e além da operação sobre o corpo do menino, incluía bênçãos e a imposição do nome.

Com a instituição do Baptismo cristão cessou o mandamento da circuncisão. Os Apóstolos, no concilio de Jerusalém (cfr Act 15,1 ss.), declararam definitivamente abolida a necessidade do antigo rito para os que se incorporassem na Igreja.

E bem eloquente o ensinamento de São Paulo (Gal 5,2 ss.; 6,12 ss.; Col 2,11 ss.) acerca da inutilidade da circuncisão depois da Nova Aliança estabelecida por Cristo.

60-63. Com a imposição do nome de João cumpriu-se o que tinha mandado Deus a Zacarias por meio do anjo e que nos relatou São Lucas pouco antes (1,13).

64. Neste facto miraculoso cumpriu-se exactamente o que tinha profetizado o anjo Gabriel a Zacarias quando lhe anunciou à concepção e o nascimento do Baptista (Lc 1,19-20). Observa Santo Ambrósio: «Com razão se soltou em seguida a sua língua, porque a fé desatou o que tinha atado u incredulidade» (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.),

É um caso semelhante ao do apóstolo São Tome, que tinha resistido a crer na Ressurreição do Senhor, e acreditou depois das provas evidentes que lhe deu Jesus ressuscitado (cfr Ioh 20,24-29). Com estes dois homens Deus faz o milagre e vence a sua incredulidade; mas ordinariamente Deu» exige-nos fé e obediência sem realizar novos milagres. Por isso repreendeu e castigou Zacarias, e censurou o apóstolo Tome: «Porque Me viste acreditaste; bem-aventurados oi que sem ter visto acreditaram» (Ioh 20,29). 67. Zacarias, que era um homem justo (cfr v. 6), no nascimento de seu filho João recebeu, além disso, a graça especial da profecia. Em virtude desta, pronuncia o cântico chamado Benedictus, tão cheio de fé, reverência e devoção que a Igreja estabeleceu que se recite diariamente na Liturgia das Horas.

Profetizar significa não só predizer coisas futuras, mas também louvar a Deus movido pelo Espírito Santo. Ambos os aspectos se encontram no cântico do Benedictus.

80. «Deserto»: Seguramente trata-se da zona chamada «deserto da Judeia», que se estendia desde as margens do noroeste do Mar Morto até ao maciço montanhoso da Judeia. Não é um deserto de areia, mas antes uma zona estépica, árida, com algumas matas e vegetação elementar, enxames de abelhas e de sal toes ou gafanhotos silvestres. Havia também abundantes grutas onde se podia encontrar refúgio.

 

25.06.2012 – Mt 7, 1-5

Não julgueis, para não serdes julgados. 2Porque, com o juízo com que julgardes, sereis julgados e com a medida com que medirdes, vos será medido.

3Porque vês o argueiro no olho do teu irmão e não advertes na trave que tens no teu? 4Ou como ousas dizer a teu irmão: deixa-me tirar o argueiro do teu olho, tu que tens uma trave no teu? 5Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e então verás bem, para tirar o argueiro do olho de teu irmão.

Comentário

1-2. Como noutros lugares, os verbos na voz passiva («serdes julgados», «vos será medido») têm como sujeito Deus, ainda que não esteja explicitamente dito: «Não julgueis os outros e não sereis julgados por Deus». É claro que o juízo de que se fala aqui é sempre um juízo condenatório; portanto, se não queremos ser condenados por Deus, não condenemos nunca o próximo. «Pois Deus mede como medimos e perdoa como perdoamos, e socorre-nos da maneira e com as entranhas com que nos vê socorrer» (Exposição do livro de Job, cap. 29).

1. Jesus condena aqui o juízo que fazemos temerariamente acerca dos nossos irmãos, quando por ligeireza ou por malvadez julgamos pejorativamente acerca do seu comportamento, dos seus sentimentos ou das suas intenções. O malicioso dito «pensa mal e acertarás» está contra a doutrina de Jesus Cristo.

São Paulo, ao falar da caridade cristã, assinala como notas salientes: «a caridade é paciente, é benigna… não pensa mal… tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo tolera» (1Cor 13, 4.5.7.). Por isso: «Não admitas um mau pensamento acerca de ninguém, mesmo que as palavras ou obras do interessado deem motivo para assim julgares razoavelmente» (Caminho, n.° 442). «Não queiramos julgar. — Cada qual vê as coisas do seu ponto de vista… e com o seu entendimento, bem limitado quase sempre, e com os olhos obscuros ou enevoados, com trevas de exaltação muitas vezes» (Caminho, n.°451).

3-5. O que tem a vista deformada vê deformadas as coisas, ainda que estas sejam correctas. Já Santo Agostinho dava este conselho: «Procurai adquirir as virtudes que credes que faltam nos vossos irmãos, e já não vereis os seus defeitos, porque não os tendes vós» (Enarrationes in Psalmos, 30, 2, 7). Neste caso, o refrão popular «julga o ladrão que todos são da sua condição» concorda com esta doutrina de Jesus Cristo. Por outro lado: «Fazer crítica, destruir, não é difícil: o Último aprendiz de pedreiro sabe assestar a sua ferramenta na pedra nobre e bela de uma catedral.» — Construir: eis o trabalho que exige mestres» (Caminho, n.°456).

 

26.06.2012 – Mt 7, 6.12-14

6Não deis as coisas santas aos cães, nem Respeito deiteis as vossas pérolas aos porcos, não seja caso que eles as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.

7Pedi e dar-se-vos-a, buscai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á. 8Porque, todo o da oração que pede recebe, e o que busca encontra e ao que bate, abrir-se-á.

9Haverá entre vós alguém que dê uma pedra ao filho, se ele lhe pedir pão? 10E lhe dê uma serpente, se ele lhe pedir peixe? 11Se, pois, vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos-, quanto mais vosso Pai que está nos Céus dará coisas boas aos que Lhe pedirem?

12Tudo aquilo, pois, que quereis que os A outros vos façam a vós, fazei-o também vós a eles, porque esta é a Lei e os Profetas.

Comentário

6. Nesta breve fórmula, a modo de sentença, Jesus ensina um discernimento prudente na pregação da palavra de Deus e na entrega dos meios de santificação. A Igreja, já desde o princípio, teve em conta esta advertência, que se manifesta especialmente no respeito com que rodeou a administração dos sacramentos e, de modo singular, a Santíssima Eucaristia. A confiança filial não exime do sincero e profundo respeito com que se deve tratar tanto Deus como as coisas santas.

7-11. O Mestre ensina de diversas maneiras a eficácia da oração. A oração é uma elevação da mente para Deus para O adorar, dar-Lhe graças e pedir-Lhe o que necessitamos (cfr Catecismo Maior, n.° 255). Jesus insiste na oração de petição, que é o primeiro movimento espontâneo da alma que reconhece Deus como seu Criador e Pai. Como criatura de Deus e como Seu filho, o homem necessita pedir-Lhe humildemente todas as coisas.

Ao falar da eficácia da oração, Jesus não faz restrições: «Todo o que pede, recebe», porque Deus é nosso Pai. E São Jerônimo comenta: «Está escrito: a todo o que pede se dá; logo, se a ti não se te dá, não se te dá porque não pedes; portanto, pede e receberás» (Comm. in Matth., 7). Não obstante, apesar de a oração ser de si infalível, por vezes não obtemos o que queríamos. Santo Agostinho diz que a nossa oração não é escutada porque pedimos «aut mali, aut male, aut mala». «Mali»: porque somos maus, porque as nossas disposições pessoais não são boas; «male»: porque pedimos mal, sem fé, sem perseverança, sem humildade; «mala»: porque pedimos coisas más, quer dizer, o que não nos convém, o que pode causar-nos dano (cfr De civitate Dei, XX, 22 e 27; De Senti. Dom. in monte, H, 27,73). Em última análise, a oração não é eficaz quando não é verdadeira oração. Portanto: «Faz oração. Em que negócio humano te podem dar mais garantias de êxito?» (Caminho, n.° 96).

12. A sentença de Jesus, chamada «regra de ouro», oferece um critério prático para reconhecer o alcance das nossas obrigações e da nossa caridade para com os outros. Mas uma consideração superficial correria o risco de mudá-lo num móbil egoísta do nosso comportamento: não se trata, evidentemente, de um do ut dês («dou-te para que me dês»), lhas de fazer o bem aos outros sem pôr condições, como em boa lógica as não pomos no amor a nós mesmos. Esta regra prática ficará completada com o «mandamento novo» de Jesus Cristo (Ioh 13, 34), onde nos ensina a amar os outros como Ele mesmo nos amou.

 

27.06.2012 – Mt 7, 15-20

15Guardai-vos dos falsos profetas que vêm a vós com veste de ovelhas mas, por dentro, são lobos rapaces. 16Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? 17Assim, toda a árvore boa dá frutos bons, e a árvore ruim dá frutos maus. 18Não pode a árvore boa dar frutos maus nem a árvore ruim dar frutos bons. 19Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e deita-se no fogo. 20Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.

Comentário

15-20. No Antigo Testamento alude-se com frequência aos «falsos profetas»; é célebre o passo de ler 23, 9-40. Denuncia-se ali a impiedade desses profetas que «profetizam por Baal e fazem errar o Meu povo Israel»; que «vos estão a enganar, vos contam as suas próprias fantasias, não coisa da boca de Yahwéh… Eu não enviei esses profetas e eles foram. Não lhes falei, e eles profetizaram»; que «desencaminham o Meu povo com as suas mentiras e as suas jactâncias, sendo verdade que Eu não os enviei, nem lhes dei missão alguma, nem fizeram ao Meu povo bem algum».

Na vida da Igreja a figura dos falsos profetas, de que fala Jesus, foi entendida pelos Santos Padres referindo-a aos hereges, que, embora se revistam de um hábito exterior de piedade e de reforma, todavia o seu coração não tem os sentimentos de Cristo (cfr Comm. in Matth., 7). São João Crisóstomo (Hom. sobre S. Mateus, 23) aplicava-o aos que aparentam virtudes que não têm, e com esta aparência enganam os que não os conhecem.

Como distinguir os falsos profetas dos verdadeiros? Pelos frutos. As coisas de Deus têm um sabor especial, feito de rectidão natural e de inspiração divina. O que verdadeiramente fala das coisas de Deus semeia fé, esperança, caridade, paz, compreensão; pelo contrário, o falso profeta na Igreja de Deus é o que com a sua pregação e o seu comportamento ou actuação semeia divisão, ódio, ressentimento, orgulho, sensualidade (cfr Gal 5, 16-25). Mas o fruto mais característico do falso profeta é afastar o povo de Deus do Magistério da Igreja, através do qual ressoa no mundo a doutrina de Cristo. O fim destes enganadores está também assinalado pelo Senhor: a perdição eterna. Meu povo com as suas mentiras e as suas jactâncias, sendo verdade que Eu não os enviei, nem lhes dei missão alguma, nem fizeram ao Meu povo bem algum».

Na vida da Igreja a figura dos falsos profetas, de que fala Jesus, foi entendida pelos Santos Padres referindo-a aos hereges, que, embora se revistam de um hábito exterior de piedade e de reforma, todavia o seu coração não tem os sentimentos de Cristo (cfr Comm. in Matth., 7). São João Crisóstomo (Hom. sobre S. Mateus, 23) aplicava-o aos que aparentam virtudes que não têm, e com esta aparência enganam os que não os conhecem.

Como distinguir os falsos profetas dos verdadeiros? Pelos frutos. As coisas de Deus têm um sabor especial, feito de rectidão natural e de inspiração divina. O que verdadeiramente fala das coisas de Deus semeia fé, esperança, caridade, paz, compreensão; pelo contrário, o falso profeta na Igreja de Deus é o que com a sua pregação e o seu comportamento ou actuação semeia divisão, ódio, ressentimento, orgulho, sensualidade (cfr Gal 5, 16-25). Mas o fruto mais característico do falso profeta é afastar o povo de Deus do Magistério da Igreja, através do qual ressoa no mundo a doutrina de Cristo. O fim destes enganadores está também assinalado pelo Senhor: a perdição eterna. 21-23. A oração, para que seja autêntica, deve ir acompanhada pela luta contínua por cumprir a vontade divina. Do mesmo modo, para cumprir essa vontade não basta falar das coisas de Deus, mas é necessário que haja coerência entre o que se pede — o que se diz — e o que se faz: «O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em realidades» (1Cor 4, 20); «Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós próprios» (Iac 1, 22).

Os cristãos «fiéis ao Evangelho e graças à sua força, unidos a quantos amam e promovem a justiça, têm a realizar aqui na terra uma obra imensa, da qual prestarão contas Aquele que a todos julgará no último dia. Nem todos os que dizem ‘Senhor, Senhor’ entrarão no reino dos céus, mas aqueles que cumprem a vontade do Pai e põem seriamente mãos à obra» (Gaudium et Spes, n. 93).

Para entrar no Reino dos Céus, para ser santo, não basta, pois, falar de modo eloquente da santidade. É necessário levar à prática o que se diz, dar os frutos de acordo com as palavras. Muito graficamente recomenda Frei Luís de Granada: «Olha que não é ser bom cristão somente rezar e jejuar e ouvir Missa, mas que te ache Deus fiel, como a outro Job e outro Abraão, no tempo da tribulação» (Guia de pecadores, liv. l, part. 2, cap. 21).

Também o exercício de um ministério eclesiástico não assegura a santidade, visto que deve ir acompanhado da prática das virtudes que se pregam. Por outro lado, a experiência vem ensinar que todo o cristão (seja qual for a sua condição dentro da Igreja) que não se esforça por fazer coincidir os seus actos com as exigências da fé que professa, começa a debilitar-se nesta fé e termina afastando-se dela, não só na prática, mas também na doutrina. Pois todo aquele que não cumpre o que diz, acaba a dizer o que não deve. A autoridade com que Jesus Se exprime nestes versículos revela a Sua condição de Juiz soberano de vivos e mortos. Nunca no AT nenhum profeta tinha falado com essa autoridade.

 

28.06.2012 – Mt 7, 21-29

21Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus. 22Muitos hão-de dizer-Me naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome e em Teu nome expulsamos demônios e em Teu nome fizemos muitos milagres? 23Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci, apartai-vos de Mim, obreiros da iniquidade.

24Todo aquele, pois, que ouve estas Minhas palavras e as põe em prática, é semelhante a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. 25E caiu a chuva, e vieram os rios, e sopraram os ventos, e precipitaram-se contra aquela casa, mas ela não desabou porque estava fundada sobre a rocha. 26E todo o que ouve estas Minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia. 27E caiu a chuva e vieram os rios, e sopraram os ventos, e precipitaram-se contra aquela casa, e ela desabou, e a sua ruína foi grande.

28E aconteceu que, quando Jesus terminou este discurso, a multidão estava maravilhada por causa da Sua doutrina, 29porque os ensinava como quem tinha autoridade e não como os seus Escribas e Fariseus.

Comentário

22. «Naquele dia»: Fórmula técnica na linguagem da Bíblia para designar o dia do Juízo do Senhor ou Juízo Final.

23. «Lhes direi abertamente»: A frase equivaleria a «então eu pronunciarei a sua sentença». Com efeito, a passagem refere-se ao juízo dos homens que há-de fazer Jesus Cristo. O texto sagrado emprega um verbo que expressa a proclamação pública de uma verdade. Como neste caso quem proclama é Jesus Cristo, tal proclamação é a sentença judicial.

24-27. Estes versículos constituem como que a face positiva do passo anterior. Quem se esforça por levar à prática os ensinamentos de Jesus, ainda que venham as tribulações pessoais, ou períodos de confusão na vida da Igreja, ou se veja rodeado do erro, permanecerá forte na fé, como o homem sábio que edifica a sua casa sobre rocha.

Além disso, para permanecer fortes nos momentos difíceis é necessário, nos tempos de bonança, aceitar com boa cara as pequenas contrariedades, ser delicados no trato com Deus e com os outros, e cumprir com fidelidade e abnegação os próprios deveres de estado. Deste modo se vão lançando os fundamentos, fortalecendo a construção e reparando as fendas que se possam produzir.

28-29. O povo que escutava Jesus percebeu com clareza a diferença radical que havia entre o modo de ensinar dos escribas e fariseus, e a segurança e serenidade com que Jesus Cristo expunha a Sua doutrina. As palavras do Senhor nunca são afectadas de insegurança, nem apresentam dúvida, nem expõem uma mera opinião. Jesus falava com domínio absoluto da verdade e com conhecimento perfeito do verdadeiro sentido da Lei e dos Profetas; mais ainda, não poucas vezes falava no Seu próprio nome (cfr Mt 5,22.28.32.38.44), e com a própria autoridade de Deus (cfr Mc 2, 10; Mt 28, 18). Tudo isso conferia uma singular força e autoridade às Suas palavras, como jamais se tinha ouvido em Israel (cfr Lc 19, 48; Ioh 7, 46).

 

29.06.2012 – Mt 8, 1-4

Ao descer do monte, seguiram-No grandes multidões. 2E eis que um leproso se aproximou e prostrou diante d’Ele, dizendo: Senhor, se quiseres, podes limpar-me. 3E Ele estendeu a mão e tocou-o, dizendo: Quero, sé limpo! E imediatamente ficou limpo da sua lepra. 4Disse-lhe então Jesus: Vê lá, não digas a ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote e apresenta a oferenda prescrita por Moisés, para lhes servir de testemunho.

Comentário

Os capítulos 8 e 9 de São Mateus contêm uma série de milagres de Nosso Senhor.

Os primeiros cristãos tinham experiência viva de que Jesus glorificado continuava a estar presente no meio da Igreja, confirmando a doutrina com os sinais que a acompanhavam (Mc 16, 20; cfr Act 14, 3). Assim São Mateus, depois de ter exposto um núcleo fundamental do ensino público de Jesus no chamado «Sermão da Montanha» (caps. 1 a 7), agrupa a seguir — caps. 8 e 9 — alguns milagres que ‘em apoiar as palavras do Salvador. Alguns comentadores chamam a esta secção dos capítulos 8 e 9 «as obras do Messias», em paralelismo com a secção anterior — Sermão da Montanha — a que chamam «as palavras do Messias», Jesus aparece nos capítulos 5 a 7 como supremo legislador e doutor que ensina com autoridade divina, única e superior a como o tinham feito Moisés e os profetas. Agora, nos capítulos 8 e 9, apresenta-Se dotado também de um poder divino sobre as doenças, a morte, os elementos da natureza e os espíritos maus. Tais milagres operados por Jesus abonam a autoridade divina do Seu ensino.

1. O Evangelho sublinha, pela terceira vez, o seguimento lê Jesus por parte das multidões. Literalmente diz: «seguiam-nO muitas multidões». Assim fica a conhecer-se a popularidade que tinha alcançado Jesus Cristo, até ao ponto de o Sinédrio (grande conselho da nação judaica) não se atrever a detê-Lo com medo a que o povo se amotinasse (cfr Mt 21,46; 26,25; Mc 14,2). Do mesmo modo poderiam depois acusá-Lo diante de Pilatos de sublevar o país desde a Judeia até à Galileia. Igualmente, Herodes Antipas tinha uma grande ansiedade por conhecer Jesus, cuja fama lhe tinha chegado (cfr Mt 14, 1). Contra esta imensa maioria popular, foram precisamente os chefes do povo os que se opuseram a Jesus, e enganaram a multidão para que pedisse a morte do Senhor (cfr Mt 27,20-22).

2. Os Santos Padres viram nesta cura o seguinte significado: a lepra, pela sua fealdade e repugnância, pela sua facilidade de contágio, pela dificuldade da sua cura, é uma imagem impressionante do pecado. Todos somos pecadores e todos necessitamos do perdão e da graça de Deus (cfr Rom 3, 23-24). O leproso do Evangelho prostrou-se diante de Jesus com plena humildade e confiança, suplicando que o curasse. Se recorrermos ao Salvador com uma fé semelhante, podemos esperar com segurança a cura das misérias da nossa alma. Quantas vezes deveremos dirigir-nos a Cristo com essa breve oração — jaculatória — do leproso: «Senhor, se quiseres, podes limpar-me».

4. Segundo a Lei de Moisés (cfr Lev 14), se um leproso se cura da sua doença deve apresentar-se diante do sacerdote, que constata a cura e passa a certidão. Esta é necessária para a reintegração do sarado na vida civil e religiosa de Israel. O Levítico prescreve também as purificações e o sacrifício que deve oferecer. O mandato de Jesus ao leproso corresponde, pois, ao que era normal no cumprimento do estabelecido pelas leis.

 

30.06.2012 – Mt 8, 5-17

5Apenas entrado em Cafarnaum, veio ter com Ele um centurião, que suplicava 6nestes termos: Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico e sofre cruelmente. 7Disse-lhe Ele: Eu vou lá curá-lo. 8Tornou-Lhe o centurião: Senhor, não sou digno de que entres debaixo do meu tecto: mas dize uma só palavra e o meu servo será curado. 9Porque também eu, que sou um subalterno, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: «vai», e ele vai; e a outro: «vem», e ele vem; e ao meu servo: «faze isto», e ele faz. 10Jesus, ao ouvi-lo, admirou-Se e disse aos que O seguiam: Em verdade vos digo que não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé. 11Por isso, vos digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente a pôr-se à mesa com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos Céus, 12ao passo que os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes. 13Depois Jesus disse ao centurião: Vai, faça-se como tu creste! E naquela mesma hora ficou o servo curado.

14Entrando depois Jesus em casa de Pedro, encontrou a sogra dele de cama com febre. 15Tocou-lhe na mão e a febre deixou-a, e ela levantou-se e pôs-se a servi-Lo.

16Ao anoitecer, apresentaram-Lhe muitos possessos e Ele com a Sua palavra expulsou os espíritos e curou todos os que se sentiam mal, 17para se cumprir o que fora anunciado pelo profeta Isaías, que disse: Ele tomou sobre Si as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças.»

Comentário

5-13. «Centurião»: Oficial do exército romano que tinha o comando sobre cem soldados. A fé exemplar deste homem atravessou os tempos. No momento solene em que o cristão vai receber o próprio Jesus na Santíssima Eucaristia, a Liturgia da Igreja, para avivar a fé, põe na sua boca e no seu coração precisamente as palavras do centurião de Cafarnaum: «Senhor, não sou digno…».

Segundo a mentalidade israelita da época, o facto de um judeu entrar em casa de um gentio levava consigo contrair a impureza legal (cfr Ioh 18,28; Act 11,2-3). O centurião tem a deferência de não colocar Jesus numa situação incômoda diante dos Seus concidadãos. Manifesta a sua firme convicção de que a doença está submetida a Jesus. Daí que proponha dar uma simples ordem, uma só palavra, que produzirá o efeito desejado, sem necessidade de entrar em sua casa. O raciocínio do centurião é simples e convincente, tomado da sua própria experiência profissional. Jesus aproveita este encontro com um crente gentio para fazer a solene profecia do destino universal do Evangelho: a ele serão chamados os homens de todas as nações, raças, idades e condições.

14-15. Depois da cura do corpo — ou da alma — vem o «levantar-se» imediato da situação anterior e servir Jesus Cristo. Nada de lamentações, nem de perdas de tempo, mas disponibilidade imediata ao serviço do Senhor. 16-17. A expulsão dos demônios manifesta um dos aspectos importantes do estabelecimento do Reino de Deus (cfr Mt 12, 8). Igualmente, a cura das doenças, que são consequência do pecado, é sinal específico das «obras do Messias» anunciadas pelos Profetas (cfr Is 29,18; 35,5-6).

Em poucas palavras o Evangelista, inspirado pelo Espírito Santo, resume um amplo sector da actividade de Jesus (v. 16), e dá a entender o significado salvífico de tais obras do Messias, assinalando como nelas se cumpre a profecia de Isaías 53,4 que anunciava a missão redentora do «Servo de Yahwéh» (v. 17).

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