em Evangelho do dia

Julho de 2013

01.07.13 – Mt 8, 18-22

18Vendo Jesus grandes multidões de povo à volta de Si, mandou ir para o lado de lá. 19E, aproximando-se um escriba disse-lhe: Mestre, seguir-Te-ei para onde quer que fores. 20Disse-lhe Jesus: As raposas têm covas e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. 21Outro de entre os discípulos disse-Lhe: Senhor, dá-me primeiro licença de ir sepul­tar meu pai. 22Jesus, porém, disse-lhe: Segue-Me e deixa que os mortos sepultem os seus mortos.

Comentário

18-22. Desde os começos da Sua pregação messiânica, Jesus mal permanece num mesmo lugar; vai sempre a caminho, passando. «Não tem onde reclinar a cabeça» (Mt 8,20). Quem quiser estar com Ele tem de «O seguir». A expressão «seguir Jesus» adquire no Novo Testamento um alcance preciso: seguir Jesus é ser Seu discípulo (cfr Mt 19, 28). Ocasional­mente as multidões «seguem-nO». Mas os verdadeiros discí­pulos são «os que O seguem» de modo permanente, sempre; de tal modo que existe uma equivalência entre «ser discípulo de Jesus» e «segui-Lo». Depois da Ascensão do Senhor, «segui-Lo» identifica-se com ser cristão (cfr Act 8, 26). Pelo facto simples e sublime do nosso Baptismo, todo o cristão é chamado, com vocação divina, a ser plenamente discípulo do Senhor com todas as suas consequências.

O Evangelista recolhe aqui dois casos concretos de seguimento de Jesus. No primeiro — o do escriba —, Nosso Senhor explica as exigências do chamamento à fé àqueles que descobrem que são chamados. No segundo — o do homem que já disse sim a Jesus— recorda-lhe as exigências do seu compromisso. O soldado que não abandona o seu posto na frente de batalha para enterrar o pai, deixando esse trabalho para os da retaguarda, cumpre o seu dever. Se o serviço da pátria pode ter tais exigências, com maior razão pode tê-las o.serviço a Jesus Cristo e à sua Igreja.

O seguimento de Cristo, com efeito, leva consigo uma disponibilidade rendida, uma entrega imediata do que Jesus pede, porque essa chamada é um seguir Cristo ao ritmo do Seu próprio passo, que não admite ficar para trás: Jesus ou se segue, ou se perde. Em que consiste o seguimento de Cristo, ensinou-o Jesus no Sermão da Montanha (Mt 5-7), e é-nos resumido pelos catecismos mais elementares da doutrina: cristão quer dizer homem que crêem Jesus Cristo— fé que recebeu no Baptismo — e que está obrigado ao Seu santo serviço. Cada cristão deve procurar, na oração e intimidade Com o Senhor, quais sãos as exigências pessoais e concretas dia sua vocação cristã.

22. «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos»: Esta frase, à primeira vista tão dura, corresponde à linguagem que por vezes empregava Jesus. Nessa linguagem entende-se bem que sejam chamados «mortos» os que procuram com afã as coisas perecedouras, excluindo do seu horizonte a aspiração pelas perenes.

«Se Jesus o proibiu — comenta São João Crisóstomo —, não é porque nos mande descurar a honra devida àqueles que nos geraram, mas para nos dar a entender que nada há-de haver para nós mais necessário que procurar as coisas do Céu, que a elas nos havemos de entregar com todo o fervor e que nem por um momento podemos diferi-las, por mais iniludível e urgente que seja o que poderia afastar-nos delas» (Hom. sobre S. Mateus, 27). 23-27. Este notável milagre da vida de Jesus deve ter deixado profunda impressão nos Seus discípulos, do que pôde ser índice o facto de os três primeiros Evangelhos no-lo relatarem. A Tradição, partindo da realidade histórica deste maravilhoso acontecimento, fez algumas aplicações à própria vida da Igreja, e até mesmo de cada alma. Desde tempos antigos a literatura e a arte cristã viram na barca uma imagem da Igreja que, de modo semelhante, faz a sua travessia no meio de grandes perigos, que parecem que vão afundá-la. Com efeito, bem depressa os cristãos se viram assediados pelas perseguições dos judeus daquele tempo, e incompreendidos pela opinião pública da sociedade paga que, de modo paulatino, iniciava as suas futuras perseguições. O facto de que Jesus tivesse permanecido adormecido no meio da tempestade tem sido aplicado a esse silêncioem que Deus, por vezes, parece permanecer perante as dificuldades da Igreja. Os cristãos, seguindo o exemplo dos Apóstolos que iam na barca, devem recorrer a Jesus Cristo com as mesmas palavras: «Senhor, salva-nos, que estamos perdidos». E quando a situação pa­rece insustentável, então Jesus mostra o Seu poder: «Er­gueu-se, imperou aos ventos e ao mar e fez-se uma grande bonança », não sem antes nos ter feito a censura de termos sido homens de pouca fé. E é que a história evangélica tem muitas vezes um valor exemplar, de aplicação à vida, e de pré-anúncio da futura história da Igreja e de cada alma cristã.

 

02.07.13 – Mt 8, 23-27

23Subindo depois para a barca, seguiram-No os discípulos. 24E eis que se levantou no mar uma tempestade tão violenta, que as ondas cobriam a barca. Ele, entretanto, dormia. 25Chegaram-se os discípulos e desper­taram-No, dizendo: Senhor, salva-nos, que estamos perdidos! 26Disse-lhes Ele: Porque estais com medo, homens de pouca fé? Então ergueu-Se, imperou aos ventos e ao mar e fez-se uma grande bonança. 27Ficaram os homens as­sombrados e diziam: Quem é Este, que até os ventos e o mar Lhe obedecem?

Comentário

18-30. «Filho do Homem»: E uma das expressões para designar o Messias no Antigo Testamento. Este título aparece pela primeira vez em Dan 7, 14 e era utilizado na literatura judaica do tempo de Jesus. Até à pregação do Senhor não tinha sido entendido em toda a sua profundidade. O título de «Filho do Homem» estava menos comprometido com as aspi­rações judaicas de um Messias terreno; por esta causa foi preferido por Jesus para Se designar a Si mesmo como Messias, sem reavivar o nacionalismo hebraico. De tal título messiânico, que na mencionada profecia de Daniel reveste um caracter transcendente, se servia o Senhor para proclamar de um modo discreto o Seu messianismo prevenindo falsas interpretações políticas. Os Apóstolos, depois da Ressur­reição de Jesus, compreenderam que «Filho do Homem» equivalia precisamente a «Filho de Deus».

 

03.07.13 – Jo 20, 24-29

24Ora Tome, um dos doze, a quem chama­vam Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. 25Diziam-lhe os outros discí­pulos: Vimos o Senhor! Ele, porém, respon­deu-lhes: Se não Lhe vir nas mãos a marca dos cravos, se não chegar com o dedo ao sítio dos ‘cravos e levar a mão ao Seu lado, não acreditarei.

26Oito dias depois, estavam os discípulos novamente lá dentro, e Tome com eles. Veio Jesus, com as portas fechadas, colocou-Se no meio deles e disse: A paz seja convosco! 27A seguir, disse a Tome: Chega aqui o teu dedo e vê as Minhas mãos, aproxima a tua mão e chega com ela ao Meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. 28Respondeu-Lhe Tome, dizendo: Meu Senhor e meu Deus! 29Jesus replicou-lhe: Porque Me viste acreditaste? Felizes os que, sem terem visto, acreditam!

Comentário

24-28. A dúvida do Apóstolo Tome leva o Senhor a dar-lhe uma prova especial da realidade do Seu corpo ressus­citado. Assim confirma, ao mesmo tempo, a fé daqueles que mais tarde haviam de crer n’Ele. «Será que pensais — comenta São Gregório Magno — que aconteceu por pura casualidade que estivesse ausente então aquele discípulo escolhido, que ao voltar ouvisse relatar a aparição, e que ao ouvir duvidasse, duvidando palpasse e palpando cresse? Não foi por casualidade, mas por disposição de Deus. A divina clemência actuou de modo admirável para que tocando o discípulo duvidador as feridas da carne no seu Mestre, sarasse em nós as feridas da incredulidade (…). Assim o discípulo, duvidando e palpando, converteu-se em teste­munha da verdadeira ressurreição» (In Evangelia homiliae, 26,7).

A resposta de Tome não é uma simples exclamação, é uma afirmação: um maravilhoso acto de fé na Divindade de Jesus Cristo: «Meu Senhor e meu Deus!». Estas palavras constituem uma jaculatória que repetiram com frequência os cristãos, especialmente como acto de fé na presença real de Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia.

29. O mesmo São Gregório Magno explica estas palavras do Senhor: « São Paulo ao dizer que ‘a fé é o fundamento das coisas que se esperam e uma convicção das que não se veem’ (Heb 11,1), torna evidente que a fé versa sobre as coisas que não se veem, pois as que se veem já não são objecto da fé, mas da experiência. Ora bem, por que é dito a Tome quando viu e tocou: Porque viste, acreditaste? Porque uma coisa é o que se viu e outra o que se creu. É certo que o homem mortal não pode ver a divindade; portanto, ele viu o Homem e reconhe­ceu-O como Deus, dizendo: ‘Meu Senhor e meu Deus’. Em conclusão, vendo creu, porque contemplando atentamente este homem verdadeiro exclamou que era Deus, a quem não podia ver» (In Evangelia homiliae, 27,8).

Tomé, como todos os homens, necessitou da graça de Deus para crer, mas, além disso, recebeu uma prova singular; teria sido mais meritória a sua fé se tivesse aceitado o testemunho dos Apóstolos. As verdades reveladas transmitem-se normalmente pela palavra, pelo testemunho de outros homens que, enviados por Cristo e assistidos pelo Espírito Santo, pregam o depósito da fé (cfr Mc 16,15-16). «Por conseguinte a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo» (Rom 10,17). A pregação, pois, do Evangelho tem as garantias suficientes de credibilidade, e o homem ao aceitá-lo «oferece a Deus a homenagem total da sua inteligência e da sua vontade prestando voluntário assentimento à Sua revelação» (Dei Verbum, n. 5).

«Alegra-nos muito o que se segue: ‘Bem-aventurados os que sem ter visto creram’. Sentença na qual, sem dúvida, estamos assinalados nós, que confessamos com a alma o que não vimos na carne. Alude-se a nós, desde que vivamos de acordo com a fé; porque só crê de verdade aquele que pratica o que crê» (In Evangelia homiliae, 26,9).

04.07.13 – Mt 9, 1-8

E Ele, subindo para uma barca, refez a travessia e voltou para a Sua cidade. 2Senão quando, apresentaram-Lhe um para­lítico estendido num leito. Vendo Jesus a sua fé, disse ao paralítico: Tem confiança, filho, os teus pecados estão perdoados. 3Pelo que alguns Escribas disseram de si para consigo: Este blasfema. 4Jesus, que lhes via os pensa­mentos, disse: Para que pensais mal em vossos corações? 5Qual é mais fácil, dizer: «os teus pecados estão perdoados», ou dizer: «levanta-te e anda»? 6Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra poder para perdoar pecados, — aqui diz ao paralítico: levanta-te! toma o teu leito e vai para tua casa. 7Ele levantou-se e foi para casa. 8Vendo isto, a multidão, cheia de temor, glorificou a Deus, que deu tal poder aos homens.

Comentário

1. Como se pode ver por Mt 4, 13 e Mc 2, 1, trata-se de Cafarnaum.

2-6. O doente e os que o levam pedem a Jesus a cura do corpo, movidos pela fé nos Seus poderes sobrenaturais. Nosso Senhor, como noutros milagres, interessa-se mais pelo remédio das causas profundas do mal, isto é, o pecado. Na Sua grandeza divina, dá mais do que Lhe é pedido, ainda que a limitação humana não o saiba apreciar. Diz São Tomás que Jesus Cristo faz como o bom médico: cura a causa da doença (cfr Comentário sobre S. Mateus, 9,1-6).

2. A leitura do passo paralelo de São Marcos conservou-nos um pormenor que nos ajuda a entender melhor a cena e que, em concreto, explica a expressão «a sua fé»: em Mc 2, 2-5 conta-se-nos que foi tanta a aglomeração de gente à volta de Jesus, que não podiam aproximar-se d’Ele com a enxerga do paralítico. Perante isto, tiveram a feliz ideia de subir ao alto da casa e dependurar a enxerga com o paralítico, abrindo um buraco pelo tecto leve, diante donde estava Jesus. Assim se explica a frase «vendo Jesus a sua fé».

O Senhor fica gratamente impressionado por tal audácia, fruto de uma fé operativa que não se detém perante os obstáculos. Por sua vez, esta simpática ousadia ilustra o modo prático de viver a caridade e como Jesus Se sente inclinado para aqueles que se preocupam sinceramente com os outros; curou o paralítico por ocasião da intrepidez dos seus amigos e parentes, da qual também participava o próprio doente, que não teve medo nesta acção arriscada.

São Tomás comenta assim o versículo: «Este simboliza o pecador que jaz no pecado; assim como o paralítico não se pode mover, também o pecador não pode valer-se por si mesmo. Os que levam q paralítico representam os que com os seus conselhos conduzem o pecador para Deus» (Comentário sobre S. Mateus, 9,2). Para aproximar-se de Jesus é necessário também ser santamente audazes e atrevidos, como vemos que o foram os santos. O que não actua assim nunca tomará decisões importantes na sua vida de cristão.

3-7. Aqui «dizer» significa evidentemente «dizer com verdade», «dizer eficazmente, realizando o que se expressa». O Senhor argumenta desta forma: Qual destas duas coisas é mais fácil, sarar o corpo de um paralítico, ou perdoar os pecados da alma? Não há dúvida que curar um paralítico; pois a alma é mais excelente que o corpo e por isso as doenças daquela são mais difíceis de curar que as deste. Não obstante, a cura da alma é uma coisa oculta, enquanto a do corpo é visível e patente. Jesus demonstra a verdade do que está oculto pelo que aparece manifesto.

Por outro lado, os judeus pensavam que todas as doenças eram efeito de pecados pessoais (cfr Ioh 9,1-3); assim quando ouviram dizer ao Senhor «os teus pecados estão perdoados», faziam internamente este raciocínio: só Deus pode perdoar os pecados (cfr Lc 5, 21); este homem diz que tem poder para os perdoar; logo está a usurpar a Deus um poder que é «exclusivamente Seu; portanto é um blasfemo. Mas o Senhor sai-lhes ao encontro partindo dos seus próprios princípios: ao curar o paralítico só com a Sua palavra faz-lhes ver que, visto que tem poder para curar os efeitos do pecado — segundo eles julgavam —, tem também poder para curar a causa, isto é, o pecado; por conseguinte tem poder divino.

Jesus Cristo transmitiu o poder de perdoar os pecados aos apóstolos e aos seus sucessores no ministério sacerdotal: Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes; ser-lhes-ão retidos» (Ioh 20, 22-23). «Garanto-vos que tudo o que ligardes na terra ficará ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra, ficará desligado no Céu» (Mt 18,18). Os sacerdotes exercem o poder do perdão dos pecados no Sacramento da Penitência não em virtude própria, mas em nome de Cristo — in persona Christi — como instrumentos nas mãos do Senhor.

Daqui o respeito, veneração e agradecimento com que devemos aproximar-nos da Confissão: no sacerdote devemos ver o próprio Cristo, Deus, e receber as palavras da absolvi­ção com a fé firme de que é o próprio Cristo quem as diz pela boca do sacerdote. Por esta razão, o ministro não diz: «Cristo te absolva…», mas «eu te absolvo dos teus pecados…», na primeira pessoa, numa identificação plena com o próprio Jesus Cristo (cfr Catecismo Romano, II, 5,10).

 

05.07.13 – Mt 9, 9-13

9Seguindo Jesus dali, viu sentado ao telónio um homem chamado Mateus e disse-lhe: Segue-Me. E ele levantou-se e seguiu-O. 10Ora, sucedeu que, estando à mesa em sua casa, vieram muitos publicanos e pecadores pôr-se à mesa com Jesus e Seus discípulos. 11Ao verem isto os Fariseus, diziam aos discípulos: Porque é que o vosso Mestre come com os publicanos e pecadores? 12Mas Ele, que os ouviu, disse: Não precisam de médico os que têm boa saúde, mas os doen­tes. 13lde, pois, aprender o que significa: quero misericórdia e não sacrifício, porque não vim Eu chamar os justos, mas os peca­dores.

Comentário

9. «Telónio»: Posto público para o pagamento de tribu­tos. Acerca do «seguir Jesus» veja-se a nota a Mt 8,18-22.

Este Mateus, a quem Jesus chama, é o apóstolo do mesmo nome e autor humano do primeiro Evangelho. É o mesmo que em Mc 2,14 e em Lc 5,27 é chamado Levi o de Alfeu, ou simplesmente Levi.

Deus é quem chama. Para seguir Jesus de modo perma­nente não basta a própria determinação do homem, mas requer-se, absolutamente, o chamamento individual por parte do Senhor; isto é, a graça da vocação (cfr Mt 4, 19-21; Mc 1, 17-20; Ioh 1, 39; etc.). Esse chamamento implica a prévia escolha divina. Por outras palavras, não é o homem quem toma a iniciativa; pelo contrário, é Jesus quem chama primeiro e o homem corresponde a esse chamamento com a 0tlá livre decisão pessoal: «Não fostes vós que Me escolhestes, filas fui Eu que vos escolhi a vós» (Ioh 15,16). Deve pôr-se em relevo a prontidão com que Mateus «segue» o chamamento de Jesus. Diante da voz de Deus pode entrar na alma a tentação de responder: «Amanhã, ainda não estou preparado». No fundo esta e outras razões não são mais que egoísmo e medo, além de que o medo pode ser um sintoma a mais do chamamento (cfr Ioh 1). Amanhã corre-se o risco de ser demasiado tarde.

Como o dos outros apóstolos, o chamamento de São Mateus dá-se no meio das circunstâncias normais da sua vida: «— Deus foi-te procurar no exercício da tua profissão? ,,, « Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos Impostos…

«E — assombra-te! — Paulo, no seu afã de acabar com a semente dos cristãos» (Caminho, n° 799).

10-11. A mentalidade desses fariseus, tão inclinada a julgar os outros e classificar facilmente como justos e pecadores, não concorda com a atitude e ensinamentos de Jesus. Já tinha dito: «Não julgueis e não sereis julgados» (Mt 7, 1), e acrescentou ainda: «Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra» (Ioh 8,7).

A realidade é que todos os homens são pecadores e o Senhor veio para remir a todos. Não há, pois, razão para que se dê entre os cristãos o escandalizar-se pelos pecados de outros, visto que qualquer de nós é capaz de cometer as maiores vilezas se não for assistido pela graça de Deus.

12. Ninguém deve desanimar ao ver-se cheio de misérias: reconhecer-se pecador é a única atitude justa diante de Deus. Ele veio buscar a todos, mas o que se considera justo, por esse mesmo facto, está a fechar as portas a Deus, porque na realidade todos somos pecadores.

13. A frase de Jesus, tomada de Os 6, 6, conserva a expressão hiperbólica do estilo semítico. Uma tradução mais fiel ao sentido seria: «quero mais misericórdia que sacrifí­cio» . Não é que o Senhor não queira os sacrifícios que Lhe são oferecidos, mas insiste em que estes hão-de ir sempre acompanhados pela bondade do coração, visto que a caridade há-de informar toda a actívidade do cristão e com maior razão o culto a Deus (vid. 1Cor 13,1-13; Mt 5,23-24).

 

06.07.13 – Mt 9, 14-17

14Então acercam-se d’Ele os discípulos de João e perguntam: Porque é que nós e os Fariseus jejuamos com frequência e os Teus discípulos não jejuam? 15Disse-lhes Jesus: Podem acaso os convidados das bodas entris­tecer-se enquanto está com eles o esposo? Dias virão em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão. 16Ninguém deita um remendo de pano não pisoado num vestido velho; aliás, o conserto puxa pelo vestido, e o rasgão torna-se ainda maior. 17Nem se deita vinho novo em odres velhos; doutra sorte, rebentam os odres, derrama-se o vinho, e os odres estragam-se. Mas o vinho novo deita-se em odres novos, e ambas as coisas se conservam.

Comentário

14-17. O interesse da questão que levanta este passo radica, não em saber que jejuns praticavam os judeus contemporâneos de Jesus, e em especial os fariseus e os discípulos de João Baptista, mas em Saber qual é a razão pela qual Jesus não obriga os Seus discípulos a tais jejuns. A resposta que dá aqui o Senhor é, ao mesmo tempo, um ensinamento e uma profecia. O cristianismo não é um mero remendo no antigo traje do judaísmo. A redenção operada por Cristo implica uma total regeneração. O seu espírito é demasiado novo e pujante para ser amoldado às velhas formas penitenciais, cuja vigência caducava.

A história da Igreja primitiva ensina-nos até que ponto os costumes de alguns cristãos, procedentes do judaísmo, resistiam a entender a transformação operada por Jesus. É sabido que na época de Nosso Senhor dominava nas escolas judaicas uma complicadíssima casuística de jejuns, purificações etc., que afogavam a simplicidade da verda­deira piedade. As palavras de Jesus apontam para esta (Simplicidade de coração com que os Seus discípulos devem viver a oração, o jejum e a esmola (cfr Mt 6, 1-18 e notas correspondentes). Será a Igreja que, desde os tempos apostólicos, concretizará em cada época, com os poderes que Deus lhe deu, as formas de jejum, segundo este espírito do Senhor. 15. «Os convidados das bodas»: O texto original diz lite­ralmente «filhos da casa onde se celebram as bodas», que é uma expressão típica para designar os amigos mais íntimos do esposo. Deve sublinhar-se a marcada construção semítica da frase que o Evangelista conservou na sua fidelidade à expressão original de Jesus.

Por outro lado, esta «casa» a que alude Jesus Cristo tem um profundo sentido: há que pô-la em relação com a parábola dos convidados para as bodas (Mt 22, 1-14), e simboliza a Igreja como casa de Deus e Corpo de Cristo: «Moisés, na verdade, foi fiel em toda a casa de Deus, como servo, para dar testemunho de tudo o que se havia de anunciar. Cristo, porém, é fiel, como Filho, à frente da Sua própria casa, a qual somos nós, se conservarmos firmemente até ao fim a confiança e a esperança de que nos gloriamos» (Heb 3, 5-6).

A segunda parte do versículo alude à morte violenta do Senhor.

 

07.07.13 – Lc 10, 1-12.17-20

Depois disto, designou o Senhor outros setenta e dois e mandou-os dois a dois, à Sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Dizia-lhes Ele: A messe é grande, mas os trabalha­dores são poucos. Pedi, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide e olhai que vos envio como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem saco, nem sandálias. Não cumpri­menteis ninguém pelo caminho. 5Em qual quer casa onde entrardes, dizei primeiro: «Paz a esta casa». 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele irá repousar a vossa paz. Senão, a vós há-de voltar. ‘Ficai nessa mesma casa, comendo e bebendo do que tiverem, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade onde entrardes e vos receberem, comei o que vos servirem, 9curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: «Está perto de vós o Reino de Deus». 10Mas, se em qualquer cidade em que entrardes vos não receberem, saí às suas praças e dizei: “«Até o pó que, da vossa cidade, se pegou aos nossos pés, sacudimos sobre vós». No entanto, ficai sabendo isto: Está perto o Reino de Deus. l2Eu vos digo: Haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma do que para aquela cidade.

17Ora os setenta e dois voltaram cheios de alegria. Senhor — diziam eles — até os Demônios se nos sujeitam em Teu Nome! 18Disse-lhes Ele: Eu via Satanás cair do céu como um raio!… 19Olhai que vos dei o poder não só de andar em cima de serpentes e de escorpiões, mas também sobre toda a força do inimigo; e nada vos causará dano. 20Entretanto, não vos alegreis com o facto de se vos sujeitarem os espíritos, alegrai-vos antes por estarem inscritos nos Céus os vossos nomes.

Comentário

1-12. Entre os que seguiam o Senhor e tinham sido chamados por Ele (cfr Lc 9,57-62), além dos Doze, havia numerosos discípulos (cfr Mc 2,15). Os nomes da maioria são para nós desconhecidos; não obstante, entre eles contavam-se com, toda a segurança aqueles que estiveram com Jesus desde o baptismo de João até à Ascensão do Senhor: por exemplo, José chamado Barsabas e Matias (cfr Act 1,21-26). De modo semelhante podemos incluir Cléofas e o seu companheiro, aos quais Cristo ressuscitado apareceu no caminho de Emaús (cfr Lc 24,13-35).

De entre todos aqueles discípulos, o Senhor escolhe setenta e dois para uma missão concreta. Exige-lhes, tal como aos Apóstolos (cfr Lc 9,1-5). desprendimento total e abandono completo à Providência divina.

Desde o Baptismo cada cristão é chamada por Cristo a cumprir uma missão. Com efeito, a Igreja, em nome do Senhor «pede instantemente a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo. Os mais. novos tomem como dirigido a si de modo particular este chamamento, e recebam-no com alegria e magnanimidade. Com efeito, é o próprio Senhor que, por meio deste sagrado Concilio, mais uma vez convida todos os leigos a que se unam a Ele cada vez mais intimamente, e sentindo como próprio o que é d’Ele (cfr Phil 2,5), se associem à Sua missão salvadora. É Ele quem de novo os envia a todas as cidades e lugares aonde há-de chegar (cfr Lc 10,1); para que, nas diversas formas e modalidades do apostolado único da Igreja, se tornem verdadeiros cooperadores de Cristo, traba­lhando sempre na obra do Senhor com plena consciência de que o seu trabalho não é vão no Senhor (cfr 1Cor 15, 28)» (Apostolicam actuositatem, n. 33).

3-4. Cristo quer inculcar nos Seus discípulos a audácia apostólica; por isso diz «Eu vos envio», que São João Crisóstomo comenta: «Isto basta para vos dar ânimo, isto basta para que tenhais confiança e não temais os que vos atacam» (Hom. sobre S. Mateus, 33). A audácia dos Apóstolos e dos discípulos vinha desta confiança segura de terem sido enviados pelo próprio Deus: actuavam, como explicou com firmeza o próprio Pedro ao Sinédrio, em nome de Jesus Cristo Nazareno, «pois não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu pelo qual podemos salvar-nos» (Act 4,12).

« E continua o Senhor — acrescenta São Gregório Magno — ‘Não leveis bolsa nem saco nem sandálias, e não cumpri­menteis ninguém pelo caminho’. Tanta deve ser a confiança que há-de ter em Deus o pregador, que ainda que não se proveja das coisas necessárias para a vida, deve estar persuadido de que não lhe hão-de faltar, não seja que enquanto se ocupa em prover-se das coisas temporais, deixe de procurar para os outros as eternas» (In Evangelia homiliae, 17). O apostolado exige uma entrega generosa que leva ao desprendimento: por isso, Pedro, o primeiro a pôr em prática o mandamento do Senhor, quando o mendigo da Porta Formosa lhe pediu uma esmola (Act 3,2-3), disse1: « Não tenho ouro nem prata» (Ibid., 3,6), «não tanto para se gloriar da sua pobreza — assinala Santo Ambrósio — como da sua obediência ao mandamento do Senhor, como dizendo: vês em mim um discípulo de Cristo, e pedes-me ouro? Ele deu-nos algo muito mais valioso que o ouro, o poder de agir em Seu nome. Não tenho o que Cristo não me deu, mas tenho o que me deu: ‘Em nome de Jesus, levanta-te e anda’ (Act 3,6)» (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.). O apostolado exige, portanto, desprendimento dos bens materiais; e também exige estar sempre dispostos, porque a tarefa apostólica é urgente.

«Não cumprimenteis ninguém pelo caminho»: «Como pode ser — pergunta-se Santo Ambrósio — que o Senhor queira eliminar um costume tão cheio de humanidade? Considera, porém, que não diz apenas ‘não cumprimenteis ninguém’, mas que acrescenta ‘pelo caminho’. E isto não é supérfluo.

«Também Eliseu, quando enviou o seu servo a impor o seu bastão sobre o corpo do menino morto, lhe mandou que não cumprimentasse ninguém pelo caminho (2Reg 4,29): deu-lhe ordem de se apressar para cumprir com rapidez a tarefa e realizar a ressurreição, não acontecesse que, por se entreter a falar com algum transeunte, atrasasse o seu encargo. Aqui não se trata então de evitar a urbanidade de cumprimentar, mas de eliminar um possível obstáculo ao serviço; quando Deus manda, o humano deve ser deixado a um lado, pelo menos por algum tempo. Cumprimentar é uma coisa boa, mas melhor é executar quanto antes uma ordem divina que ficaria muitas vezes frustrada por um atraso» (Ibid.).

6. «Homem de paz » é todo o homem que está disposto a receber a doutrina do Evangelho, que traz a paz de Deus. A recomendação do Senhor aos discípulos de que anunciem a paz há-de ser uma constante em toda a acção apostólica dos cristãos: «O apostolado cristão não é um programa político, nem uma alternativa cultural; significa a difusão do bem, o contágio do desejo de amar, uma sementeira concreta de paz e de alegria» (Cristo que passa, n° 124).

O sentir a paz na nossa alma e à nossa volta é sinal inequívoco de que Deus vem a nós, e um fruto do Espírito Santo (cfr Gal 5,22): «Repele esses escrúpulos que te tiram a paz. — Não é de Deus o que rouba a paz da alma.

«Quando Deus te visitar, hás-de sentir a verdade daquelas saudações: dou-vos a paz…, deixo-vos a paz…, a paz seja convosco… E isto, no meio da tribulação» (Caminho, n° 258).

7. Está claro que o Senhor considera que a pobreza e o desprendimento dos bens materiais há-de ser uma das prin­cipais características do apóstolo (vv. 3-4). Não obstante, consciente das necessidades materiais dos Seus discípulos, deixa assente o princípio de que o ministério apostólico merece a sua retribuição. Por isso o Concilio Vaticano II recorda a obrigação que todos temos de contribuir para a sustentação dos que generosamente se entregam ao serviço da Igreja: «Entregues ao serviço de Deus, pelo desempenho do cargo que lhes foi confiado, os presbíteros são merecedores da justa recompensa, visto que o operário é digno do seu salário (Lc 10,7) e o Senhor ordenou àqueles que anunciam o Evangelho, que vivam do Evangelho (1Cor 9,14). Por isso, onde não se tiver providenciado de outra maneira à justa remuneração dos presbíteros, os mesmos fiéis, em cujo benefício eles trabalham, têm verdadeira obrigação de procurar os meios necessários para que levem uma vida digna e honesta» (Presbyterorum ordinis, n. 20).

20. O Senhor corrige a atitude dos discípulos, fazendo-lhes ver que os verdadeiros motivos de alegria estão na esperança do Céu, e não no poder de fazer milagres que lhes tinha dado para essa missão. Jesus tinha dado noutra ocasião um ensinamento parecido: «Muitos hão-de dizer-Me naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome e em Teu nome expulsamos demônios e em Teu nome fizemos muitos milagres?’ Então lhes direi abertamente: ‘Nunca vos conheci: apartai-vos de Mim, obreiros da iniquidade!’» (Mt 7,22-23). Com efeito, mais importante aos olhos de Deus do que fazer milagres é cumprir em cada momento a Sua Vontade santíssima.

 

08.07.13 – Mt 9, 18-26

18Enquanto assim lhes falava, aproximou- Ressurreição -se um chefe e, prostrando-se diante d’Ele, disse: Minha filha faleceu agora mesmo; mas vem impor a Tua mão sobre ela, e viverá.

19Jesus levantou-Se e seguiu-o com os discípulos.

20Nisto, uma mulher que, havia doze anos, padecia de fluxo de sangue, chegou-se por detrás e tocou-Lhe na franja do manto, 21porque dizia consigo mesma: «se eu tocar, ainda que seja só no manto, ficarei curada». 22Mas Jesus voltou-Se e, olhando para ela, disse: Confiança, filha. A tua fé te salvou. E desde aquele momento ficou a mulher cura­da.

23Quando Jesus chegou a casa do chefe e viu os tocadores de flauta e a gente em grande alarido, disse: 24Retirai-vos, que a menina não morreu, mas dorme. E riam-se d’Ele. 25Ele, porém, depois de terem feito sair a gente, entrou, pegou-lhe na mão, e a menina levantou-se. 26E correu esta fama por toda aquela região.

Comentário

18-26. Estamos perante dois milagres que se realizaram quase simultaneamente. É clara a relevância dos dois factos prodigiosos. A ressurreição da filha deste personagem, juntamente com a ressurreição do filho da viúva de Naim e a de Lázaro, são as três ressurreições operadas por Jesus que narram os Evangelhos. Pelos passos paralelos de Marcos (5, 21-43) e Lucas (8, 40-56) sabemos que este homem principal era chefe da sinagoga e se chamava Jairo. Assim pois, nos três casos ficam claramente identificadas as pessoas que recebe­ram o benefício de tais prodígios.

O relato evangélico mostra-nos, uma vez mais, a função que a fé desempenha nas acções salvadoras de Jesus. No caso da doente de fluxo de sangue, deve sublinhar-se que Jesus atende sobretudo à sinceridade e à fé que demonstra a mulher ao superar os obstáculos para chegar a Ele. E também é semelhante o caso de Jairo: deixando a um lado todo o tipo de respeito humano, este homem, relevante na cidade, humilha-se visivelmente diante de Jesus.

18. «Prostrando-se»: É o uso oriental para manifestar o respeito a Deus ou a pessoas de categoria. Os gestos de reverência nos actos litúrgicos, especialmente perante a Santíssima Eucaristia, são legítima e apropriada manifestação externa da atitude interior de fé e adoração.

23. «Os tocadores de flauta»: O texto original diz «flautistas», que eram os que normalmente acompanhavam com , sua música as honras fúnebres.

24. «Retirai-vos, a menina não morreu, mas dorme»: O mesmo dirá o Senhor a propósito de Lázaro: «Lázaro, nosso amigo, está adormecido, mas vou despertá-lo» (Ioh 11,11).

Ainda que Jesus fale de sono, não há a menor dúvida de que a menina — como mais tarde Lázaro — tinha morrido, para o Senhor não há morte verdadeira que não seja a do Castigo eterno (cfr Mt 10,28).

 

09.07.13 – Mt 9, 32-38

32Quando estes iam a sair, apresentaram-Lhe um mudo e endemoninhado. 33E, ex­pulso o Demônio, falou o mudo, e a multidão admirada dizia: Nunca se viu coisa assim em Israel. 34Os Fariseus, porém, diziam: É pelo Príncipe dos Demônios que Ele expulsa os Demônios.

35E Jesus andava por todas as cidades e aldeias, a ensinar nas sinagogas, a pregar o Evangelho do Reino e a curar todas as doenças e todas as enfermidades. 36Ao ver a multidão, condoeu-Se dela, porque anda­vam maltratados e abatidos, como ovelhas sem pastor. 37Então disse aos discípulos: A messe é grande, mas os trabalhadores, poucos. 38Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a Sua messe.

Comentário

35. O Concilio Vaticano II recorre a este lugar para assinalar a mensagem de caridade cristã que a Igreja deve levar a toda a parte: «Efetivamente, a caridade cristã a todos se estende sem discriminação de raça, condição social ou religião; não espera qualquer lucro ou agradecimento. portanto, assim como Deus nos amou com um amor gratuito, assim também os fiéis, pela sua caridade, sejam solícitos para com os homens, amando-os com o mesmo zelo com que Deus veio procurá-los. E assim como Cristo percorria todas as cidades e aldeias, curando todas as doenças e todas as enfermidades, proclamando o advento do reino de Deus, do mesmo modo a Igreja, por meio dos seus filhos, estabelece relações com os homens de qualquer condição, de modo especial com os pobres e aflitos, e de bom grado por eles gasta as forças» (Adgentes, n. 12).

36. «Condoeu-Se dela»: O verbo grego é profundamente expressivo: «comover-se nas entranhas». Jesus, com efeito, comoveu-Se ao ver o povo, porque os seus pastores, em vez de o guiarem e cuidarem dele, o desencaminhavam, compor­tando-se mais como lobos do que como verdadeiros pastores do seu próprio rebanho. Jesus vê na situação do Seu tempo cumprida a profecia de Ez 34,em que Deus, por meio do profeta, increpa os maus pastores de Israel, em substituição dos quais enviará o Messias.

«Se fôssemos consequentes com a nossa fé, quando olhássemos à nossa volta e contemplássemos o espectáculo da História e do Mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer nos nossos corações os mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo» (Cristo que passa, n° 133). Com efeito, a consideração das necessidades espirituais do mundo deve levar-nos a um infatigável e generoso trabalho apostólico.

37-38. À contemplação da multidão abandonada pelos seus pastores, seguem-se as palavras de Jesus que nos apre­sentam, sob a imagem da messe, essa mesma multidão preparada para que se realize nela a obra da Redenção: «Levantai os vossos olhos e vede os campos que estão dou­rados para a sega» (Ioh 4, 35). O campo arroteado pelos Profetas, ultimamente por São João Baptista, está já coberto de espigas maduras. Do mesmo modo que nos trabalhos do campo se não se sega no momento oportuno a colheita se perde, assim na Igreja se sente ao longo dos séculos a urgência de colher a messe, que é muita e está preparada.

A dificuldade é que agora, como nos tempos de Jesus, os obreiros são poucos em proporção com a tarefa. A solução é dada pelo próprio Senhor: orar, rogar a Deus, Dono da messe, para que envie os obreiros necessários. Será difícil que um cristão, que se ponha a rezar de verdade, não se sinta urgido a participar pessoalmente neste trabalho apostólico. Ao cumprir este mandato de Jesus Cristo, deve pedir-se de modo especial que não faltem os bons pastores, que deem aos outros operários da messe os meios de santificação necessários para a tarefa apostólica.

Na verdade, recorda-nos o Papa Paulo VI: «A responsabi­lidade da difusão do Evangelho que salva é de todos, de todos os que o receberam. O dever missionário recai sobre todo o Corpo da Igreja. De maneira e em medidas diferentes, é certo; mas todos, todos devemos ser solidários no cumprimento deste dever. Assim pois, que a consciência de cada crente se pergunte: Tenho cumprido o meu dever missionário A oração pelas Missões é o primeiro modo de pôr em prática este dever» (Alocução na recitação do Angelus, 23-X-1977).

 

10.07.13 – Mt 10, 1-7

E chamando a Si os doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem e para curarem todas as doenças e todas as enfermida­des. 2Ora, os nomes dos doze Apóstolos são estes: primeiro Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão, e Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, 3Filipe e Bartolomeu, Tome e Mateus, o publicano, Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu, 4Simão, o Cananeu, e Judas, o Iscariotes, o que O entregou. 5A estes doze enviou Jesus, depois de lhes dar as seguintes instruções: Não vades a terra de gentios, nem entreis em cidades de Samaritanos. 6Ide antes às ovelhas desgar­radas da Casa de Israel. 7Ide e pregai, dizen­do: « Está próximo o Reino dos Céus».

Comentário

1-4. Tão essencial é a oração na vida da Igreja, que Jesus chama os Seus Doze Apóstolos depois de lhes ter recomendado que rezassem para que o Senhor enviasse operários para a Sua messe (cfr Mt 9, 38). Toda a actividade apostólica dos cristãos deve ser, pois, precedida e acom­panhada por uma intensa vida de oração, visto que não se trata de uma empresa meramente humana mas divina. O Senhor inicia a Sua Igreja chamando Doze homens que vão ser como que os doze patriarcas do Novo Povo de Deus que é a Sua Igreja. Este Novo Povo não se constituirá por uma descendência segundo a carne, mas por uma descendência espiritual. Os seus nomes ficam aqui registrados. A sua escolha é gratuita: não se distinguiram por serem sábios, poderosos, importantes…; são homens normais e correntes que responderam com fé à graça do chamamento de Jesus. Todos serão fiéis ao Senhor, excepto Judas Iscariotes. Inclusive, Jesus antes de morrer e ressuscitar gloriosamente, confere-lhes esses poderes de expulsar os espíritos imundos e de curar enfermidades, como antecipação e preparação da missão salvífica que lhes dará depois.

E comovedor saber os nomes daqueles primeiros. A Igreja venera-os com especial afecto e sente-se orgulhosa de ser continuadora — apostólica — da missão sobrenatural que eles iniciaram, e de ser fiel ao testemunho que souberam dar da doutrina de Cristo. Não há verdadeira Igreja sem a ininterrupta sucessão apostólica e a continuada identificação com o espírito que os Apóstolos souberam encarnar.

«Apóstolo»: Significa enviado, porque Jesus Cristo os enviava a pregar o Seu Reino e a Sua doutrina.

O Concilio Vaticano II, na mesma linha do Vaticano I, confessa e declara que a Igreja está constituída hierarquicamente: « O Senhor Jesus, depois de ter orado ao Pai, chamando a Si os que Ele quis, elegeu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar o Reino de Deus (cfr Mc 3,13-19; Mt 10,1-10); ea estes Apóstolos (cfr Lc 6, 13) constituiu-os em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro, escolhido de entre eles (cfr Ioh21, 15-17). Enviou-os primeiro aos filhos de Israel e, depois, a todos os povos (cfr Rom 1,16), para que, participando do Seu poder, fizessem de todas as gentes discí­pulos Seus e as santificassem e governassem (cfr Mt 28,16-20; Mc 16, 15; Lc 24, 45-48; Ioh20, 21-23) e deste modo propa­gassem e apascentassem a Igreja, servindo-a, sob a direcção do Senhor, todos os dias até ao fim dos tempos (cfr Mt 28,28)» (Lumen gentium, n. 19).

1. Neste capítulo 10 São Mateus expõe como Jesus, para levar para a frente no futuro o Reino de Deus que inaugura, têm o propósito de fundar a Igreja, e para isso escolhe, dá poderes e instrui os Doze Apóstolos que são o germe da Sua Igreja.

5-15. De maneira semelhante a como na escolha dos Apóstolos (vv. 1-4) Jesus mostra a Sua vontade de fun­dar a Igreja, no presente passo (vv. 5-15) manifesta o Seu propósito de formar esses primeiros Apóstolos, já antes da Sua Morte e Ressurreição. Deste modo Jesus Cristo começou a pôr os fundamentos da Sua Igreja desde os começos do Seu ministério público.

Todos temos necessidade de uma formação doutrinai e apostólica para desempenhar a nossa vocação cristã. A Igreja tem o dever de ensinar, e os fiéis têm a obrigação de fazer seu esse ensinamento. Por conseguinte, cada cristão deve aproveitar os meios de formação que a Igreja lhe oferece, nas circunstâncias concretasem que Deuso colocou na vida.

5-6. Segundo o plano de salvação estabelecido por Deus, ao povo hebraico foram feitas as promessas (a Abraão e aos Patriarcas), conferida a Aliança, dada a Lei (Moisés) e enviados os Profetas. Deste povo, segundo a carne, nasceria o Messias. Compreende-se que o Messias e o Reino de Deus devessem ser anunciados à Casa de Israel primeiro que aos não Judeus. Por isso, nesta primeira aprendizagem de missão apostólica, Jesus restringe o campo da sua actividade só aos Judeus, sem que tal circunstância possa significar um obstáculo ao caracter universal da missão da Igreja. Com efeito, Jesus mandar-lhes-ia mais tarde: «Ide, pois, doutrinai todos os povos» (Mt 28, 19); «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16,15). Também os Apóstolos, na primeira expansão do Cristianismo, ao evangelizar uma cidade em que havia alguma comunidade de judeus, costumavam dirigir-se a estes em primeiro lugar (cfr Act 13,46).

 

11.07.13 – Mt 10, 7-15

7Ide e pregai, dizen­do: « Está próximo o Reino dos Céus». 8Curai enfermos, ressuscitai mortos, limpai lepro­sos, expulsai Demônios. Dai de graça o que de graça recebeste. 9Não procureis oiro nem prata nem cobre para vossos cintos, 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas nem calçado nem bordão, porque o traba­lhador tem direito ao seu sustento.

11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, informai-vos de alguma pessoa honrada que nela haja e hospedai-vos aí até partirdes. 12E, ao entrar na casa, saudai-a. E, se realmente essa casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; 13se, porém, não for digna, a vossa paz voltará para vós. 14E se alguém vos não receber nem ouvir as vossas palavras, saí dessa casa ou povoação e sacu­di o pó dos vossos pés. l5Em verdade vos digo: no dia do Juízo, mais tolerável sorte terá a terra de Sodoma e Gomorra do que essa cidade.

Comentário

7-8. Até então os Profetas tinham anunciado ao povo eleito os bens messiânicos, por vezes em imagens acomodadas à sua mentalidade ainda pouco madura espiritualmente. Agora, Jesus envia os Seus Apóstolos a anunciar que esse Reino de Deus prometido está iminente, manifestando os seus aspectos espirituais. Os poderes mencionados no v. 8 são precisamente o sinal anunciado pelos Profetas acerca do Reino de Deus ou reino messiânico. Primariamente (caps. 8 e 9) estes poderes messiânicos exerce-os Jesus Cristo; agora dá-os aos Seus discípulos para mostrar que essa missão é divina (cfr Is 35,5-6 40, 9; 52, 7; 61,1).

9. «Cintos»: Cinturões duplos, cosidos pelas bordas, em que se costumava na antiguidade levar o dinheiro e outros objectos pequenos e pesados.

9-10. Jesus urge aos Seus discípulos a que partam sem demora para o cumprimento da sua missão. Não devem preo­cupar-se por carecerem de bens materiais, nem dos meios humanos; o que faltar Deus provê-lo-á na medida das suas necessidades. Esta santa audácia em empreender as obras de Deus repete-se uma e outra vez na história da Igreja. Quantas coisas grandes foram empreendidas, mesmo sem ter à disposição os meios humanos mais imprescindíveis! Assim agiram os santos. Se na expansão da Igreja se tivesse esperado por dispor desses meios, muitas almas não teriam recebido a luz de Cristo. Quando o cristão está persuadido de qual é a Vontade de Deus, não deve, com ânimo encolhido, parar a contar os meios de que dispõe. «Nos empreendimentos de apostolado, está bem — é um dever que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 =4). Mas não te esqueças — nunca — de que tens de contar, felizmente, com outra parcela. Deus + 2 + 2…) (Caminho, n.°471).

De qualquer modo, não pretendamos forçar Deus para que intervenha de modo extraordinário quando podemos remediar as necessidades com o nosso próprio esforço e trabalho. Isto quer dizer que os cristãos devem ajudar com generosidade aqueles que, dedicados totalmente a cuidar dos bens espirituais dos seus irmãos, não têm tempo para se ocuparem do seu próprio sustento. Veja-se a este propósito o que promete o próprio Jesus em Mt 10,40-42.

11-15. A palavra «paz» era e continua a ser a saudação usual entre os Judeus. Mas na boca dos Apóstolos devia adquirir uma significação mais profunda: a manifestação da bênção de Deus, que os discípulos de Jesus, como enviados Seus, derramam sobre aqueles que os acolhem. Este manda­to do Senhor não termina naquela missão concreta, mas é como que uma profecia para toda a história posterior. O mensageiro de Cristo não desanima quando a sua palavra não é acolhida. Sabe que a bênção de Deus não fica vazia nem é ineficaz (cfr Is 55, 11) e todo o esforço por parte do cristão sempre dará fruto. Em qualquer caso, a palavra apostólica leva consigo a graça da conversão: «muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a Fé, e o número, só dos homens, elevou-se a uns cinco mil» (Act 4,4; cfr 10,44; Rom 10,17).

O homem deve prestar atenção a essa palavra do Evan­gelho e acreditar nela (Act 13, 48; 15, 7). Se a aceitar e perseverar nela, receberá a consolação da sua alma, a paz do seu espírito (Act 8, 3.9) e a salvação (Act 11, 4-18). Mas se a rejeitar, não estará isento de culpa e Deus julgá-lo-á por se ter fechado à graça que lhe foi oferecida.

 

12.07.13 – Mt 10, 16-23

16Olhai que Eu mando-vos, como ovelhas para o meio dos lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes, e simples, como as pombas. 17Acautelai-vos, porém, dos ho­mens, pois hão-de entregar-vos aos Sinédrios e açoitar-vos nas sinagogas. 18E sereis, por Minha causa, levados à presença dos governadores e à dos reis, para dardes teste­munho diante deles e dos gentios. 19Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como ou o que haveis de dizer, pois ser-vos-á dado nessa hora o que haveis de dizer, 20porque não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai, que fala em vós. 210 irmão há-de entregar à morte o irmão, e o pai, ao filho. E levantar-se-ão os filhos contra os pais e far-lhe-ão dar a morte. 22E sereis odiados de todos, por causa do Meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo. 23Quando, porém, vos perse­guirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo que não terminareis as cidades de Israel até vir o Filho do homem.

Comentário

16-23. Jesus Cristo dá aqui uma série de instruções e advertências, que terão aplicação constante ao longo de toda a história da Igreja. Dificilmente o espírito do mundo compreenderá os caminhos de Deus. Quando não forem as perseguições, será a indiferença e a incompreensão do ambiente. Mas seguir a Cristo de perto será sempre custoso: não se pode estranhar que seja assim, visto que o próprio Jesus foi sinal de contradição; mais ainda, se na vida do cristão não aparecesse esta, haveria que perguntar-se se não está a acontecer que o cristão se mundanizou. O discípulo de Cristo não pode transigir com certas manifestações mun­danas, por muito em moda que estejam. Por isso, a vida cristã levará consigo, necessariamente, uma inconformidade diante de tudo o que atente contra a fé e a moral (cfr Rom 12,2). Não Se pode estranhar que a vida do cristão se mova, não poucas vezes, entre o heroísmo ou a traição. Perante estas dificul­dades não se deve ter medo: não estamos sós, contamos com a ajuda poderosa do nosso Pai Deus, que nos fará ser valentes e audazes.

20. Com estas palavras Jesus ensina o caracter comple­tamente sobrenatural do testemunho que pede aos Seus discípulos. O comportamento de tantos mártires cristãos, conservado documentalmente, prova como se cumpre na vida dos fiéis a promessa de Jesus; é impressionante ao ler esses documentos comprovar a serenidade e a sabedoria de pessoas de escassa cultura, por vezes quase crianças.

A doutrina deste versículo fundamenta a fortaleza e confiança que o cristão deve ter nas situações mais variadas e difíceis da vida, nas quais seja necessário confessar a fé. Não estará só, mas o Espírito Santo porá nele palavras cheias de sabedoria divina.

23. Na interpretação deste texto deve rejeitar-se, antes de mais, a opinião de alguns racionalistas segundo a qual Jesus estaria convencido da Sua próxima vinda gloriosa e do fim do mundo. Tal interpretação contradiz abertamente muitos outros passos do Evangelho e do Novo Testamento. É evidente que com «Filho do Homem» Jesus Se designa a Si próprio, e que anuncia uma manifestação da Sua glória. A interpretação mais razoável é que aqui Jesus alude, em primeiro lugar, à situação histórica da primeira guerra judaica contra Roma, que acabou com a total destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70, e que causou a dispersão do povo Hebreu. Mas este acontecimento, que teria lugar poucos anos depois da morte de Jesus, é uma imagem ou figura profética do fim dos tempos (cfr a nota a Mt 24,1). A vinda gloriosa de Cristo terá lugar em data que Deus não revelou. A incerteza do fim dos tempos é um incentivo a vigilância do cristão e da Igreja. 24-25. Com dois provérbios Jesus insinua a sorte futura dos discípulos: a sua maior glória será imitar o Mestre, identificar-se com Ele, ainda que isto os leve a ser desprezados e perseguidos como antes o foi o seu Senhor; o exemplo do Mestre é o único que ilumina e guia o comportamento do cristão, pois Ele disse de Si mesmo: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Ioh 14,6).

Belzebu ou Beelzebul (Lc 11,15) era o nome do ídolo da antiga cidade filisteia de Acaron. Os judeus denominaram a seguir com este nome depreciativamente o demônio ou o príncipe dos demônios (cfr Mt 12, 24), e o ódio que tinham a Jesus Cristo levou-os ao extremo de denominá-Lo da mesma forma.

Diante das perseguições e incompreensões a que iam estar submetidos os cristãos (Ioh15, 18), Jesus Cristo anima-os dando-lhes a Sua intimidade. No fim da Sua vida chamar-lhes-á carinhosamente amigos (Ioh15, 15) e filhos (Ioh13, 33).

 

13.07.13 – Mt 10, 24-33

24O discípulo não é superior ao mestre, nem o servo, superior ao senhor. 25Basta ao discípulo que seja como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor. Se ao Pai de família chamaram Belzebu, quanto mais aos de sua casa! 26Portanto, não tenhais medo deles, porque não há nada encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto, que não venha a saber-se. 27O que vos digo nas trevas, dizei-o vós à luz e o que ouvis em segredo, apregoai-o sobre os terraços. 28Não temais os que matam o corpo e que não podem matar a alma. Temei antes Aquele que pode deitar a perder a alma e o corpo na Geena. 29Não se vendem dois pardais por um asse? E, contudo, nem um deles cairá em terra sem permissão do vosso Pai. 30Quanto a vós, até os cabelos da cabeça estão todos contados. 31Por isso, não temais, que mais vaieis vós do que muitos pardais.

32A todo aquele, pois, que Me confessar diante dos homens, também Eu o confessarei diante de Meu Pai, que está nos Céus, 33mas a quem Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante de Meu Pai que está nos Céus.

Comentário

26-27. Jesus Cristo manda aos Seus discípulos que não tenham medo das calúnias ou murmurações. Virá um dia em que chegue ao conhecimento de todos quem é cada um, as suas verdadeiras intenções e a disposição exacta da sua alma. Entretanto, os que são de Deus podem ser apresentados como se não o fossem por aqueles que, por paixão ou por malícia, utilizam a mentira. Esse é o segredo que chegará a saber-se.

Junto a estas recomendações, Cristo manda também que os Apóstolos falem com clareza, abertamente. Por razões de pedagogia divina, Jesus tinha falado às multidões em parábolas e tinha-lhes descoberto gradualmente a Sua verdadeira personalidade. Os Apóstolos, depois da vinda do Espírito Santo (cfr Act 1,8), hão-de pregar às claras, desde os terraços, o que Jesus lhes foi dando a conhecer.

A nós toca-nos hoje também continuar a manifestar sem ambiguidades toda a doutrina de Cristo, sem nos deixarmos levar por falsas prudências humanas ou por medo das consequências.

28. A Igreja, apoiada neste e em muitos outros passos do Evangelho (Mt 5,22.29; 18,9; Mc9,43.45.47; Lc 12, 5),ensina com clareza que existe o inferno, onde recebem castigo eterno as almas que morrem em pecado grave (cfr Catecismo Romano, I, 6, 3). Ali os condenados sofrem as penas de dano e de sentido eternamente, de um modo que nós ignoramos nesta vida (cfr Livro da sua vida, cap. 32). Ver as notas a Lc 16,19-31.

Por isso o Senhor previne os Seus discípulos contra o falso medo. Não há por que temer os que somente podem tirar a vida do corpo. Só Deus é quem tem poder de lançar alma e corpo no inferno. Por isso o verdadeiro temor e respeito devemo-lo a Deus, que é o nosso Príncipe e Juiz Supremo, e não aos homens. Os mártires são os que melhor viveram este preceito do Senhor; sabiam que a vida eterna valia muito mais que a vida terrena.

29-31. O «asse» era uma pequena moeda de ínfimo valor. Cristo emprega esta imagem para ilustrar o imenso carinho que Deus tem à Sua criatura. Como diz São Jerónimo (Comm. in Matth., 10, 29-31): «Se os passarinhos, que são de tão vil preço, não deixam de estar sob a providência e cuidado de Deus, como é que vós, que pela natureza da vossa alma sois eternos, podereis temer que não vos olhe com particular cuidado Aquele a quem respeitais como vosso Pai?» De novo Jesus Cristo ensina a paternal Providência de Deus, da qual falou extensamente no Sermão da Montanha (cfr Mth, 19-34).

32-33. Com estas palavras Jesus está a ensinar-nos que a confissão pública da fé n’Ele — com todas as suas consequências — é condição indispensável para a salvação eterna. Cristo receberá no Céu, depois do Juízo, os que deram testemunho da sua fé, e condenará os que cobardemente se envergonharam d’Ele (cfr Mt 7, 23; 25, 41; Apc 21, 8). Sob o nome de «confessores» a Igreja honra os santos que, sem terem sofrido o martírio de sangue, com a sua vida deram testemunho da fé católica. Embora todo o cristão deva estar disposto para o martírio, a vocação cristã ordinária é a de ser confessores da fé.

 

14.07.13 – Lc 10, 25-37

25Nisto, levantou-se um legista com esta pergunta, para O experimentar: Mestre, que hei-de fazer para herdar a vida eterna? :26Disse-lhe Jesus: Que está escrito na Lei? Como é que lês? 27Ele disse-Lhe, em resposta: Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com toda a tua mente, e ao teu próximo, como a ti mesmo. 28Disse-lhe Jesus: Respondeste bem: faz isso e vi verás. 29Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?

30Jesus, tomando-lhe a palavra, respon­deu: Certo homem descia de Jerusalém para Jerico e caiu em poder dos salteadores, os quais, depois de o despojarem e espancarem, se foram, deixando-o meio morto. 31Ora, por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote, que, ao vê-lo, passou do lado oposto. 32Do mesmo modo, também um le­vita, que veio por aquele lugar, ao vê-lo, passou do lado oposto. 33Mas um samaritano, que ia de viagem, veio por junto dele e, quando o viu, encheu-se de compaixão. 34Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, dei­tando azeite e vinho, e, depois de o erguer para cima da própria montada, levou-o para uma estalagem e prestou-lhe assistência. 35No dia seguinte, tirando dois denarios, deu-os ao estalajadeiro e disse: «Presta-lhe assistência, e o que dispenderes a mais eu to pagarei, quando voltar». 36Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu em poder dos salteadores? 37Ele res­pondeu: O que usou de compaixão para com ele. Disse-lhe Jesus: Vai e faz tu também do mesmo modo.

Comentário

25-28. O Senhor ensina que o caminho para conseguir a vida eterna consiste no cumprimento fiel da Lei de Deus. Os Dez Mandamentos, que Deus entregou a Moisés no monte Sinai (Ex 20,1-17), são a expressão concreta e clara da Lei natural. Faz parte da doutrina cristã a existência da Lei natural, que é a participação da Lei eterna na criatura racional, e que foi impressa na consciência de cada homem ao ser criado por Deus (cfr Libertas praestantissimum). É evidente, portanto, que a Lei natural, expressada nos Dez Mandamentos, não pode mudar, nem passar de moda, já que não depende da vontade do homem nem das circunstâncias mutáveis dos tempos.

Neste passo Jesus louva e aceita o resumo da Lei que faz o escriba judeu. A resposta é tirada do Deuteronómio (6,4 ss.) e era uma oração que os judeus repetiam com frequência. Esta mesma resposta dá o Senhor quando Lhe perguntam qual é o mandamento principal da Lei, para terminar dizendo: «Destes dois mandamentos depende toda a Lei e os «Profetas» (Mt 22,40), (cfr também Rom 13,8-9; Gal 5,14

Há uma hierarquia e uma ordem nestes dois mandamentos que constituem o duplo preceito da caridade: antes de mais e sobretudo amar a Deus por Si mesmo; em segundo lugar, e como consequência do anterior, amar o próximo porque essa é a vontade explícita de Deus (1Ioh 4,21 (vejam-se as notas a Mt 22,34-40 e 22,37-38).

Neste passo do Evangelho encerra-se também outro ensinamento fundamental: a Lei de Deus não é algo negativo «não fazer», mas algo claramente positivo, é amor; a santidade, a que todos os baptizados estão chamados, não consiste tanto em não pecar, mas em amar, em fazer coisas positivas, em dar frutos de amor de Deus. Quando o Senhor nos descreve o Juízo Final realça esse aspecto positivo da Lei de Deus (Mt 25,31-46). O prêmio da vida eterna será concedido aos que fizeram o bem.

27. «Sem dúvida, a nossa única ocupação aqui na terra é a de amar a Deus: ou seja, começar a praticar o que faremos durante toda a eternidade. Por que temos de amar a Deus? Porque a nossa felicidade consiste, e não pode consistir noutra coisa, no amor de Deus. De maneira que se não amamos a Deus, seremos constantemente infelizes; e se queremos desfrutar de alguma consolação e de alguma suavidade nas nossas penas, somente o conseguiremos recorrendo ao amor de Deus. Se quereis convencer-vos disso ide buscar o homem mais feliz segundo o mundo; se não ama a Deus, vereis como na realidade não deixa de ser um grande desgraçado. E, pelo contrário, se vos encontrais com o homem mais infeliz aos olhos do mundo, vereis como, amando a Deus, é ditoso em todos os conceitos. Meu Deus! Abri-nos os olhos da alma, e assim buscaremos a nossa felicidade onde realmente podemos achá-la!»(Sermões esco­lhidos, Décimo segundo Domingo depois do Pentecostes).

29-37. Nesta comovente parábola, que apenas São Lucas recolhe, o Senhor dá uma explicação concreta de quem é o próximo e de como há que viver a caridade com ele, ainda que seja nosso inimigo.

Santo Agostinho, seguindo outros Santos Padres (De verb. Dom. serm., 37), identifica o Senhor com o bom samaritano, e o homem assaltado pelos ladrões com Adão, origem e figura de toda a humanidade caída. Levado por essa com­paixão e misericórdia, desce à terra para curar as chagas do homem, fazendo-as suas próprias (Is 53,4; Mt 8,17; 1Pet 2,24; 1Ioh 3,5). Assim, em mais de uma ocasião, vemos como Jesus Se compadece e Se comove diante do sofrimento do homem (cfr Mt 9,36; Mc 1,41; Lc 7,13). Com efeito, diz São João: «Nisto se demonstrou o amor de Deus para connosco, em que enviou o Seu Filho Unigênito ao mundo para que por Ele tenhamos a vida. E nisto consiste o Seu amor, que não é porque nós tenhamos amado a Deus, mas porque Ele nos amou primeiro a nós, e enviou o Seu Filho para ser vítima de propiciação pelos nossos pecados. Queridos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros» (1Ioh 4,9-11).

Esta parábola deixa claro quem é o nosso próximo: quem quer que esteja perto de nós — sem distinção alguma de raça, de amizade, etc. — e necessite da nossa ajuda. De igual modo fica claro como há que amar o próximo: tendo misericórdia com ele, compadecendo-nos da sua necessi­dade espiritual ou corporal; e esta disposição tem de ser eficaz, concreta, deve manifestar-se em obras de entrega e de serviço, não pode ficar apenas em sentimento.

Essa mesma compaixão e amor de Jesus Cristo temos de sentir nós, os cristãos, que devemos ser discípulos Seus, para não passar nunca do lado oposto perante as necessidades alheias. Uma concretização do amor ao próximo está plasmada nas Obras de Misericórdia, que se chamam assim porque não são devidas por justiça. São catorze, sete espirituais e sete corporais. As espirituais abarcam: ensinar a quem não sabe, dar bom conselho a quem dele tenha necessidade, corrigir a quem erra, perdoar as injúrias, consolar o triste, sofrer com paciência as adversidades e as fraquezas do próximo, e rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. As corporais são: visitar os doentes, dar de comer ao faminto, dar de beber ao que tem sede, redimir o cativo, vestir o nu, dar pousada ao peregrino, e enterrar os mortos.

31-32. É muito provável que Nosso Senhor tenha corri­gido também com esta parábola uma das deformações e exageros a que tinha chegado a falsa piedade judaica entre os Seus contemporâneos. Segundo a Lei de Moisés, o contacto com os cadáveres fazia contrair a impureza legal, que se reparava com diversas abluções ou lavagens (cfr Num 19, 11-22; Lev 21,1-4,11-12). Essas disposições não estavam dadas para impedir o auxílio aos feridos ou doentes, mas para outros fins secundários higiênicos e de respeito aos cadáveres. A aberração no caso do sacerdote e do levita da parábola consistiu em que, diante da dúvida de se p homem assaltado pelos ladrões estava morto ou não, antepuseram uma má interpretação de um preceito secundário e ritual da Lei, perante o mandamento mais importante: o amor ao próximo e a ajuda que lhe deve ser prestada.

 

15.07.13 – Mt 10, 34-11.1

34Não julgueis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada. 35Porque vim separar o homem de seu pai, e a filha de sua mãe, e a nora de sua sogra. 36E os inimigos do homem serão os da sua casa. 37Quem ama o pai e a mãe mais do que a mim, não é digno de Mim. E quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim, 38e quem não toma a sua cruz e Me segue, não é digno de Mim. 39Quem achar a sua vida, perdê-la-á, e quem a perder, por minha causa, achá-la-á.

40Quem vos recebe, a Mim recebe, e quem Me recebe a Mim, recebe Aquele que Me enviou. 41Quem recebe um profeta, a título de profeta, terá recompensa de profeta, e quem recebe um justo, a título de justo, terá recompensa de justo. 42E todo aquele que der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja só um copo de água fresca, a título de discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.

E aconteceu que, quando Jesus acabou de instruir os Seus doze discípulos, partiu dali, para ensinar e pregar nas cidades daquela gente.

Comentário

34-37. O Senhor não vem trazer uma paz terrena e falsa, mera tranquilidade por que anseia o egoísmo humano, mas a luta contra as próprias paixões, contra o pecado e todas as Suas consequências. A espada que Jesus Cristo traz à terra para essa luta é, segundo a própria Escritura, «a espada do espírito, que é a palavra de Deus» (Eph 6,17), «viva, eficaz e penetrante…, que penetra até dividir a alma e o corpo, as junturas e as medulas e discerne os pensamentos e intenções de coração» (Heb 4,12).

A palavra de Deus, com efeito, produziu essas grandes separações de que aqui se fala. Por causa dela, nas próprias famílias, os que abraçavam a fé tiveram por inimigos os da Sua própria casa que resistiam à palavra da verdade. Por isso, continua o Senhor (v. 37) a dizer que nada pode interpor-se entre Ele e o Seu discípulo, nem sequer o pai ou a mãe, o filho ou a filha: tudo o que for um obstáculo (cfr Mt 5, 29-30) deve afastar-se.

É evidente que estas palavras de Jesus não contêm nenhuma oposição entre o primeiro e o quarto mandamento (amar a Deus sobre todas as coisas e amar os pais), mas simplesmente indicam a ordem que há-de respeitar-se. Deve­mos amar a Deus com todas as nossas forças (cfr Mt 22, 37), tomar a sério a luta pela nossa santidade; e também devemos amar e respeitar — em teoria e na prática — esses pais que Deus nos deu e que generosamente colaboraram com o poder criador de Deus para nos trazer à vida, aos quais devemos tantas coisas. Mas o amor aos pais não pode antepor-se ao amor de Deus; em geral não tem por que levantar-se a oposição entre ambos, mas se em algum caso se chegasse a levantar, há que ter bem gravadas na mente e no coração estas palavras de Cristo. Ele mesmo nos deu exemplo disto: « Por que me procuráveis? Não sabíeis que Eu tenho de estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2,49); resposta de Jesus adolescen­te no Templo de Jerusalém, a Maria e José, que O procura­vam angustiados. Deste facto da vida de Nosso Senhor, que é norma para todo o cristão, devem tirar consequências tanto filhos como pais. Os filhos, para aprender que não se pode antepor o carinho para com os pais ao amor de Deus, especialmente quando o nosso Criador nos pede um seguimento que leva consigo uma maior entrega; os pais, para saber que os filhos são de Deus em primeiro lugar, e que portanto Ele tem direito a dispor deles, ainda que isto suponha um sacrifício, heroico por vezes. De acordo com esta doutrina há que ser generosos e deixar agir Deus. De todas as maneiras, Deus nunca Se deixa vencerem generosidade. Jesusprometeu dar cem por um, mesmo nesta vida, e depois a bem-aventurança eterna (cfr Mt 19, 29), àqueles que respon­dem com desprendimento à Sua santa Vontade.

38-39. A doutrina dos versículos anteriores fica resumi­da nestas duas frases lapidares. Donde seguir a Cristo, cumprir a Sua palavra, significa arriscar esta vida para ganhar a eterna.

«As pessoas que estão debruçadas sobre si mesmas, que actuam procurando, antes de mais, a sua própria satisfação, põem em jogo a sua salvação eterna e, mesmo aqui na Terra, são inevitavelmente infelizes e desgraçadas. Só quem se esquece de si e se entrega a Deus e aos outros — no matrimônio também — pode ser ditoso na Terra, com uma felicidade que é preparação e antecipação do Céu» (Cristo que passa, n° 24). Fique, pois, claro que a vida cristã se fundamenta na abnegação: sem Cruz não há cristianismo.

40. Para animar os Apóstolos e para persuadir os outros a que os recebam, o Mestre declara que há uma íntima solidariedade, ou inclusive uma certa identidade, entre Ele e Os Seus discípulos. Deus em Cristo, Cristo nos Apóstolos: tal é a ponte que une a Terra com o Céu (cfr 1Cor 3,21-23).

41-42. Um profeta nem sempre tem que anunciar as coisas futuras; a sua missão é sobretudo comunicar aos outros a palavra de Deus (cfr Ier 11, 2; Is 1, 2). O justo é o que obedece à Lei de Deus e segue os Seus caminhos (cfr Gen 6, 9; Is 3, 10). Ora bem, o que Jesus ensina aqui é que quem escuta humildemente e hospeda os profetas e os justos, vendo Deus neles, receberá o prêmio de profeta e de justo. O próprio facto de acolher generosamente os amigos de Deus fá-lo-á ganhar o prêmio deles. Do mesmo modo se deve ver Deus nos mais pequenos discípulos (v. 42), que talvez não tenham relevân­cia aos olhos humanos, mas são grandes enquanto enviados por Deus e pelo Seu Filho. Por isso, o que lhes dá um copo de água fresca — uma esmola, um serviço ou outra boa acção — receberá a sua recompensa; soube ser generoso com o próprio Senhor (cfr Mt 25,40).

 

16.07.13 – Mt 12, 46-50

46Enquanto Ele falava ao povo, estavam fora Sua Mãe e irmãos, procurando falar-Lhe. 47Disse-Lhe alguém: Olha, Tua Mãe e Teus irmãos estão lá fora e querem falar-Te. 48Ele, porém, respondeu ao que Lho disse: Quem é a Minha mãe e quem são os Meus irmãos? 49E, estendendo a mão para os Seus discípulos, disse: Eis a Minha mãe e os Meus irmãos. 50Porque todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está nos Céus, esse é Meu irmão, e irmã, e mãe.

Comentário

46-47. «Irmãos»: Nos idiomas antigos hebraico, árabe, aramaico, etc., não havia palavras concretas para indicar os graus de parentesco que existem noutros idiomas mais modernos. Em geral, todos os pertencentes a uma mesma família, clã, inclusive tribo, eram «irmãos».

No caso concreto que aqui nos ocupa deve ter-se presente, além disso, que os familiares de Jesus eram parentes de diverso grau e que se trata de dois grupos: uns por parte da Santíssima Virgem, e outros de São José. Mt 13, 55-56 menciona, como a viver em Nazaré, Tiago, José, Simão e Judas «irmãos do Senhor», e alude também a «irmãs» (cfr Mc 6, 3). Por outro lado, Mt 27, 56 diz-nos que destes, Tiago e José são filhos de uma certa Maria, diferente da Virgem, e Simão e Judas não são irmãos de Tiago e José, mas, segundo parece, filhos de um irmão de São José.

Jesus, porém, era para todos «o filho de Maria» (Mc 6, 3) ou «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55).

A Igreja sempre professou com plena certeza que Jesus Cristo não teve irmãos de sangue em sentido próprio: é o dogma da perpétua virgindade de Maria (cfr a nota a Mt 1, 25). 48-50. E evidente o amor de Jesus por Sua mãe Santa Maria e por São José. O Nosso Salvador aproveita este episódio para nos ensinar que no Seu Reino os direitos do sangue não têm primazia. Em Lc 8,19 encontramos a mesma doutrina. O que faz a vontade do Seu Pai Celeste é consi­derado por Jesus como da Sua própria família. Por isso, mesmo sacrificando os sentimentos naturais da família, deverá abandoná-la quando lho peça o cumprimento da missão que o Pai lhe confiou (cfr Lc 2,49).

Podemos dizer que a própria Virgem Maria é mais amada por Jesus por causa dos laços criados entre ambos pela graça do que em virtude da geração natural, que fez d’Ela Sua Mãe segundo a carne: a maternidade divina é a fonte de todas as outras prerrogativas da Santíssima Virgem; mas esta mesma maternidade é, por sua vez, a primeira e a maior das graças outorgadas a Maria.

 

17.07.13 – Mt 11, 25-27

25Naquela ocasião, tomando Jesus a pala­vra, disse: Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e prudentes e as revelaste aos pequeninos. 26Sim Pai, porque tal foi o Teu beneplácito. 27Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.

Comentário

25-26. Os prudentes e os sábios deste mundo, isto é, os que confiam na sua própria sabedoria, não podem aceitar a revelação que Cristo nos trouxe. A visão sobrenatural vai sempre unida à humildade. O que se considera pouca coisa diante de Deus, o humilde, vê; o que está contente com o seu próprio valor não percebe o sobrenatural.

27. Nestas palavras solenes Jesus revela-nos a Sua divindade. É o conhecimento que temos de uma pessoa o que dá ideia da nossa intimidade com ela, segundo o princípio enunciado por São Paulo: «Pois, quem dentre os homens, conhece as coisas do homem, a não ser o espírito do homem que nele reside?» (1Cor 2, 11). O Filho conhece o Pai com o mesmo conhecimento com que o Pai conhece o Filho. Esta identidade de conhecimento implica a unidade de natureza; quer dizer, Jesus é Deus como o Pai.

 

18.07.13 – Mt 11, 28-30

28Vinde a Mim todos os que andais afadigados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. 29Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de cora­ção, e encontrareis descanso para as vossas almas, 30pois o Meu jugo é suave, e a Minha carga é leve.

Comentário

28-30. O Senhor chama para Si todos os homens, pois andamos sob o peso das nossas fadigas, lutas e tributações, «c história das almas mostra a verdade destas palavras de Jesus. Só o Evangelho apaga a sede de verdade e de justiça que desejam os corações sinceros. Só Nosso Senhor, o Mestre – e aqueles a quem Ele dá o Seu poder —, pode apaziguar o pecador ao dizer-lhe «os teus pecados te são perdoados»? (1Vít 9, 2). Neste sentido ensina o Papa Paulo VI: «Jesus diz agora e sempre: ‘Vinde a Mim todos os que andais afadigados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei’. Efectivamente Jesus está numa atitude de convite, de conhecimento e de compaixão por nós; mais ainda, de oferecimento, de promessa, de amizade, de bondade; de remédio para os nossos males, de confortador, e ainda mais, de alimento, de pão, de fonte de energia e de vida» (Homília Corpus Christi).

«Vinde a Mim»: O Mestre dirige-Se às multidões que O seguem, «maltratadas e abatidas, como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36). Os fariseus sobrecarregavam-nas com minuciosas práticas insuportáveis (cfr Act 15, 10), que em troca não lhes davam a paz do coração. Pelo contrário, Jesus fala àquelas gentes e também a nós do Seu jugo e da Sua carga: «Qualquer outra carga te oprime é esmaga, mas a carga de Cristo alivia-te o peso. Outra carga qualquer tem peso, mas a de Cristo tem asas. Se a um pássaro lhe tiras as asas, parece que o alivias do peso, mas quanto mais lhe tires este peso, tanto mais O atas à terra. Vês no solo aquele que quiseste aliviar de um peso; restitui-lhe o peso das suas asas e verás como voa» (Santo Agostinho, Sermo 126). Com um pouco de experiência na intimidade pessoal com o Senhor, Compreendemos que nos diga que «o Meu jugo é suave e a Minha carga é leve». «Como se dissesse: todos os que andais atormentados, aflitos e carregados com a carga dos vossos cuidados e apetites, saí deles, vindo a Mim, e Eu vos recrearei e achareis para as vossas almas o descanso que vos tiram os vossos apetites» (Subida ao Monte Carmelo, liv. I, cap. 7, n° 4).

 

19.07.13 – Mt 12, 1-8

Naquele tempo, atravessou Jesus por meio de umas searas, em dia de sábado, e os discípulos, com fome, come­çaram a arrancar espigas e a comê-las. 2Viram-nos os Fariseus e disseram-Lhe: Olha, os Teus discípulos estão a fazer o que não é permitido fazer ao sábado. 3Ele, porém, respondeu-lhes: Não lestes o que fez David quando sentiu fome, ele e os com­panheiros? 4Como entrou na casa de Deus e comeu os pães da proposição, que nem a ele nem aos companheiros era permitido comer, mas somente aos sacerdotes? 5Ou não lestes ria Lei que, ao sábado, os sacerdotes no Templo violam o sábado e não cometem culpa? 6Ora Eu vos digo que há aqui algo maior que o Templo. 7E se soubésseis o que significa: «quero misericórdia e não sacri­fício», não condenaríeis nunca os inocentes, 8pois que o Filho do homem é senhor do sábado.

Comentário

2. «Sábado»: Era para os Judeus o dia da semana dedicado ao culto divino. O próprio Deus o instituiu e mandou que o povo judeu se abstivesse de certos trabalhos nesse dia (Ex 20, 8-11; 21,13; Dt 5, 14), para poder dedicar-se com mais demora a honrar a Deus. Com o passar do tempo os rabinos complicaram o preceito divino, e na época de Jesus tinham feito uma classificação de 39 espécies de trabalhos proibidos.

Os fariseus acusam os discípulos de Jesus de violar o sábado. Com efeito, segundo a casuística dos escribas e fariseus, arrancar espigas equivalia a segar; esfregá-las, a debulhar: trabalhos agrícolas proibidos ao sábado.

3-8. Jesus Cristo rebate a acusação dos fariseus com quatro razões: o exemplo de David, o dos sacerdotes, O sentido da misericórdia divina e o domínio do próprio Jesus sobre o sábado. O primeiro exemplo, conhecido pelo povo acostu­mado a escutara leitura da Bíblia, é tirado de 1Sam 21,2-7: David, fugindo da perseguição do rei Saul, pede ao sacerdote do santuário de Nob alimento para os seus homens; o sacerdote, não tendo senão os «pães da proposição», deu-lhos; eram doze pães que se colocavam cada semana na mesa de ouro do santuário, como homenagem perpétua das doze tribos de Israel ao Senhor (Lev 24, 5-9). O segundo exemplo refere-se ao ministério dos sacerdotes: para realizar o culto divino tinham de fazer ao sábado uma série de trabalhos, sem desobedecer por lei do descanso (cfr Num 28, 9). Para as outras duas razões cfr as notas a Mt 9, 13 e Mc 2, 26-27.28.

 

20.07.13 – Mt 12, 14-21

14Os Fariseus, porém, saindo dali, reuniram conselho contra Ele, para O matarem. 15Soube-o Jesus e retirou-Se dali. Seguiram-No muitos, e Ele curou-os a todos 16e inti­mou-lhes que O não dessem a conhecer; 17para que se cumprisse o que fora anunciado pelo profeta Isaías, que disse:

18«Eis o Meu Servo a quem escolhi, O Meu predilecto, no qual se compraz a Minha alma.

Farei repousar sobre Ele o Meu Espírito, e anunciará o Direito às nações.

19Não porfiará nem clamará, nem se ouvirá nas praças a Sua voz.

20Uma cana rachada, não a quebrará, uma torcida que ainda fumegue, não a apagara, até fazer triunfar o Direito.

21E no Seu nome depositarão as nações as suas esperanças.»

Comentário

17-21. O texto sagrado ensina uma vez mais o contraste entre o reino espectacular do Messias imaginado pelos judeus da Sua época, e a discrição que pede Jesus aos que contemplam e acolhem a Sua doutrina e os Seus milagres. Com esta longa citação de Isaías (42, 1-4) o Evangelista dá-nos a chave doutrinai dos capítulos 11 e 12: em Jesus cumpre-se a profecia do Servo de Yawéh, cujo magistério amável e discreto havia de trazer ao mundo a luz da verdade.

Ao narrar a Paixão do Senhor os Evangelhos voltarão a recordar a figura do Servo de Yahwéh, para mostrar como também se cumpre em Jesus o aspecto doloroso e expiatório da morte profetizada deste «Servo» (cfr Mt 27,30, comparado com Is 50, 6; Mt 8, 17, comparado com Is 53,4; Ioh 1, 38, comparado com Is 53,9-12, etc.).

17. Em Isaías 42, 1-4 fala-se de um servo humilde, amado e escolhido por Deus,em quem Ele Se compraz plenamente. De facto Jesus, sem deixar de ser Filho de Deus e consubstanciai ao Pai, tomou a forma de servo (cfr Phil 2, 6). Esta humildade levou Jesus a curar e a cuidar dos mais pobres e aflitos de Israel, sem nunca pretender clamores de louvor.

18. Veja-se a nota a Mt 3,16.

19. A justiça que anuncia o Servo, cheio do Espírito, não é uma virtude ruidosa. Podemos entrever a amável suavidade de Jesus ao realizar os Seus poderosos milagres, actuando uma justiça humilde. Jesus assim faz triunfar a justiça de Seu Pai, o Seu plano de revelação e salvação, de um modo silencioso e profundo.

20. Segundo muitos Santos Padres, entre eles Santo gostinho e São Jerônimo, a cana rachada e a torcida que tida fumega referem-se ao povo judaico. Também são figura de qualquer pecador, pois o Senhor não quer a sua morte mas que se converta e viva (cfr Ez 33, 11). Os Evangelhos são um contínuo testemunho desta comovente verdade (cfr Lc 15, 11-32, parábola do filho pródigo; Mt 18,12-24, parábola da ovelha perdida; etc.).

 

21.07.13 – Lc 10, 38-42

38Quando iam no caminho, entrou Jesus em certa povoação. E uma mulher, por nome Marta, recebeu-O em sua casa. 39Tinha esta Jesus uma irmã, chamada Maria, a qual, depois de se sentar aos pés do Senhor, se pôs a ouvir a Sua palavra. 40Quanto a Marta, andava atarefada com muito serviço. Estacou então e disse: Senhor, não se Te dá que minha irmã me tenha deixado só a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar. 41Volveu-lhe o Senhor, em resposta: Marta, Marta, andas inquieta e agitada com muita coisa, 42quando uma só é necessária. Maria escolheu, de facto, a me­lhor parte, que lhe não será tirada.

Comentário

38-42. O Senhor ia para Jerusalém (Lc 9,51), e uns três quilômetros antes passou por Betânia, a aldeia de Lázaro, Marta e Maria, três irmãos aos quais o Senhor amava entranhavelmente, como se vê noutros lugares do Evangelho (cfr Ioh 11,1-45; 12,1-9). O diálogo de Jesus com Marta tem um tom familiar cheio de confiança, que nos faz pensar na grande amizade do Senhor com os três irmãos.

Santo Agostinho comenta esta cena da seguinte maneira: «Marta ocupava-se em muitas coisas, dispondo e preparando a refeição do Senhor. Pelo contrário, Maria preferiu alimen­tar-se do que dizia o Senhor. Não reparou de certo modo na agitação contínua de sua irmã e sentou-se aos pés de Jesus, sem fazer outra coisa senão escutar as Suas palavras. Tinha compreendido de forma fidelíssima o que diz o Salmo: ‘Descansai e vede que Eu sou o Senhor’ (Ps 46,11). Marta consumia-se, Maria alimentava-se; aquela abarcava muitas coisas, esta só atendia a uma. Ambas as coisas são boas» (Sermo 103).

Marta veio a ser como o símbolo da vida activa, enquanto Maria o é da vida contemplativa. Não obstante, para a maioria dos cristãos, chamados a santificar-se no meio do mundo, não se podem considerar como dois modos contrapostos de viver o cristianismo: uma vida activa que se esqueça da união com Deus é algo inútil e estéril; mas uma suposta vida de oração que prescinda da preocupação apos­tólica e da santificação das realidades ordinárias também não pode agradar a Deus. A chave está, pois, em saber unir essas duas vidas, sem prejuízo nem de uma nem da outra. Esta união profunda entre acção e contemplação pode viver-se de modos muito diversos, segundo a vocação concreta que cada um recebe de Deus.

O trabalho, longe de ser obstáculo, há-de ser meio e ocasião de uma intimidade afectuosa com Nosso Senhor, que é o mais importante.

O cristão corrente, seguindo este ensinamento do Senhor, deve esforçar-se por conseguir a unidade de vida: vida de piedade intensa e actividade exterior orientada para Deus, feita por amor a Ele e com rectidão de intenção, que se manifestará no apostolado, na tarefa profissional, nos deveres de estado. «Deveis compreender agora — com uma nova clareza — que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares, da vida humana. Deus espera-vos: no laboratório, na sala de operações, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar, e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a sabê-lo: escondido nas situações mais comuns, há algo de santo, de divino, que vos toca a cada um de vós descobrir (…). Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida corrente, ou nunca O encontraremos. Por isso vos posso dizer que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu nobre e original sentido, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro contínuo com Jesus Cristo» (Temas Actuais do Cristianismo, n° 114).

 

22.07.13 – Jo 20, 1-2.11-18

No primeiro dia da semana, vem Maria de Magdala, de manhãzinha, ainda escuro, ao túmulo e vê a pedra retirada do túmulo. 2Corre então e vai ter com Simão Pedro e com o outro discípulo aquele que Jesus amava. Tiraram o Senhor do Túmulo, lhes diz ela, e não sabemos onde O puseram.

11Entretanto, Maria estava cá fora a chorar, junto do túmulo. Enquanto chorava, debruçou-se para dentro do túmulo e viu dois Anjos vestidos de branco, sen­tados, um à cabeceira e outro aos pés, onde jazera o corpo de Jesus. 13Mulher, pergunta­ram-lhe eles, porque choras? Porque tira­ram o meu Senhor, lhes diz ela, e não sei onde O puseram.

14Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus ali de pé. Não sabia, porém, que era Jesus. Mulher, diz-lhe Jesus, porque choras? A quem procuras? Ela supondo que era o jardineiro, respondeu-Lhe: Senhor, se foste Tu que O levaste, diz-me onde O puseste, para eu O ir buscar. 16Maria! diz-lhe Jesus. Ela, voltando-se, diz-Lhe em hebraico: Rabbuni que quer dizer: «Mestre!» 17Não Me prendas, responde-lhe Jesus, que ainda não subi para o Pai; mas vai ter com Meus irmãos e diz-lhes que vou subir para Meu Pai e vosso Pai, Meu Deus e vosso Deus. 18Maria de Magdala parte, para ir anunciar aos discípulos: Vi o Senhor! ajuntando o que Este lhe havia dito.

Comentário

1-2. Os quatro Evangelhos narram os primeiros tes­temunhos das santas mulheres e dos discípulos acerca da Ressurreição gloriosa de Cristo. Tais testemunhos refe­rem-se, num primeiro momento, à realidade do sepulcro vazio (cfr Mt 28,1-15; Mc 16,1 ss.; Lc 24,1-12). Depois rela­tarão diversas aparições de Jesus Ressuscitado.

Maria Madalena é uma das que assistiam o Senhor nas Suas viagens (Lc 8,1-3); junto com a Virgem Maria seguiu-O corajosamente até à Cruz (Ioh 19,25), e viu onde tinham depositado o Seu Corpo (Lc 23,55). Agora, uma vez passado o repouso obrigatório do Sábado, vai visitar o túmulo. No­temos o pormenor evangélico: «De manhãzinha, ainda es­curo»: o amor e a veneração fazem-na ir sem demora junto ao Corpo do Senhor.

11-18. São comovedores o carinho e a delicadeza desta mulher preocupada pela sorte do Corpo morto de Jesus. Leal na Paixão, o amor da que esteve possessa por sete demônios (cfr Lc 8,2) continua a ser grande e inflamado. O Senhor tinha-a livrado do Maligno, e aquela graça frutificou em correspondência humilde e generosa.

Depois de consolar a Madalena, Jesus dá-lhe uma men­sagem para os Apóstolos, a quem chama com o apelativo entranhável de «irmãos». Tal mensagem supõe um Pai comum, ainda que seja de modo essencialmente diferente: «Vou subir para Meu Pai — por natureza — e vosso Pai» — que o é pela adopção que ganhei para vós com a Minha morte —. É grande a misericórdia e a compreensão de Jesus que, como Bom Pastor, cuida de recolher os discípulos que O tinham abandonado na Paixão e que estavam escondidos por medo aos judeus (Ioh 20.19).

O exemplo de Maria Madalena, que persevera na fide­lidade ao Senhor em momentos difíceis, ensina-nos que quem busca com sinceridade e constância a Jesus Cristo acaba por O encontrar. O gesto familiar de Jesus que chama «irmãos» aos Seus discípulos, apesar de O terem abando­nado, deve encher-nos de esperança no meio das nossas infidelidades.

15. O diálogo de Jesus com a Madalena reflecte o estado de ânimo de todos os discípulos, que não esperavam a Ressurreição do Senhor.

17. «Não Me prendas»: No texto original esta frase está construída em imperativo presente, que indica continuidade da acção que se realiza. A frase negativa do texto grego, reflectida na Neo-vulgata («noli me tenere»), indica que o Senhor manda à Madalena que deixe de O reter, que O solte, pois ainda terá ocasião de O ver antes da Ascensão aos céus.

 

23.07.13 – Mt 12, 46-50

46Enquanto Ele falava ao povo, estavam fora Sua Mãe e irmãos, procurando falar-Lhe. 47Disse-Lhe alguém: Olha, Tua Mãe e Teus irmãos estão lá fora e querem falar-Te. 48Ele, porém, respondeu ao que Lho disse: Quem é a Minha mãe e quem são os Meus irmãos? 49E, estendendo a mão para os Seus discípulos, disse: Eis a Minha mãe e os Meus irmãos. 50Porque todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está nos Céus, esse é Meu irmão, e irmã, e mãe.

Comentário

46-47. «Irmãos»: Nos idiomas antigos hebraico, árabe, aramaico, etc., não havia palavras concretas para indicar os graus de parentesco que existem noutros idiomas mais modernos. Em geral, todos os pertencentes a uma mesma família, clã, inclusive tribo, eram «irmãos».

No caso concreto que aqui nos ocupa deve ter-se presente, além disso, que os familiares de Jesus eram parentes de diverso grau e que se trata de dois grupos: uns por parte da Santíssima Virgem, e outros de São José. Mt 13, 55-56 menciona, como a viver em Nazaré, Tiago, José, Simão e Judas «irmãos do Senhor», e alude também a «irmãs» (cfr Mc 6, 3). Por outro lado, Mt 27, 56 diz-nos que destes, Tiago e José são filhos de uma certa Maria, diferente da Virgem, e Simão e Judas não são irmãos de Tiago e José, mas, segundo parece, filhos de um irmão de São José.

Jesus, porém, era para todos «o filho de Maria» (Mc 6, 3) ou «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55).

A Igreja sempre professou com plena certeza que Jesus Cristo não teve irmãos de sangue em sentido próprio: é o dogma da perpétua virgindade de Maria (cfr a nota a Mt 1, 25). 48-50. E evidente o amor de Jesus por Sua mãe Santa Maria e por São José. O Nosso Salvador aproveita este episódio para nos ensinar que no Seu Reino os direitos do sangue não têm primazia. Em Lc 8,19 encontramos a mesma doutrina. O que faz a vontade do Seu Pai Celeste é consi­derado por Jesus como da Sua própria família. Por isso, mesmo sacrificando os sentimentos naturais da família, deverá abandoná-la quando lho peça o cumprimento da missão que o Pai lhe confiou (cfr Lc 2,49).

Podemos dizer que a própria Virgem Maria é mais amada por Jesus por causa dos laços criados entre ambos pela graça do que em virtude da geração natural, que fez d’Ela Sua Mãe segundo a carne: a maternidade divina é a fonte de todas as outras prerrogativas da Santíssima Virgem; mas esta mesma maternidade é, por sua vez, a primeira e a maior das graças outorgadas a Maria.

 

24.07.13 – Mt 13, 1-9

Naquele dia, saiu Jesus de casa e sentou-Se à beira-mar. 2Juntou-se logo a Sua roda tão grande multidão, que Ele, subindo para uma barca, lá Se assentou, enquanto toda a multidão ficava ao longo da praia. 3Expôs-lhes então muitas coisas em parábolas, dizendo: Olhai: saiu o semeador a semear; 4e, ao semear, umas sementes caíram ao longo do caminho, e vieram os pássaros e comeram-nas. 5Outras caíram em terreno pedregoso, onde não tinham muita terra e brotaram logo, porque a terra era pouco funda; 6mas, quando veio o sol, ficaram queimadas e, como não tinham raízes, secaram. 7Outras ainda caíram sobre os espinhos, e cresceram os espinhos e afogaram-nas. 8Outras enfim caíram em terra boa e deram fruto, umas cem, outras sessenta e outras trinta. 9Quem tem ouvidos, oiça.

Comentário

3. Encontramos em Mt 13 sete parábolas de Jesus, pelo que costuma chamar-se a este capítulo «o dis­curso das parábolas. Pela homogeneidade de conteúdo e de circunstâncias costumam chamar-se «parábolas do Reino» e também «parábolas do lago», porque as pronunciou junto ao lago de Genesaré. Por meio de comparações prolongadas (parábolas) Jesus explica algumas características do Reino de Deus, que Ele vem estabelecer (cfr Mt 3,2): a pequenez e humildade das origens; o seu crescimento progressivo; as suas dimensões universais; a sua força salvífica: Deus chama todos à salvação, mas só a alcançarão os que recebem o chamamento com boas disposições e perseveram nelas; o valor extraordinário dos bens espirituais que o Reino traz, em troca dos quais o homem deve entregar quanto possui; a mistura de bons e maus até ao tempo da sega ou juízo divino; a íntima conexão entre os aspectos terrestre e celeste do Reino, até à sua consumação no fim dos tempos.

Nos lábios de Jesus Cristo as parábolas adquirem uma força singular. Com este modo de falar Jesus atrai a atenção dos Seus ouvintes, os cultos e os incultos, e, através das coisas mais elementares da vida quotidiana, dá-lhes luz acerca das realidades sobrenaturais mais profundas. Jesus Cristo empregou este gênero didáctico com suma mestria e perfeição; as Sua; parábolas são inconfundíveis, têm o selo da Sua personalidade e, por meio delas, revelou-nos de maneira gráfica as riquezas da Graça, a vida da Igreja, as exigências da fé e até o mistério do próprio ser de Deus.

Os ensinamentos de Jesus continuam a ser luz e guia de conduta moral e de luta ascética acessível a todas as gerações. Ao ler e meditar as Suas parábolas pode saborear-se a Humanidade adorável do Salvador, que Se comprazia em entreter-Se com as gentes da Palestina que O escutavam, como agora Se compraz em atender amorosamente as nossas orações, por mais desajeitadas que sejam, e em responder à nossa sã curiosidade por atingir o sentido das Suas palavras.

3-8. Quem tenha visitado a fértil planície ocidental do lago de Genesaré apreciará melhor a enternecedora descrição de Jesus nesta parábola do semeador. A planície está tres­passada de veredas, pequenos desníveis entre os quais emergem, como nervos, fileiras rochosas, que por vezes não chegam a aflorar, mas ficam a poucos centímetros da superfície. Veem-se pequenos riachos que, embora secos numa parte do ano, conservam certa humildade. Há zonas em que crescem grandes espinhos e cardos. O lavrador desta região, quando semeia o grão por este terreno desigual, já sabe que a semente brotará desigualmente também, segundo a condição da terra por onde vai passando.

9. Jesus não explicou imediatamente a parábola. Segundo os usos orientais, muito frequentes, as parábolas eram apresentadas num primeiro momento como um enigma, com o qual Se estimulava o ouvinte a fixar a atenção e a excitar a curiosidade, o que conseguia uma fixação na memória. Talvez Jesus procurasse também uma certa selecção entre os Seus seguidores: aqueles que escutavam com interesse volta­riam a ouvir de novo o Mestre, como os discípulos. Os outros, que só O tinham escutado por mera curiosidade superficial ou por interesses demasiado humanos — pelos milagres que fazia —, não aproveitariam uma explicação mais pormeno­rizada e profunda da parábola.

 

25.07.13 – Mt 20, 20-28

20Aproximou-se então d’Ele a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, e prostrou-se por terra para Lhe pedir alguma coisa. 21Disse-lhe Ele: Que queres? E ela: Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à Tua direita, outro à Tua esquerda no Teu Reino. 22Respondeu Jesus e disse: Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu hei-de beber? Responderam-Lhe: Podemos. 21Diz-lhes Ele: O Meu cálice bebê-lo-eis; agora o sentar-se à Minha direita ou à Minha esquerda, não Me toca a Mim concedê-lo, mas é para quem Meu Pai o tem preparado.

24Ao ouvirem isto, os dez indignaram-se contra os dois irmãos. 25Jesus, porém, chamou-os e disse: Sabeis que os soberanos das nações as tratam como senhores, e os grandes lhes fazem sentir o seu poder. 26Entre vós não é assim. Pelo contrário, o que entre vós quiser ser grande, faça-se vosso servo. 27E quem quiser entre vós ser o primeiro, faça-se vosso escravo. 28Do mesmo modo que o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em redenção por muitos.

Comentário

20. Os filhos de Zebedeu são Tiago Maior e João. A sua mãe, Salomé, pensando na instauração iminente do reino temporal do Messias, solicita para os filhos os dois lugares mais influentes. Cristo repreende-os porque desconhecem a verdadeira natureza do Reino dos Céus, que é espiritual, e porque ignoram a verdadeira natureza do governo na Igreja que ia fundar, que é serviço e martírio. «Se pensas que, ao trabalhar por Cristo, os cargos são algo mais do que cargas, quantas amarguras te esperam!» (Caminho, n° 950).

22. «Beber o cálice» significa sofrer perseguições e martírio pelo seguimento de Cristo. «Podemos»: Os filhos de Zebedeu responderam audazmente que sim; esta generosa expressão evoca aquela outra que escreveria anos mais tarde São Paulo: «Tudo posso n’Aquele que me conforta» (Phil 4,13).

23. «O Meu cálice bebê-lo-eis»: Tiago Maior morrerá mártir em Jerusalém pelo ano 44 (cfr Act 12,2); e João, depois de ter sofrido cárcere e açoites em Jerusalém (cfr Act 4, 3; 5, 40-41), padecerá longo desterro na ilha de Patmos (cfr Apc l, 9).

Destas palavras do Senhor deduz-se que o acesso aos lugares de governo na Igreja não deve ser fruto da ambição e das intrigas humanas, mas consequência da vocação divina. Cristo, que tinha os olhos postos em cumprir a Vontade de Seu Pai Celeste, não ia distribuir os cargos levado por considerações humanas, mas segundo os desígnios do Pai.

26. O Concilio Vaticano II insiste de uma maneira notável neste aspecto de serviço que a Igreja oferece ao mundo, e que os cristãos hão-de apresentar como testemunho da sua identidade cristã: «Este sagrado Concilio, procla­mando a sublime vocação do homem, e afirmando que nele está depositado um germe divino, oferece ao gênero humano a sincera cooperação da Igreja, a fim de instaurar a frater­nidade universal que a esta vocação corresponde. Nenhuma ambição terrena move a Igreja, mas unicamente este objectivo: continuar, sob a direcção do Espírito Consolador, a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido» (Gaudium et spes, n. 3; cfr Lumen gentium, n. 32; Ad gentes, n. 12; Unitatis redintegratio, n. 7).

27-28. Jesus Cristo apresenta-Se a Si mesmo como exemplo que deve ser imitado por aqueles que exercem a autoridade na Igreja. Ele, que é Deus e Juiz que há-de vir a julgar o mundo (cfr Phil 2,5-11; Ioh5,22-27; Act 10,42; Mt 28, 18), não Se impõe, mas serve-nos por amor até ao ponto de entregar a vida por nós (cfr Ioh15,1.3): esta é a Sua forma de ser o primeiro. Assim o entendeu São Pedro, que exorta os presbíteros a que apascentem o rebanho de Deus a eles confiado, não como dominadores sobre a herança, mas servindo de exemplo (cfr 1Pet 5, 1-3); e São Paulo, que não estando submetido a ninguém, se faz servo de todos para a todos ganhar (cfr 1Cor 9, 19 ss; 2Cor 4, 5).

O «serviço» de Cristo à humanidade vai encaminhando para a salvação. Com efeito, a frase «dar a vida em redenção por muitos» não deve ser interpretada como uma restrição da vontade salvífica universal de Deus. «Muitos» aqui não se contrapõe a «todos» mas a «um»: Um é o que salva e a todos é oferecida a salvação.

 

26.07.13 – Mt 13, 18-23

18Vós, pois, ouvi a parábola do semeador. 19Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a entende: vem o Maligno e arrebata a semente lançada no seu coração. Este é a semente que foi semeada ao longo do caminho. 20A que foi semeada em terreno pedregoso, essa é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria. 21Mas não tem raiz em si mesmo, senão que é volúvel e, apenas sobrevém alguma tribulação ou perseguição, por causa da palavra, logo se escandaliza. 22E a que foi semeada entre os espinhos essa é aquele que ouve a palavra, mas os cuidados do século e a fascinação das riquezas sufo­cam-na, e não produz fruto. 23E a que foi semeada em terra boa, essa é aquele que ouve a palavra e a entende: o qual, por isso mesmo, dá fruto produzindo, ora cem, ora sessenta, ora trinta.

Comentário

19. Não compreende porque lhe falta amor, não por falta de inteligência; essa disposição abre a porta da alma ao diabo.

 

27.07.13 – Mt 13, 24-30

24Outra parábola lhes propôs, dizendo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. 25Enquanto todos dormiam, veio o seu ini­migo, sobressemeou joio no meio do trigo e foi-se embora. 26Quando, porém, cresceu a erva e espigou, apareceu também o joio. 27Os servos foram ter com o patrão e disseram-lhe: «Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde, pois, lhe veio o joio?». 28Respondeu-lhes ele: «Foi um inimigo que o fez». Disseram-lhe os servos: «Queres que vamos arrancá-lo?». 29Respondeu: «Não; não seja caso que, ao apanhardes o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo. 30peixai crescer um e outro até à ceifa, e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos, para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro».

Comentário

24-25. «Está claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do campo lançou às mãos cheias a semente no momento propício e com arte consumada; além disso, preparou toda uma vigilância para proteger a recente sementeira. Se depois apareceu o joio, é porque não houve corres­pondência, já que os homens — os cristãos especialmente — adormeceram e permitiram que o inimigo se aproximasse» (Cristo que passa, n° 123).

25. O joio é uma planta muito parecida com o trigo, com o qual facilmente se confunde antes de brotar a espiga. Misturada com farinha boa contamina o pão e produz graves náuseas e enjoos. Semear joio entre o trigo era um caso de vingança pessoal, que se deu não poucas vezes no Oriente. O Direito Romano previa-o e castigava-o (Digesto, IX, 2).

28. «Quando os servidores irresponsáveis perguntam ao Senhor porque cresceu o joio no seu campo, a explicação salta aos olhos: inimicus homo hoc fecit, foi o inimigo! Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para que as coisas boas, postas pelo Criador no mundo, se desenvolvessem ao serviço da verdade e do bem, adormecemos — triste preguiça, esse sono! — enquanto o inimigo e todos os que o servem se moviam sem descanso. Bem vedes como cresceu o joio: que sementeira tão abundante espalhada por todos os sítios!» (Cristo que passa, n° 123).

29-30. O fim da parábola do joio explica em figura a misteriosa permissão provisória do mal por parte de Deus e a sua extirpação definitiva. O primeiro está a dar-se na terra até ao fim dos tempos. Por isso não nos deve escandalizar a existência do mal neste mundo. O segundo não se dá nesta terra, mas depois da morte; pelo juízo (a sega) uns irão para o céu e outros para o inferno.

 

28.07.13 – Lc 11, 1-13

Estando Ele algures a orar, disse-Lhe, quando acabou, um dos discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus discípulos. 2Ele respondeu-lhes: Quando orardes, dizei:

Pai, santificado seja o Teu nome; Venha o Teu Reino.

3Dá-nos em cada dia o pão da nossa subsistência.

4Perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos deve. E não nos sujeites à tentação.

5Disse-lhes ainda: Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite e lhe disser: «amigo, empresta-me três pães, 6pois me chegou de viagem um amigo meu e não tenho que lhe dar», 7e se ele disser, em resposta, lá de dentro: «não me incomodes, a porta já está fechada e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para tos dar». 8Eu vos digo: Ainda que se não levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á quanto precisa.

9Também Eu vos digo a vós: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. 10Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra e ao que bate abrir-se-á. 11E, se a algum de vós que seja pai, o filho pedir pão, dar-lhe-á uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, em vez dum peixe, dar-lhe-á uma serpente? 12Ou ainda, se pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? 13Se vós, portanto, maus como sois, sabeis oferecer boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem!

Comentário

1.4. O texto que nos apresenta São Lucas da oração dominical ou Pai-Nosso é algo mais breve que o que se contém em São Mateus (6,9-13). Ali especificavam-se sete petições; em São Lucas só quatro. Por outro lado, o contexto de São Mateus é o do Sermão da Montanha e, mais concretamente, a explicação sobre o modo de orar; o de São Lucas é um dos momentos em que Jesus esteve a orar. Os dois contextos diferem. Não é de estranhar que Nosso Senhor ensinasse o mesmo em diversas ocasiões e com palavras não literalmente idênticas nem com a mesma extensão, insistin­do, porém, nos pontos fundamentais. Como é lógico, a Igreja recolheu a oração dominical na sua forma mais completa, que é a de São Mateus.

«Quando os discípulos pediram ao Senhor Jesus: ‘Ensi­na-nos a orar’, Ele respondeu pronunciando as palavras da oração do Pai-Nosso, criando assim um modelo concreto e ao mesmo tempo universal. De facto, tudo o que se pode e se deve dizer ao Pai está encerrado nas sete petições que todos sabemos de cor. Há nelas uma simplicidade tal, que até uma criança as aprende, e ao mesmo tempo uma profundidade tal, que Se pode consumir uma vida inteira a meditar o sentido de cada uma delas. Porventura não é assim? Não nos fala cada uma delas, uma depois da outra, do que é essencial para a nossa existência, dirigida totalmente a Deus, ao Pai? Não nos fala do ‘pão de cada dia’, do ‘perdão das nossas ofensas, visto que também nós perdoamos’, e ao mesmo tempo de preservar-nos da ‘tentação’ e de ‘livrar-nos do mal ?» (Audiência geral João Paulo II, 14-111-1979).

O primeiro que o Senhor nos ensina a pedir é a glorificação de Deus e a vinda do/Seu Reino. Isto é o que realmente importa, o Reino de Deus e a sua Justiça (cfr Mt 6, 33). O Senhor também quer que peçamos, confiados em que o nosso Pai Deus atenderá as nossas necessidades materiais, pois «bem sabe o vosso Pai Celeste que de tudo isso estais necessitados» (Mt 6,32). De todos os modos, o Pai-Nosso faz- -nos aspirar especialmente aos bens do espírito e convida-nos a pedir perdão com a exigência de perdoar, e a afastarmo-nos do perigo de pecar. Finalmente, o Pai-Nosso põe em realce a importância da oração vocal: «’Domine, doce nos orare’ — Senhor, ensina-nos a orar: — E o Senhor respondeu: Quando orardes, dizei: ‘Pater noster, qui es in coelis…’.— Pai nosso, que estais no Céu…

«Como não havemos de ter em muito apreço a oração vocal!» (Caminho, n° 84).

1. Jesus retirava-Se com frequência para fazer oração (cfr Lc 6,12; 22,39 ss.). Esta prática do Mestre suscita nos discípulos o desejo de aprender a orar. Jesus ensina-lhes o que Ele próprio faz. Com efeito, quando o Senhor faz oração, começa com a palavra «Pai!»: «Pai, nas Tuas mãos enco­mendo o Meu espírito» (Lc 23,46; vejam-se também Mt 11,25; 26,42.53; Lc 23,34; Ioh 11,41; etc.). Não constitui realmente uma excepção desta norma a oração « Meu Deus, Meu Deus…» (Mt 27,46), que o Senhor recita na Cruz, suposto que se trata do Salmo vinte e dois, que é a oração final do justo perse­guido.

Pode, portanto, dizer-se que o primeiro que deve ter a oração é a simplicidade do filho que fala com seu Pai. «Escreveste-me: ‘Orar é falar com Deus. Mas de quê? De quê?! D’Ele e de ti; alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias…, fraquezas; e acções de graças e pedidos; e Amor e desagravo.

«Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te — ganhar intimidade!» (Caminho, n° 91).

2. «Santificado seja o Teu Nome»; Nesta primeira petição do Pai-Nosso «pedimos que Deus seja conhecido, amado, honrado e servido por todo o mundo e por nós em particular». Isto quer dizer que «os infiéis cheguem ao conhecimento do verdadeiro Deus, os hereges reconheçam os seus erros, os cismáticos voltem à unidade da Igreja, os pecadores se convertam e os justos perseverem no bem». Com esta primeira petição, o Senhor ensina-nos que «de­vemos desejar mais a glória de Deus que todos os nossos interesses e proveitos». Esta glória de Deus que pedimos procura-se «com orações e bom exemplo, e orientando para Ele todos os nossos pensamentos, afectos e acções» (cfr Catecismo Maior, nos 290-293).

«Venha o Teu Reino»: «Por Reino de Deus entendemos um triplo reino espiritual: o Reino de Deus em nós, que é a graça; o Reino de Deus na terra, que é a Igreja Católica, e o Reino de Deus no Céu, que é a bem-aventurança… Em ordem à graça, pedimos que Deus reine em nós com á Sua graça santificante, pela qual Se compraz em morar em nós como rei na sua corte, e que nos conserve unidos a Ele com as virtudes da fé, esperança e caridade, pelas quais reina no nosso entendimento, no nosso coração e na nossa vontade (…). Em ordem à Igreja, pedimos que se dilate e propague por todo o mundo para salvação dos homens (…). Em ordem à glória, pedimos ser um dia admitidos na bem-aventurança para a qual fomos criados, onde seremos completamente felizes» (Catecismo Maior, nos 294-297).

3. É interpretação comum da Tradição da Igreja que o pão a que se alude aqui não é meramente o pão material, já que «não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus» (Mt 4,4; Dt 8,3). Jesus quer aqui que pecamos «a Deus o que nos é necessário cada dia para a alma e para o corpo (…). Para a nossa alma pedimos a Deus o mantimento da vida espiritual, isto é, rogamos ao Senhor nos dê a Sua graça, de que continuamente temos necessi­dade (…). A vida da nossa alma mantém-se sobretudo com a palavra divina e com o Santíssimo Sacramento do altar (…). Para o nosso corpo pedimos o necessário para o mantimento da vida temporal» (Catecismo Maior, nos 302-305).

A doutrina cristã sublinha duas ideias nesta petição do Pai-Nosso: a primeira é a confiança na Providência divina, que nos livra da preocupação excessiva por amontoar bens e dinheiro para o dia de amanhã (cfr Lc 12,16-21); a outra ideia é que temos de nos interessar fraternalmente pelas necessidades dos outros, superando deste modo a nossa inclinação para o egoísmo.

4. «De tal maneira exige Deus de nós o esquecimento das injúrias e o afecto e amor mútuo entre os homens, que rejeita e despreza as oferendas e os sacrifícios dos que não se tenham reconciliado amistosamente» (Catecismo Romano, IV, 14,16).

«Irmãs, esta coisa é para que olhemos muito para ela; que uma coisa tão grande e de tanta importância como que nos perdoe o Senhor as nossas culpas, que mereciam fogo eterno, nos seja perdoado com coisa tão baixa como é que perdoemos; e mesmo desta baixeza tenho tão poucas que oferecer, que em balde me tendes, Senhor, de perdoar. Aqui tem muito lugar a Vossa misericórdia. Bendito sejais Vós, que tão pobre me sofreis» (Caminho de perfeição, cap. 36).

«E não nos sujeites à tentação»: «Não é pecado sentir a tentação, mas consentir nela. Também é pecado pôr-se voluntariamente em ocasião próxima de pecar. Deus permite que sejamos tentados para provar a nossa fidelidade, para nos exercitarmos nas virtudes e acrescentar, com a ajuda da graça, os nossos merecimentos. Nesta petição rogamos ao Senhor que nos dê a Sua graça para não sermos vencidos na prova, ou que nos livre desta se não formos capazes de superá-la.

5-10. Uma das notas essenciais da oração há-de ser a constância confiada no pedir. Através deste simples exemplo e de outros parecidos (cfr Lc 18,1-7) o Senhor anima-nos a não decair na nossa petição constante a Deus. «Persevera na oração. — Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril. — A oração é sempre fecunda» (Caminho, n° 101).

9-10. «Vedes a eficácia da oração quando se faz nas devidas condições? Não estareis de acordo comigo em que, se não alcançamos o que pedimos a Deus, é porque não oramos com fé, com o coração bastante puro, com uma confiança bastante grande, ou porque não perseveramos na oração como deveríamos? Deus nunca negou nem negará nada aos que Lhe pedem as Suas graças devidamente. A oração é o grande recurso que nos resta para sair do pecado, perseverar na graça, mover o coração de Deus e atrair sobre nós toda a sorte de bênçãos do céu, quer para a alma, quer pelo que respeita às nossas necessidades tem­porais» (Sermões escolhidos, Quinto Domingo depois de Páscoa).

11-13. A paternidade humana que o homem tem diante dos olhos serve ao Senhor como ponto de comparação para voltar a ensinar-nos a realidade gozosa de que Deus é nosso Pai, porque a verdade é que a paternidade de Deus é a fonte de toda a paternidade nos Céus e na terra (cfr Eph 3,15). « O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contempla com indiferença a sorte dos homens, os seus afãs, as suas lutas, as suas angústias. É um pai que ama os Seus filhos até ao ponto de enviar o Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a fim de, com a sua encarnação, morrer por nós e nos redimir. É ele ainda o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente para Si, mediante a acção do Espírito Santo que habita nos nossos corações» (Cristo que passa, n° 84).

13. O Espírito Santo é o dom supremo de Deus, a grande promessa que Cristo faz aos discípulos (cfr Ioh 15,26), o fogo divino que desce sobre os Apóstolos no Pentecostes e os enche de fortaleza e liberdade para pro­clamar a mensagem de Cristo (cfr Act 2). «Eu rogarei ao Pai — anunciou o Senhor aos Seus discípulos — e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco eternamente (Ioh XIV.16). Jesus cumpriu as Suas promessas: ressuscitou, subiu aos Céus e, em união com o Eterno Pai, envia-nos o Espírito Santo para nos santificar e nos dar a vida» (Cristo que passa, n° 128).

 

29.07.13 – Jo 11, 19-27

19Muitos Judeus tinham vindo até junto de Marta e de Maria, para as consolarem pela morte do irmão.

20Quando Marta ouviu dizer que Jesus estava a chegar, foi-Lhe ao encontro, enquanto Maria ficava em casa. 21Disse então Marta a Jesus: Se cá estivesses, Senhor, não teria morrido meu irmão! 22Ainda agora eu sei que tudo o que pedires a Deus, Deus To há-de conceder. 23Diz-lhe Jesus: Teu irmão ressuscitará. 24Responde-Lhe Marta: Eu sei que há-de ressuscitar na altura da Ressur­reição, no último dia! 25Eu sou a Ressurreição e a Vida — volveu-lhe Jesus. — Quem acredita em Mim, ainda que venha a morrer, viverá; 26e todo aquele que vive e acredita em Mim não morrerá jamais. Acreditas nisto? “Acredito, Senhor— Lhe diz ela — eu já acreditava que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de virão mundo!

Comentário

21-22. Segundo interpreta Santo Agostinho, o pedido de Marta é um exemplo de oração confiante e de abandono nas mãos do Senhor que sabe melhor que nós o que nos convém. Por isso, «não Lhe disse: Rogo-Te agora que ressus­cites meu irmão (…). Somente disse: Sei que tudo podes e fazes tudo o que queres; mas fazê-lo fica ao Teu juízo, não aos meus desejos» (In Ioann. Evang., 49,13). O mesmo se deve dizer acerca das palavras de Maria que São João relata pouco mais adiante (v. 32).

24-26. Estamos diante de uma das definições concisas que o Senhor deu de Si mesmo, e que São João nos transmite com fidelidade (cfr Ioh 10,9.14; 14-16; 15,1): Jesus é a Res­surreição e a Vida. É a Ressurreição porque com a Sua vitória sobre a morte é causa da ressurreição de todos os homens. O milagre que vai realizar com Lázaro é uni sinal desse poder vivificador de Cristo. Assim, pela féem Jesus Cristo que foi o primeiro a ressuscitar de entre os mortos, o cristão está seguro de ressuscitar também um dia, como Cristo (cfr 1Cor 15,23; Col 1,18). Por isso para o crente a morte não é o fim, mas a passagem para a vida eterna, uma mudança de morada como diz um dos Prefácios da Liturgia de defuntos: «A vida daqueles que cremos em Ti, Senhor, não termina, transforma-se; e, ao desfazer-se a nossa mo­rada terrena, adquirimos uma mansão eterna no céu».

Ao dizer que é a Vida, Jesus refere-Se não só à que começa no mais além, mas também à vida sobrenatural que a graça opera na alma do homem que ainda se encontra a caminho.

«Esta vida, prometida e proporcionada a cada homem pelo Pai em Jesus Cristo, eterno e unigênito Filho, encarnado e nascido da Virgem Maria ‘ao chegar a plenitude dos tempos’ (cfr Gal 4,4), é o complemento final da vocação do homem; é, de alguma maneira, o cumprir-se daquele ‘des­tino’ que, desde toda a eternidade, Deus lhe preparou. Este ‘destino divino’ torna-se via, por sobre todos os enigmas, as incógnitas, as tortuosidades e as curvas, do ‘destino humano’ 10 mundo temporal. Se, de facto, tudo isto, não obstante toda a riqueza da vida temporal, leva por inevitável neces­sidade à fronteira da morte e à meta da destruição do corpo humano. apresenta-se-nos Cristo para além desta meta: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida. Aquele que crê em Mim… não morrerá jamais’. Em Jesus Cristocrucificado, deposto no sepulcro e depois ressuscitado, ‘brilha para nós a esperança da feliz ressurreição… a promessa da imortalidade futura’ (Missal Romano, Prefácio de defuntos I), em direcção à qual o homem caminha, através da morte do corpo, partilhando com tudo o que é criado e visível esta necessidade a que está sujeita a matéria» (Redemptor hominis, n. 18).

 

30.07.13 – Mt 13, 36-43

36Então, despedidas as turbas, voltou para casa, e os discípulos acercaram-se d’Ele e disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo. 37Respondeu Ele: O que semeia a boa semente é o Filho do homem. 38O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. 39O inimigo que a semeou é o Demônio. A ceifa é o fim do mundo, e os ceifeiros são os Anjos. 40Assim, pois, como se apanha o joio e se queima no fogo, assim será no fim do mundo. 41 Enviará o Filho do homem os Seus Anjos, que apanharão do Seu Reino todos os escân­dalos e os que praticam a iniquidade, 42e lançá-los-ão na fornalha do fogo. Aí haverá choro e ranger de dentes. 43Então os justos brilharão como o Sol no Reino de Seu Pai. Quem tem ouvidos, oiça.

Comentário

36-43. A Igreja, enquanto caminha na terra, está inte­grada por bons e maus, por justos e pecadores. Todos viverão misturados uns com os outros até ao tempo da sega, o fim do mundo, quando o Filho do Homem, Jesus Cristo, constituído Juiz de vivos e mortos separará os bons dos maus no Juízo Final: aqueles para a glória eterna — herança exclusiva dos santos —; os maus, pelo contrário, para o fogo eterno do inferno. Ainda que agora os justos e os pecadores permaneçam juntos, a Igreja tem o direito e o dever de excluir os escanda­losos, especialmente os que atentam contra a sua doutrina e unidade; pode fazê-lo mediante a excomunhão eclesiástica e as penas canónicas. Contudo, a excomunhão tem um fim medicinal e pastoral: a correcção do que se obstina no erro e a preservação dos outros.

 

31.07.13 – Mt 13, 44-46

44O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo; o homem que o encontrou, esconde-o e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.

45E também semelhante o Reino dos Céus a um negociante que procura pérolas finas. 46Tendo encontrado uma de grande preço, vendeu tudo o que tinha e comprou-a.

Comentário

44-46. Com duas parábolas apresenta Jesus o valor supremo do Reino dos Céus e a atitude do homem para o alcançar. Mesmo sendo muito parecidas entre si, apresentam diferenças dignas de nota: o tesouro significa a abundância de dons; a pérola, a beleza do Reino. O tesouro apresenta-se de repente, a pérola supõe, pelo contrário, uma busca esforçada; mas em ambos os casos o que encontra fica inundado de um profundo gozo. Assim é a fé, a vocação, a verdadeira sabedoria, «o desejo do céu»: por vezes, apre­senta-se de modo inesperado, outras segue-se a uma intensa busca (cfr In Evangelia homiliae, 11). Não obstante, a atitude do homem é idêntica em ambas as parábolas e está descrita com os mesmos termos: «vai e vende tudo quanto tem e compra-a»: o desprendimento, a generosidade, é condição indispensável para o alcançar.

«Quem compreende o reino que Cristo propõe, reconhece que vale a pena jogar tudo para o conseguir (…). O reino dos Céus é uma conquista difícil, e ninguém tem a certeza de o alcançar, embora o clamor humilde do homem arrependido consiga que se abram as suas portas de par em par» (Cristo que passa, n° 180).

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