em Evangelho do dia

Agosto de 2016

01.08.2016 – Lc 12, 13-21

13Disse-Lhe alguém do meio da multidão: Mestre, diz a meu irmão que reparta comigo a herança. 14Mas Ele respondeu-lhe: Homem, quem Me constituiu juiz ou repartidor entre vós? 15Depois, disse-lhes: Olhai bem e guardai-vos de toda a cobiça, pois não é por alguém ter em abundância que a vida lhe depende dos seus bens. 16E referiu-lhes esta parábola: Teve bom rendimento a fazenda de certo rico. 17Ele pôs-se a discorrer, dizendo consigo: «Que hei-de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita?» 18Disse então: «Eis o que hei-de fazer: vou deitar abaixo os meus celeiros, para construir uns maiores, e lá guardarei todo o meu trigo e os meus bens. l9Depois, direi à minha alma: O alma, tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te». 20Deus, porém, disse-lhe: «Insensato! Esta noite, hão-de reclamar-te a tua alma; e o que preparaste para quem será?» 21Assim é o que entesoira para si e não é rico em relação a Deus.

Comentário

13-14. Aquele homem só está interessado nos seus próprios problemas; só vê em Jesus um mestre de reconhe­cida autoridade e prestígio para resolver o seu caso (cfr Dt 21,17). O personagem pode muito bem representar aqueles que recorrem à autoridade religiosa não para pedir uma orientação na sua vida espiritual mas para resolver os assuntos materiais. Jesus, decididamente, desinteressa-Se de semelhante petição. E não é por insensibilidade diante de uma situação de possível injustiça familiar, mas porque intervir em tais assuntos não é próprio da Sua missão reden­tora. O Mestre ensina-nos, com a Sua actuação e com as Suas palavras, que a Sua obra salvífica não se dirige a resolver os muitos conflitos familiares e sociais que se dão entre os homens; Jesus veio dar os princípios e os critérios morais que deverão informar a justa acção dos homens nos assuntos temporais, mas não resolvê-los tecnicamente; para isto dotou-nos de inteligência e de liberdade.

15-21. Depois da sentença do v.15 Jesus expõe a parábola do rico insensato: que loucura é pôr a confiança na acumulação de bens materiais para assegurar a vida cá de baixo, enquanto se esquecem os bens do espírito, que são os que nos asseguram, de verdade e para sempre, pela misericórdia divina, a vida eterna!

Assim explicava Santo Atanásio estas palavras do Senhor: «Quem vive como se tivesse de morrer cada dia — visto que é incerta a nossa vida por natureza — não pecará, já que o bom temor extingue grande parte da desordem dos apetites; pelo contrário, quem julga que vai ter uma vida longa, facilmente se deixa dominar pelos prazeres» (Contra Antígono).

  1. A insensatez deste homem consiste em que consi­derou a posse de bens materiais como o único fim da sua existência e a garantia da sua segurança. É legítima a aspiração do homem a possuir o necessário para a sua vida e o seu desenvolvimento, mas ter como bem absoluto a posse de bens materiais acaba por destruir o homem e a sociedade. «Tanto para os povos como para as pessoas, possuir mais não é o fim último. Qualquer crescimento é ambivalente. Embora necessário para permitir ao homem ser mais homem, torna-o contudo prisioneiro no momento em que se transforma no bem supremo que impede de ver mais além. Então os corações endurecem e os espíritos fecham-se, os homens já não se reúnem pela amizade, mas pelo interesse, que bem depressa os opõe e os desune. A busca exclusiva do ‘ter’ forma, então, um obstáculo ao crescimento do ‘ser’ e opõe-se à sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente do subdesenvolvimento moral» (Populorum progressio, n. 19).

02.08.2016 – Mt 14, 22-36

22E Ele obrigou logo os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto despedia as turbas. 23Despedidas as turbas, subiu sozinho ao monte, a orar. Ao cair da noite, estava ali sozinho. 24Entretanto, á barca afastara-se já muitos estádios da terra, açoitada pelas ondas, porque o vento era contrário. 25Na quarta vigília da noite, veio Jesus ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Os discípulos, vendo-O a caminhar sobre o mar, assustaram-se e dis­seram: É um fantasma! E gritaram de terror. 27Mas logo Jesus lhes falou, dizendo: Tende confiança! Sou Eu, não temais. 28Tornou-Lhe Pedro: Senhor, se és Tu, manda-me ir ter contigo, por cima das águas. 29Vem! disse Ele. Saltou Pedro da barca e começou a andar por cima das águas, dirigindo-se para Jesus. 30Vendo, porém, um vento forte, ame­drontou-se; e, começando a afundar-se, gritou: Senhor, acode-me! 31E Jesus, imediatamente, estendendo-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: Homem de pouca fé, porque duvidaste? 32Apenas subiram para a barca, cessou o vento. 33E os que estavam na barca adora­ram-No, exclamando: És verdadeiramente o Filho de Deus.

34Feita a travessia, saíram em terra, em Genesaré. 35Reconheceram-No os homens daquele lugar e mandaram aviso a toda a região circunvizinha: trouxeram-Lhe todos os doentes. 36E rogavam-Lhe que os deixasse tocar sequer na franja do Seu manto. E quantos tocaram cobraram perfeita saúde.

 

Comentário

22-23. O dia tinha sido intenso, como outros tantos de Jesus. Depois de ter leito muitas curas (14, 14), tem lugar o impressionante milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, que é figura antecipada da Santíssima Eucaristia. Aquela multidão que O tinha seguido encontrava-se faminta de pão, de palavra e de consolação. Jesus «condoeu-Se dela» (14,14), curou os seus doentes e reconfortou a todos com a Sua palavra e com o pão. Isto não era senão uma antecipação da contínua acção amorosa de Jesus, ao longo dos séculos, com todos nós, necessitados e reconfortados com a Sua palavra e o alimento do Seu próprio Corpo. Tinham sido, pois, muitas as coisas daquele dia e muito intensa a emoção da alma de Jesus, que conhecia a acção vivificante que tinha de exercer o Santíssimo Sacramento na vida dos cristãos: Sacramento que é um mistério de vida, de fé e de amor. Por tudo isso podemos razoavelmente pensar que Jesus sentia necessidade de ter umas horas de recolhimento íntimo para talar com o Pai. A oração a sós de Jesus, entre a actividade de um trabalho e outro, ensina-nos a necessidade deste recolhimento da alma cristã, que acorre a falar com seu Pai Deus, entre os afazeres quotidianos da vida. Sobre a frequente oração pessoal de Jesus, vejam-se, entre outros: Mc 1,35;6,47; Lc5,16; 6,12.Cfr notas a Mt 6, 5-6 e Mt 7, 7-11.

24-33. O impressionante episódio de Jesus a caminhar sobre as águas deve ter feito pensar muito os Apóstolos, e ter ficado gravado vivissimamente entre as suas recordações da vida com o Mestre. Não só São Mateus, mas também São Marcos (6, 45-52), que o deve ter ouvido de São Pedro, e São João (6, 14-21) incluem-no nos seus respectivos Evangelhos.

As tempestades no lago de Genesaré são frequentes e redemoinham as águas, constituindo um grave perigo para as embarcações pesqueiras. Desde o alto do monte, Jesus em oração não esquece os Seus discípulos. Vê-os a esforçar-se na luta com o vento que lhes era contrário e com as ondas. E terminada a oração aproxima-Se deles para os ajudar.

O episódio ilumina a vida cristã. Também a Igreja, como a barca dos Apóstolos, se vê combatida. Jesus, que vela por ela, açode a salvá-la, não sem antes tê-la deixado lutar para fortalecer a tempera dos seus filhos. E anima-os: «Tende con­fiança! Sou Eu, não temais» (14,27). E vêm as provas de fé e de fidelidade: a luta do cristão por manter-se firme, e o grito de súplica do que vê que as suas próprias forças fraquejam: «Senhor, salva-me!» (14, 30); palavras de Pedro que volta a repetir toda a alma que acorre a Jesus como ao seu verdadeiro Salvador. Depois, o Senhor salva-nos. E, no fim, brota a confissão da fé, que então como agora deve proclamar: «És verdadeiramente o Filho de Deus» (14,33).

29-31. São João Crisóstomo (Hom. sobre S. Mateus, 50) comenta que neste episódio Jesus ensinou a Pedro a conhecer, por experiência própria, que toda a sua fortaleza lhe vinha do Senhor, enquanto de si mesmo só podia esperar fraqueza e miséria. Por outro lado, o Crisóstomo chega a dizer que «quando falta a nossa cooperação cessa também a ajuda de Deus». Daí a repreensão «homem de pouca fé» (14,31). Por isso quando Pedro começou a temer e a duvidar, começou também a afundar-se até que, de novo, cheio de fé, gritou: «Senhor, salva-me!».

Se como Pedro fraquejamos nalgum momento, esforcemo-nos também como ele na nossa fé e gritemos a Jesus para que venha salvar-nos.

34-36. Com a fé com que aqueles homens da ribeira do lago de Genesaré se aproximavam de Jesus, deve aproximar-se todo o cristão da Humanidade adorável do Salvador. Cristo, Deus e Homem, é acessível para nós no Sacramento da Eucaristia.

«Quando te aproximes do Sacrário, pensa que Ele… há vinte séculos que te espera» (Caminho, nº 537).

 

03.08.2016 – Mt 15, 21-28

21Saindo dali, retirou-Se Jesus para os lados de Tiro e Sidónia. 22Ora uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores, come­çou a bradar: Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim! A minha filha é cruel­mente atormentada do Demônio. 23Mas Ele não lhe respondeu palavra. Aproximando-se então os discípulos, começaram a pedir-Lhe: Despacha-a, porque nos persegue com os seus gritos. 24Respondeu Ele: Não fui enviado senão às ovelhas desgarradas da Casa de Israel. 25Mas ela veio, prostrou-se por terra e exclamou: Vale-me, Senhor! 26Respondeu-lhe Ele: Não é bonito tomar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorros. 27E ela: É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem das migalhas que caem da mesa dos donos. 28Então Jesus disse-lhe: Ó mulher, é grande a tua fé! Faça-se como desejas. E, desde aquela hora, ficou a filha curada.

Comentário

21-22. Tiro e Sidónia são duas cidades fenícias, na costa do Mediterrâneo, actualmente pertencentes ao Líbano. Nunca fizeram parte da Galileia, mas encontram-se perto da fronteira noroeste desta região. Portanto, no tempo de Jesus estavam fora dos domínios de Herodes Antipas (vid. a nota a Mt 2,1). Para ali Se retira o Senhor para evitar a perseguição deste e dos judeus, e atender de modo mais intenso à formação dos Seus Apóstolos.

Na região de Tiro e Sidónia a maioria dos habitantes eram pagãos. São Mateus chama a esta mulher «cananeia»; segundo o Gênesis (10, 15) esta zona foi uma das primeiras colônias dos Cananeus; São Marcos chama sirio-fenícia a esta mulher (Mc 7, 26). Ambos os Evangelhos põem em realce a sua condição de paga, com o que adquire maior relevo a sua fé no Senhor, como aconteceu também no caso do centurião (Mt 8, 5-13).

A oração da cananeia é perfeita: reconhece Jesus como Messias (Filho de David) perante a incredulidade dos judeus, expõe a sua necessidade com palavras claras e simples, insiste sem desanimar diante dos obstáculos e exprime humildemente a sua petição: Tem compaixão de mim.

A nossa oração também deve ir acompanhada destas quali­dades: fé, confiança, perseverança e humildade.

  1. Esta frase não é contrária à universalidade da doutrina de Jesus (cfr Mt 28, 19-20; Mc 16, 15-16). O Senhor veio trazer o Seu Evangelho ao mundo inteiro, mas directamente Ele só pregaria aos judeus; os Apóstolos, por mandato de Cristo, encarregar-se-ão mais tarde de evangelizar os pagãos. O próprio São Paulo, nas suas frequentes correrias, pregou primeiro aos judeus (Act 13,46).

25-28. O diálogo é de uma beleza incomparável. Com aparente dureza Jesus consegue assegurar a fé da Cananeia, que chega a merecer um dos maiores elogios que saíram da boca de Jesus: «é grande a tua fé!». Assim deve ser o nosso diálogo com o Senhor: «Persevera na oração. — Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril. — A oração é sempre fecunda» (Caminho, nº 101).

04.08.2016 – Mt 16, 13-23

13Em seguida, foi Jesus para os lados de Cesareia de Filipe e perguntou aos discípulos: Quem dizem os homens que é o Filho do homem? 14Responderam-Lhe: Uns, João Baptista: outros, Elias; outros, Jeremias ou algum dos profetas. 15Disse-lhes Jesus: E quem dizeis vós que Eu sou? 16Respondeu Simão Pedro, dizendo: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. 17E Jesus, respondendo-lhe, disse: Bem-aventurado és tu, Simão, Barjona, porque não foi a carne e o sangue que to revelaram, mas Meu Pai que está nos Céus. 18E Eu digo-te a ti que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus, e tudo o que ligares na terra, será ligado nos Céus; e tudo o que desligares na terra, será desligado nos Céus. 20Entáo intimou aos discípulos que não dissessem a ninguém que Ele era o Cristo.

21Desde então começou Jesus a declarar aos discípulos que tinha de ir a Jerusalém e padecer muito da parte dos Anciãos, dos Príncipes dos sacerdotes e dos Escribas, e ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. 22Pelo que Pedro, chamando-O à parte, come­çou a estranhar-Lho, dizendo: Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não Te acontecerá! 23Voltou-Se Ele e disse a Pedro: Tira-te da minha frente, satanás, tu és para Mim um escândalo, pois não aprecias as coisas de Deus, mas somente as dos homens.

Comentário

13-20. Neste passo promete-se a São Pedro o Primado sobre toda a Igreja. Primado que Jesus lhe conferirá, depois da Sua Ressurreição, segundo nos relata o Evangelho de São João (cfr Ioh21, 15-18). Os poderes supremos são dados a Pedro para bem da Igreja. Como esta há-de durar até ao fim dos tempos, esses poderes transmitir-se-ão àqueles que sucedam a Pedro ao longo da história. O Romano Pontífice é em concreto o sucessor de São Pedro.

A doutrina sobre o Primado de Pedro e dos seus sucessores foi definida como dogma de fé pelo Magistério solene da Igreja no Concilio Vaticano I, nos seguintes termos: «Ensinamos, pois, e declaramos que, segundo os testemunhos do Evangelho, o primado de jurisdição sobre a Igreja universal de Deus foi prometido e conferido, imediata e directamente, ao bem-aventurado Pedro por Cristo Nosso Senhor. Porque só a Simão — a quem já antes tinha dito: ‘Tu chamar-te-ás Cefas’ (Ioh 1, 42) —, depois de pronunciar a sua confissão: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo’, se dirigiu o Senhor com estas solenes palavras: ‘Bem-aventurado és, Simão filho de João, porque não foi a carne nem o sangue que te revelaram isso, mas Meu Pai que está nos Céus. E Eu digo-te, que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na terra ficará ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra, ficará desligado nos Céus’ (Mt 16, 16 ss.). E só a Simão Pedro conferiu Jesus, depois da Sua Ressurreição, a jurisdição de pastor e chefe supremo de todo o Seu rebanho, dizendo: ‘Apascenta os Meus cordeiros. Apascenta as Minhas ovelhas’ (Ioh 21, 15 ss.)… (Canon). Se alguém disser que o bem-aventurado Pedro Apóstolo não foi constituído por Cristo Senhor príncipe de todos os Apóstolos e cabeça visível de toda a Igreja militante, ou que recebeu directa e imediatamente do próprio Jesus Cristo Senhor Nosso somente o primado de honra, mas não de verdadeira e própria jurisdição, seja anátema».

Ora bem, «o que Cristo Senhor, príncipe dos pastores e grão pastor das ovelhas, instituiu no bem-aventurado Após­tolo Pedro para perpétua salvação e bem perene da Igreja, é mister que dure perpetuamente por obra do mesmo Senhor na Igreja que, fundada sobre a pedra, tem de permanecer firme até à consumação dos séculos. ‘Para ninguém, na verdade, é duvidoso, antes, pára todos os séculos é notório, que o santo e beatíssimo Pedro, príncipe e cabeça dos Apóstolos, coluna da fé e fundamento da Igreja Católica, recebeu as chaves do Reino das mãos de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano; e até ao tempo presente e sempre continua a viver, preside e exerce o juízo nos seus sucessores’ (cfr Concilio de Efeso), os bispos da santa Sé Romana, por ele fundada e pelo seu sangue consa­grada. Donde se segue que seja quem for o que sucede a Pedro nesta cátedra, esse, segundo a instituição do próprio Cristo, obtém o Primado de Pedro sobre a Igreja universal…

«Por esta causa, foi sempre necessário que a esta Igreja Romana, ‘pela sua mais poderosa principalidade, se unisse toda a Igreja, isto é, quantos fiéis há, de onde quer que sejam’…

«(Canon.) Se alguém disser que não é de instituição do próprio Cristo, isto é, de direito divino, que o bem-aven­turado Pedro tenha perpétuos sucessores no primado sobre a Igreja universal; ou que o Romano Pontífice não é sucessor do bem-aventurado Pedro no mesmo primado, seja anátema.

«…Julgamos que é absolutamente necessário afirmar solenemente a prerrogativa que o Unigênito Filho de Deus se dignou juntar com o supremo dever pastoral.

«Assim, pois, Nós, seguindo a tradição recolhida fielmente desde o princípio da fé cristã, para glória de Deus Salvador. Nosso, para exaltação da fé católica e salvação dos povos cristãos, com aprovação do sagrado concilio, ensinamos e definimos ser dogma divinamente revelado: Que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra — isto é, quando cumprindo o seu cargo de pastor e doutor de todos os cristãos, define pela sua suprema autoridade apostólica que uma doutrina sobre a fé e costumes deve ser definida pela Igreja universal —, pela assistência divina que lhe foi prometida na pessoa do bem-aventurado Pedro, goza daquela infalibilidade de que o Redentor divino quis que estivesse prevista a Sua Igreja na definição da doutrina sobre a fé e os costumes; e, por isso, que as definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas e não pelo consentimento da Igreja.

«(Canon.) E se alguém tivesse a ousadia, o que Deus não permita, de contradizer essa definição nossa, seja anátema» (Pastor aeternus, caps 1, 2 e 4).

  1. Jesus opõe-Se com energia aos protestos bem intencio­nados de São Pedro. O Senhor dá-nos a entender assim a importância capital que tem para a salvação o aceitar a cruz (cfr 1Cor 1, 23-25). Pouco antes (Mt 16, 17) Jesus tinha elogiado Pedro: «Bem-aventurado és Simão»; agora repreende-o: «Afasta-te de Mim, Satanás!»; ali tinha falado Pedro movido pelo Espírito Santo, aqui pelo seu próprio espírito de que não se tinha despojado totalmente.

05.08.2016 – Mt 16, 24-28

24Jesus disse então aos discípulos: Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. 25Porque, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrá-la-á. 26Pois, de que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma? Ou que dará o homem em resgate da sua alma? 27Porque o Filho do homem há-de vir na glória de Seu Pai, com os Seus Anjos, e então remunerará a cada um segundo as suas obras. 28Em verdade vos digo: há alguns aqui que não experimen­tarão a morte, antes de verem o Filho do homem no Seu Reino.

Comentário

  1. «O amor de Deus que ‘foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado’ (Rom 5, 5), torna os leigos capazes de exprimir em verdade, na própria vida, o espírito das Bem-aventuranças. Seguindo a Cristo pobre, nem se deixam abater com a falta dos bens temporais nem se exaltam com a sua abundância; imitando a Cristo humilde, não são cobiçosos da glória vã (cfr Gal 5, 26), mas procuram mais agradar a Deus que aos homens, sempre dispostos a deixar tudo por Cristo (cfr Lc 14, 25) e a sofrer perseguição pela justiça (cfr 15,10), lembrados da palavra do Senhor: ‘se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me’ (Mt 16, 24)» (Apostolicam actuositatem, n. 4).
  2. O cristão não pode passar por alto estas palavras de Jesus Cristo. Deve arriscar-se, jogar a vida presente em troca de conseguir a eterna. «Que pouco é uma vida para oferecê-la a Deus!…» (Caminho, n.°420).

A exigência do Senhor inclui renunciar à própria vontade para a identificar com a de Deus, não aconteça que, como comenta São João da Cruz, tenhamos a sorte de muitos «que queriam que Deus quisesse o que eles querem, e entristecem-se de querer o que Deus quer, e têm repugnância em acomodar a sua vontade à de Deus. Disto vem que muitas vezes, no que não acham a sua vontade e gosto, pensam não ser da vontade de Deus e, pelo contrário, quando se satisfazem, creem que Deus Se satisfaz, medindo também a Deus por si, e não a si mesmos por Deus» (Noite Escura, liv. I, cap. 7, nº3).

26-27. As palavras de Cristo são de uma clareza meridiana: situam cada homem, individualmente, diante do Juízo Final. A salvação tem, pois, um caracter radicalmente pessoal: «remunerará a cada um segundo as suas obras» (v. 27).

O fim do homem não é ganhar os bens temporais deste mundo, que são apenas meios ou instrumentos; o fim último do homem é o próprio Deus, que é possuído como antecipação aqui na terra pela graça, e plenamente e para sempre na Glória. Jesus indica qual é o caminho para conseguir esse fim: negar-se a si mesmo (isto é, tudo o que é comodidade, egoísmo, apego aos bens temporais) e levar a cruz. Porque nenhum bem terreno, que é caduco, é comparável à salvação eterna da alma. Como explica com precisão teológica São Tomás, «o menor bem da graça é superior a todo o bem do universo» (Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9).

  1. Ao dizer isto, Jesus não se refere à Sua última vinda de que fala no versículo anterior, mas está a referir-Se a outros factos que aconteceriam antes e que constituiriam um sinal da Sua glorificação depois da morte. Assim, a vinda de que fala aqui o Senhor pode referir-se em primeiro lugar à Sua Ressurreição e aparições. Também poderia estar relacionada com a Transfiguração, que mostra já a glória de Cristo. Finalmente, essa vinda de Cristo no Seu Reino poderia ver-se manifestada na destruição de Jerusalém, em que é significado o fim do antigo povo de Israel como realização do Reino de Deus e a sua substituição pela Igreja, novo Reino.

06.08.2016 – Lc 9, 28b-36

28Tomou Jesus consigo a Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. 29Quando estava em oração, tornou-se-Lhe diferente o aspecto do rosto, e o vestuário branco refulgente. 30Estavam dois homens a conversar com Ele, os quais eram Moisés e Elias, 31que, aparecendo gloriosos, falavam da Sua morte que ia dar-se em Jerusalém. 32Ora Pedro e os companheiros estavam carregados de sono. Mas, despertando, viram a Sua glória e os dois homens que estavam com Ele. “Quando estes iam a separar-se d’Ele, disse Pedro a Jesus: Mestre, é bom nós estarmos aqui; vamos fazer três tendas, uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias — pois não sabia o que estava a dizer. 34Enquanto dizia isto, formou-se uma nuvem que os foi co­brindo com a sua sombra; e os discípulos ficaram cheios de medo, quando entraram na nuvem. 35Fez-se então ouvir da nuvem uma voz, que dizia: Este é o Meu Filho eleito: escutai-O. 36E, quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Eles guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.

Comentário

28-36. Jesus Cristo com a Sua Transfiguração fortalece a fé dos Seus discípulos mostrando na Sua humanidade um indício da glória que ia ter depois da Ressurreição. Quer que entendam que a Sua Paixão não será o fim, mas o caminho para chegar à glória. «Para que alguém se mantenha no recto caminho é preciso que conheça previamente, ainda que seja de modo imperfeito, o termo do seu caminhar: do mesmo modo um arqueiro não lança uma flecha se antes não conhece o alvo ao qual apontar (…). E isto é tanto mais necessário, quanto mais difícil e árduo for o caminho e fatigante a viagem, e alegre pelo contrário o fim» (Suma Teológica, III, q. 45, a.l).

Com este milagre da Transfiguração Jesus Cristo mostra também um dos dotes dos corpos gloriosos: a claridade, «pela qual brilharão como o sol os corpos dos santos; pois isto afirma o nosso Salvador no Evangelho de São Mateus: ‘Então os justos brilharão como o sol no Reino de Seu Pai’ (Mt 13,43); e para que ninguém duvidasse disso o esclareceu com o exemplo da Sua Transfiguração. A este dote chama o Apóstolo umas vezes glória e outras claridade. ‘Transformará o corpo da nossa baixeza conforme ao corpo da Sua clari­dade’ (Phil 3,21); e noutra parte: ‘Semeia-se em estado de vileza; ressuscitará com glória’ (1Cor 15,43). O povo de Israel viu também alguma imagem desta glória no deserto, quando o rosto de Moisés resplandecia pelo colóquio e pela presença de Deus, de tal modo que os filhos de Israel não podiam fixar nele o seu olhar (Ex 34, 29; 2Cor 3,7). A claridade é certo resplendor que, procedente da suma felicidade da alma, redunda no corpo como uma certa comunicação a este da felicidade de que a alma goza (…). Mas não deve crer-se que deste dote participem todos na mesma proporção (…). Porque, embora todos os corpos dos santos venham a ser igualmente impassíveis, contudo, não terão o mesmo resplendor; pois, como diz o Apóstolo, uma é a claridade do sol, outra a claridade da lua e outra a das estrelas, e inclusivamente há diferença na claridade entre umas estrelas e outras; assim sucederá na ressurreição dos mortos (l Cor 15,41-42)» (Catecismo Romano, 1,12,13). Vid. também o comentário a Mt 17,1-13; 17,5; 17,10-13; e a Mc 9,2-10; 9,7.

  1. « Falavam da sua morte »: A Neo-vulgata diz: Falavam da Sua saída deste mundo, isto é, da morte de Cristo. Também pode entender-se da Ascensão do Senhor.
  2. « Escutai-O »: Tudo o que Deus quer dizer à humani­dade o disse através de Cristo, ao chegar a plenitude dos tempos (cfr Heb 1,1). «Pelo que, explica São João da Cruz, o que agora quisesse consultar Deus, ou quisesse alguma visão ou revelação, não só cometeria uma estupidez, mas faria agravo a Deus, não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer alguma outra coisa ou novidade. Porque lhe poderia responder Deus desta maneira, dizendo: ‘Se te falei já de todas as coisas na Minha Palavra, que é o Meu Filho, e não tenho outra, que te posso Eu agora responder ou revelar que seja mais que isso? Põe os olhos apenas n’Ele, porque n’Ele to disse e revelei, e acharás n’Ele mais ainda do que pedes e desejas (…); ouvi-O a Ele, porque já não tenho mais fé que revelar, nem mais coisas que manifestar’» (Subida ao Monte Carmelo, liv. 2, cap. 22, n° 5).

07.08.2016 – Lc 12, 32-48

32Não tenhas receio, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino. 33Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Fazei para vós bolsas que não envelheçam, tesoiro inesgotável nos Céus, do qual o ladrão não se aproxima e ao qual a traça não corrói. 34Pois onde estiver o vosso tesoiro, aí estará também o vosso coração.

35Estejam cingidos os vossos rins e a arder as vossas lâmpadas. 36E vós, sede como os homens que esperam o seu senhor, ao voltar do noivado, para, quando vier e bater, lhe abrirem logo a porta. “Felizes daqueles servos que o senhor, quando vier, encontrar vigi­lantes. Em verdade vos digo que se há-de cingir e mandar que se ponham à mesa e, passando diante deles, servi-los-á. 38E felizes deles, se, vindo na segunda ou na terceira vigília, assim os encontrar. 39Ficai sabendo isto: Se o dono da casa tivesse sabido a que hora viria o ladrão, não teria deixado arrom­bar a casa. ‘”Preparai-vos vós, também, porque na hora em que menos pensais é que vem o Filho do homem.

41Disse-Lhe Pedro: Senhor, é para nós que dizes essa parábola, ou para todos? Res­pondeu o Senhor: Quem será então o admi­nistrador fiel e prudente que o senhor porá à frente do seu pessoal, para dar, a seu tempo, a ração alimentar? 43Feliz daquele servo a quem o senhor, quando vier, assim achar fazendo. ‘”Digo-vos, na verdade, que o porá à frente de todos os seus bens. 45Mas, se aquele servo disser de si para consigo: «tarda em vir o meu senhor», e começar a bater em criados e criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, 46o senhor daquele servo che­gará em dia que não espera e a hora que não sabe; então pô-lo-á de parte e fá-lo-á par­tilhar a sorte dos infiéis.47Aquele servo que, sabendo o que o senhor queria, o não tiver preparado ou não tiver cumprido a vontade dele, levará muitas vergastadas. 48Aquele, porém, que não tiver sabido, mas tiver feito coisas que mereçam vergastadas, levará algumas. A todo aquele a quem muito foi dado muito será exigido, e àquele a quem muito se entregou mais se pedirá.

Comentário

33-34. O Senhor termina este discurso insistindo nos bens imperecíveis a que devemos aspirar. Neste teor o Concilio Vaticano II, ao falar do chamamento universal à santidade, conclui com este ensinamento: «Todos os cristãos são, pois, chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado. Procurem, por isso, ordenar rectamente os próprios afectos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito da pobreza evangélica, segundo o conselho do Apóstolo: ‘os que usam deste mundo, façam-no como se dele não usassem, pois é transitório o cenário deste mundo’ (1Cor 7, 31)» (Lumen gentium, n. 42).

«Quando a Sagrada Escritura fala de coração não se refere a um sentimento passageiro, que perturba ou faz nascer as lágrimas. Fala do coração para indicar a pessoa, pois esta, como disse o próprio Jesus, orienta-se toda — alma e corpo — para o que considera o seu bem: porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt VI, 21)» (Cristo que passa, n° 164). O ensinamento do Senhor é claro: o coração do homem anela possuir riquezas, boa posição, relações sociais, cargos públicos ou profissionais, onde encontrar a segurança, a felicidade, a afirmação da sua personalidade; contudo, este tipo de tesouro converte-se numa fonte de contínuas preocupações e desgostos, porque está sempre exposto a perder-se. Jesus não quer dizer que o homem deva despreocupar-se das coisas da terra, mas ensina que nenhuma coisa criada pode ser «o tesouro», o último fim; este é Deus, nosso Criador e Senhor, a Quem devemos amar e servir no meio das ocupações ordinárias desta vida e com a esperança do gozo eterno do Céu. Veja-se também a nota a Mt 6,19-21.

35-39. A exortação a estar vigilantes repete-se com frequência na pregação de Cristo e na dos Apóstolos (cfr Mt 24,42; 25,13; Mc 14,34). Por um lado, porque o inimigo está sempre à espreita (cfr 1Pet 5,8), e, por outro, porque quem ama nunca dorme (cfr Cant 5,2). Manifestações concretas dessa vigilância são o espírito de oração (cfr Lc 21,36; 1Pet 4,7) e a fortaleza na fé (cfr 1Cor 16,13). Cfr. a nota a Mt. 25, 1-13).

  1. As vestes amplas que usavam os judeus cingiam-se à cinta para poder realizar determinados trabalhos. «Ter as roupas cingidas» é uma imagem clara para indicar que alguém se prepara para o trabalho, a luta, as viagens, etc. (cfr ler 1,17; Eph 6,14; 1Pet 1,13). Do mesmo modo, «ter as lâmpadas acesas» indica a atitude própria do que vigia e espera a vinda de alguém.
  2. Deus quis ocultar o momento da morte de cada um e do fim do mundo. Imediatamente depois da morte, todo o homem comparece para o juízo particular: «Assim, está estabelecido que os homens morram uma só vez; e depois disto, o juízo» (Heb 9,27). Do mesmo modo, no fim do mundo terá lugar o juízo universal.

41-48. Depois da exortação do Senhor à vigilância, Pedro faz uma pergunta (v.41) cuja resposta é a chave para compreender esta parábola. Por um lado, Jesus insiste no imprevisível do momento em que Deus nos há-de chamar para dar contas; por outro, precisamente como resposta à pergunta de Pedro, Nosso Senhor explica que o seu ensina­mento se dirige a todos. Deus pedirá contas a cada um segundo as suas circunstâncias pessoais: todo o homem tem nesta vida uma missão para cumprir; dela teremos de responder diante do tribunal divino e seremos julgados segundo os frutos, abundantes ou escassos, que tenhamos dado.

«Mas, como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos conti­nuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr Heb 9,27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr Mt 25,31-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cfr Mt 25,26), no fogo eterno (cfr Mt 25,41)» (Lumen gentium, n. 48).

08.08.2016 – Mt 17, 22-27

22Andando eles ainda na Galileia, disse-hes Jesus: O Filho do homem há-de ser entregue nas mãos dos homens, 23que O hão-de matar; mas ao terceiro dia ressuscitará. Eles ficaram tristes em extremo.

24Entrados em Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os cobradores da didracma e disseram-lhe: O vosso Mestre não paga a didracma? 25Sim! — disse ele. Entrando de­pois na casa, antecipou-Se Jesus, perguntando: Que te parece, Simão? De quem rece­bem impostos ou tributo os reis da terra, dos seus filhos, ou dos estranhos? 26Respondendo ele: dos estranhos, disse-lhe Jesus: Logo, os filhos estão isentos. 27Contudo, para os não escandalizarmos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que subir, toma-o, abre-lhe a boca e encontrarás um estáter. Tira-o e dá-lho a eles por Mim e por ti.

Comentário

24-27. «Didracma»: Moeda equivalente ao tributo que deviam pagar anualmente todos os Judeus ao Templo de Jerusalém. Correspondia mais ou menos ao jornal de um operário. O «estáter» de que falará o Senhor um pouco mais adiante (v. 27) era uma moeda grega equivalente a dois didracmas.

Jesus Cristo ensinava os Seus discípulos mediante coisas grandes e pequenas. A Pedro, que devia ser rocha sobre a qual ia fundar a Sua Igreja (Mt 16, 18-19), depois de o preparar com o magnífico episódio da Transfiguração (Mt 17, 1-8), faz-lhe ver agora a Sua divindade mediante um milagre de aparência intranscendente. Além disso, deve notar-se a pedagogia de Jesus: depois do segundo anúncio da Sua Paixão, os Seus discípulos tinham ficado tristes (Mt 17, 22-23); agora levanta o ânimo de Pedro com este milagre de características tão íntimas.

  1. Vemos aqui a exactidão com que o Senhor quis cumprir os deveres de cidadão. Tenha-se em conta que, embora o imposto da didracma fosse de índole religiosa, contudo, pela constituição teocrática de Israel naquele tempo, o pagamento deste tributo implicava também uma obrigação de ordem cívica.

09.08.2016 – Mt 18, 1-5.10.12-14

Naquela mesma hora, chegaram-se os discípulos a Jesus e disseram-Lhe: Quem é, pois, o maior no Reino dos Céus? 2Chamou Ele um menino, pô-lo no meio deles 3e disse: Em verdade vos digo que, se não voltardes a ser, como meninos, não entrareis no Reino dos Céus. 4Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, esse é o maior no Reino dos Céus. 5E quem receber um menino como este em Meu nome, é a Mim que recebe.

10Vede lá não desprezeis um só destes : pequeninos, pois Eu vos digo que os seus Anjos, nos Céus, estão incessantemente a contemplar a face de Meu Pai que está nos Céus.

12Que vos parece? Se alguém tiver cem ovelhas e alguma delas se desgarrar, não deixará, porventura, as noventa e nove pelos montes, para ir em busca da que se des­garrou? 13E se logra encontrá-la, em verdade vos digo que se alegra mais por via dela, do que pelas noventa e nove que se não desgar­raram. 14Assim, a vontade de vosso Pai que está nos Céus é que se não perca nem um só destes pequeninos.

Comentário

1-35. O conjunto dos ensinamentos de Jesus Cristo que se conservam no cap. 18 de São Mateus, tem sido chamado com freqüência Discurso eclesiástico, pois constitui uma espécie de corpo de ordenamentos e advertências que têm em vista o bom andamento da vida posterior da Igreja.

O primeiro passo (Mt 18, 1-5) vai dirigido aos reitores, isto é, à futura hierarquia da Igreja, com o fim de os instruir e prevenir contra as inclinações naturais do orgulho humano e da ambição pelos cargos de governo, pondo como base a humildade. Seguem-se uns versículos (6-10) em que Jesus encarece a solicitude paternal com que os pastores da Igreja devem cuidar dos pequenos. Este termo abarca todos aqueles que, por qualquer causa (novos na fé, pouco instruídos, pouca idade, etc.), necessitam de ser especialmente ajudados. O divino Mestre detém-se a prevenir contra os prejuízos do escândalo: a caridade fraterna dos cristãos, e de modo particular dos pastores, exige de todos, e especialmente destes últimos, evitar tudo aquilo — mesmo o que de si pudesse ser correcto — que possa constituir um perigo para a salvação espiritual dos mais débeis ou pequenos: Deus tem particular providência deles e castigará aqueles que lhes causem dano.

Não menor atenção presta o Senhor também àqueles que se achem em situação espiritual difícil. É preciso então irem busca da ovelha perdida, inclusive heroicamente (vv. 12-14). Se a Igreja em geral, e cada cristão em particular, deve ter ânsia de estender o Evangelho, com mais razão ainda deve esforçar-se para que todos aqueles homens que já abraçaram a fé não se separem dela.

Relevante importância doutrinai tem o passo seguinte (vv. 15-18) sobre a correcção fraterna: a propósito dela, Jesus Cristo emprega o termo igreja como um organismo social, uma comunidade concreta, visível e compacta, em estreita dependência d’Ele e dos Seus Doze Apóstolos, que possuirão, eles e os seus sucessores, o omnímodo «poder das chaves», poder espiritual que será apoiado pelo próprio Deus. Entre esses poderes está o de perdoar ou reter os pecados, o de receber ou excomungar da Igreja, etc. Admirável poder divino, dado por Jesus à hierarquia da Igreja, guardado pelo próprio Deus com uma providência singular, mediante a presença para sempre de Jesus na Sua Igreja e a assistência do Espírito Santo ao seu Magistério hierárquico.

Segue-se ainda um passo (vv. 19-20) em que Jesus prome­te a Sua presença quando vários fiéis se reúnam para orar. A isso une-se a doutrina da necessidade da oração (v. 20) e do perdão das ofensas entre «os irmãos» (vv. 21-22), perdão que não tem limites. Termina o capítulo com a parábola do devedor cruel (vv. 23-35), em que o Senhor exemplifica a doutrina sobre o perdão.

Todo este capítulo 18, o Discurso eclesiástico, contempla, pois, a vida futura da Igreja no seu estádio terrestre, e formula as regras práticas de comportamento dos cristãos, de certo modo, como um complemento da carta magna do novo Reino trazido por Cristo, contida no Sermão da Monta­nha (caps. 5-7).

1-6. É claro que os discípulos ainda abrigavam ambi­ções terrenas ao pedir o primeiro lugar para quando Cristo instaure na terra o Seu Reino (cfr Act 1 ,6). Para corrigir o seu orgulho, o Senhor coloca diante deles um menino, exigindo-lhes que se querem entrar no Reino dos Céus, sejam por vontade o que as crianças são por idade. As crianças caracterizam-se pela sua incapacidade de ódio, e vê-se nelas uma total inocência no que diz respeito aos vícios, e principalmente ao orgulho, que é o maior de todos. São simples e abandonam-se confiadamente.

A humildade é um dos pilares mestres da vida cristã: «Se me perguntais — dizia Santo Agostinho — que é o mais essencial na religião e na disciplina de Jesus Cristo, responder-vos-ei: o primeiro a humildade, o segundo a humildade e o terceiro a humildade» (Epístola 118).

3-4. Aplicando estas palavras às virtudes de Nossa Senhora, Frei Luís de Granada sublinha que a humildade é mais excelente que a virgindade: «Se não podes imitar a virgindade da humilde, imita a humildade da virgem. Lou­vável é a virgindade, mas mais necessária é a humildade. Aquela nos aconselham, a esta nos obrigam; àquela nos convidam, a esta nos forçam (…). De maneira que aquela é galardoada como sacrifício voluntário, esta pedida como sacrifício obrigatório. Finalmente, podes salvar-te sem vir­gindade, mas não sem humildade» (Suma da vida cristã, livro 3, parte 2, cap. 10).

  1. Acolher um menino em nome de Jesus é acolher o próprio Jesus. Porque as crianças são reflexo da inocência, da simplicidade, da pureza, da ternura do Senhor; «para uma alma enamorada, as crianças e os doentes são Ele» (Caminho, n° 419).
  2. Dar escândalo aos pequenos é coisa grave: Jesus adverte-o com energia. Pois estes pequenos têm os seus anjos que os guardam e defendem, e que acusarão diante de Deus aqueles que os tenham induzido ao pecado.

No contexto fala-se dos anjos da guarda dos pequenos, visto que é a estes que se está a referir o passo. Mas todos os homens, grandes ou pequenos, têm o seu anjo da guarda. «A Providência de Deus deu aos anjos a missão de guardar a linhagem humana, e de socorrer cada homem (…). O Nosso Pai deu-nos, a cada um de nós, anjos para que sejamos fortalecidos com o seu poder e auxílio» (Catecismo Romano, IV, 9,4).

Esta doutrina deve levar-nos a uma intimidade confiante com o nosso anjo da guarda. «Tem confiança com o teu Anjo da Guarda. — Trata-o como amigo íntimo — é-o efectivamente — e ele saberá prestar-te mil e um serviços nos assuntos correntes de cada dia» (Caminho, n° 562).

11-14. A parábola põe em relevo a solicitude amorosa do Senhor pelos pecadores. E manifesta de modo humano a alegria de Deus ao recuperar um filho querido que se tinha extraviado.

Diante do panorama de tantas almas que vivem afastadas de Deus, o Santo Padre comenta: «Infelizmente assistimos com angústia à corrupção moral que devasta a humanidade, desprezando especialmente os pequenos, de quem fala Jesus. (Que devemos fazer? Imitar o Bom Pastor e afanar-nos sem trégua pela salvação das almas. Sem esquecer a caridade material e a justiça social, devemos estar convencidos dê que a caridade mais sublime é a espiritual, ou seja, o interesse pela salvação das almas. E as almas salvam-se com a oração e o sacrifício. Esta é a missão da Igreja!» (João Paulo II, Homília às Clarissas de Albano, 14-VIII-1979).

Muitos manuscritos acrescentam, tomando-o segundo parece de Lc 19, 10,o v. 11: «Pois o Filho do Homem veio para salvar o que estava perdido».

10.08.2016 – Jo 12, 24-26

. 24Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica ele só. Mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem tem amor à sua vida perde-a; e quem odeia a sua vida neste mundo conser­vá-la-á para a vida eterna. 26Se alguém está ao Meu serviço, que Me siga; e onde Eu estou, lá estará também o Meu servidor. Se alguém está ao Meu serviço, o Pai há-de honrá-lo.

Comentário

24-25. Lemos aqui o aparente paradoxo entre a humi­lhação de Cristo e a Sua exaltação. Assim «foi conveniente que se manifestasse a exaltação da Sua glória de tal maneira, que estivesse unida à humildade da Sua paixão» (In Ioann. Evang., 51,8).

É a mesma ideia que ensina São Paulo ao dizer que Cristo Se humilhou e Se fez obediente até à morte e morte de Cruz, e que por isso Deus Pai O exaltou sobre toda a criatura (cfr Phil 2,8-9). Constitui uma lição e um estímulo para o cristão, que há-de ver em todo o sofrimento e contrariedade uma participação na Cruz de Cristo que nos redime e nos exalta. Para ser sobrenaturalmente eficaz, deve cada um morrer para si mesmo, esquecendo-se por completo da sua como­didade e do seu egoísmo. «Se o grão de trigo não morre, permanece infecundo. — Não queres ser grão de trigo, morrer pela mortificação e dar espigas bem gradas? — Que Jesus abençoe o teu trigal!» (Caminho, n° 199).

  1. O Senhor falou do Seu sacrifício como condição para entrar na glória. E o que vale para o Mestre, também se aplica aos Seus discípulos (cfr Mt 10,24; Lc 6,40). Jesus Cristo quer que cada um de nós O sirva. É um mistério dos desígnios divinos que Ele — que é tudo, que tem tudo e não necessita de nada nem de ninguém — queira necessitar do nosso serviço para que a Sua doutrina e a salvação operada por Ele cheguem a todos os homens.

«Seguir Cristo: este é o segredo. Acompanhá-Lo tão de perto, que vivamos com Ele, como os primeiros Doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos: Se não levantarmos obstáculos à graça, não tardaremos a afirmar que nos reves­timos de Nosso Senhor Jesus Cristo (cfr Rom XIII, 14) (…).

«Neste esforço por nos identificarmos com Cristo, costumo falar de quatro degraus: procurá-Lo, encontrá-Lo, conhecê-Lo, amá-Lo. Talvez vos pareça que estais na pri­meira etapa… Procurai-O com fome, procurai-O em vós mesmos com todas as vossas forças! Se o fazeis com este empenho, atrevo-me a garantir que já O encontrastes e que já começastes a conhecê-Lo e a amá-Lo e a ter a vossa conversa nos céus (cfr Phil III, 20)» (Amigos de Deus, nos 299-300).

11.08.2016 – Mt 18, 21-19.1

21Então aproximou-se Pedro e disse-Lhe: Perdão Senhor, se meu irmão pecar contra mim, quantas vezes lhe devo perdoar? Ate sete vezes? 22Disse-lhe Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23Por isso, é semelhante o Reino dos Céus a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24 Logo ao começar, foi-lhe apresentado um que devia dez mil talentos. 25E como não tivesse com que pagar, mandou o senhor que o vendessem a ele e à mulher e aos filhos e a tudo quanto tinha e que assim se pagasse a dívida. 26Lançou-se o servo por terra e, prostrando-se diante dele, disse-lhe: «Senhor, tem paciência comigo e pagar-te-ei tudo». 27E o senhor, compadecido daquele servo, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair, encontrou-se o servo com um dos seus companheiros que lhe devia cem dinheiros e, aferrando-o pelo pescoço afo­gava-o, dizendo: Paga o que deves. 29Lançou-se-lhe o companheiro aos pés e começou a suplicar-lhe: Tem paciência comigo e pagar-te-ei. 30Ele, porém, não quis, mas foi metê-lo na cadeia até que pagasse a dívida. 31Os outros servos, ao verem o que se passava, ficaram muito magoados e foram contar tudo ao senhor. 32Entào o senhor chamou-o e disse-lhe: Servo perverso, perdoei-te toda aquela dívida, porque mo pediste. 33Não devias tu compadecer-te do teu compa­nheiro, como eu me compadeci de ti? 34E, indignado, o senhor entregou-o aos algozes até que pagasse toda a dívida. 35Assim vos fará também o Meu Pai celeste, se não perdoardes, cada um a seu irmão, do íntimo dos vossos corações.

E aconteceu que, tendo Jesus acabado estes discursos, partiu da Galileia e foi para os confins da Judeia, por além do Jordão.

Comentário

21-35. A pergunta de Pedro e, sobretudo, a resposta de Jesus dão-nos a pauta do espírito de compreensão e miseri­córdia que deve presidir à actuação dos cristãos.

A cifra de setenta vezes sete na linguagem hebraica equivale ao advérbio «sempre» (cfr Gen 4,24): « De modo que não encerrou o Senhor o perdão num número determinado, mas deu a entender que se tem de perdoar continuamente e sempre» (Hom. sobre S. Mateus, 6). Também se pode observar aqui um contraste entre a atitude mesquinha dos homens em perdoar com cálculo e a misericórdia infinita de Deus. Por outro lado, a nossa situação de devedores relativamente a Deus fica muito bem reflectida na parábola. Um talento equivalia a seis mil denarios e um denário era o jornal diário de um trabalhador. A dívida de dez mil talentos é uma quantidade exorbitante que nos dá ideia do valor imenso que tem o perdão que recebemos de Deus. Contudo, o ensinamen­to final da parábola é o de perdoar sempre e do íntimo do coração aos nossos irmãos. «Esforça-te, se é preciso, por perdoar sempre aos que te ofenderem, desde o primeiro instante, já que, por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti» (Caminho, n° 452).

12.08.2016 – Mt 19, 3-12

3Aproximaram-se d’Ele uns Fariseus, para O tentarem, e disseram-Lhe: É lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo? 4Respondeu Ele: Não lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e disse: 5«Por isso deixará o homem pai e mãe e unir-se-á com sua mulher e formarão os dois uma só carne?». 6Portanto, já não são dois, mas uma carne só. Não separe, pois, o homem o que Deus ajuntou. 7Replicaram eles: Então, porque é que Moisés mandou dar-lhe libelo de repúdio e desquitá-la? 8Respondeu-lhes: Moisés, por causa da dureza do vosso coração, permitiu-vos repudiar as vossas mulheres. Mas, ao prin­cípio, não era assim. 9Ora Eu digo-vos que todo o que se desquitar de sua mulher, excepto no caso de união ilegítima, e casar com outra, comete adultério. E quem casar com uma desquitada, comete adultério.

10Dizem-Lhe os discípulos: Se tal é a condição do homem com a sua mulher, mais vale não casar. 11Respondeu-lhes Ele: Nem todos compreendem esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. 12Porque há eunucos de nascença, e há eunucos que foram feitos tais pelos homens, e há eunucos que tais se fizeram a si mesmos, por amor do Reino dos Céus. Quem pode compreender, compreenda.

Comentário

4-5. «O matrimônio e o amor conjugai destinam-se por sua própria natureza à geração e educação da prole. Os filhos são, sem dúvida, o maior dom do matrimônio e contribuem muito para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse ‘não é bom que o homem esteja só’ (Gen 2,18) e que ‘desde a origem fez o homem varão e mulher’ (Mt 19, 4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na Sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: ‘sede fecundos e multiplicai-vos’ (Gen 1, 28). Por isso, o autêntico culto do amor conjugal, e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimônio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do criador e salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua família (Gaudium et spes, n. 50).

  1. 9. Em todo este passo predomina o ensinamento do Senhor acerca da unidade e da indissolubilidade do matrimônio. Como diz São João Crisóstomo, comentando este passo, o matrimônio é um com uma e para sempre (cfr sobre S. Mateus, 62). Sobre o sentido da frase «a não ser por fornicação» veja-se a nota a Mt 5,31-32).
  2. «Nem todos são capazes de compreender esta dou­trina»: O Senhor sabe bem que as exigências dos Seus ensinamentos à volta do matrimônio e a Sua recomendação do celibato por amor de Deus chocam com o egoísmo humano. Por isso afirma que compreender esta doutrina é dom de Deus.
  3. Com este modo figurado de falar refere-Se o Senhor aos que por Seu amor renunciam ao matrimônio e Lhe oferecem totalmente a sua vida. A virgindade por amor de Deus é um dos carismas mais estimados na Igreja (cfr 1Cor 7); mostra-se com a própria vida o estado dos bem-aventurados, que no Céu são como anjos (Mt 22, 30). Daqui que o Magistério da Igreja tenha declarado a superioridade do estado de virgindade por amor do Reino dos Céus, sobre o estado matrimonial (cfr De Sacram. matr., can. 10; cfr também Sacra virginitas). Sobre a virgindade e o celibato ensina o Concilio Vaticano II: «A santidade da Igreja é também especialmente favorecida pelos múltiplos conselhos que o Senhor propõe no Evangelho aos Seus discípulos. Entre eles sobressai o de, com o coração mais facilmente indiviso, se consagrarem só a Deus, na virgindade ou no celibato, dom da graça divina que o Pai concede a alguns (cfr Mt 19, 11; 1Cor 7, 7). Esta continência perfeita, abraçada pelo reino dos céus, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, como sinal e incentivo do amor e ainda como fonte privilegiada de fecundidade espiritual no mundo» (Lumen gentium, n. 42; cfr Perfectae caritatis, n. 12). E em concreto, com relação ao celibato sacerdotal, cfr o Decr. Presbyterorum ordinis n. 16 e o Decr. Optatam totius, n. 10.

Mas tanto a virgindade como o matrimônio são necessários para o crescimento da Igreja, e ambos supõem uma vocação específica da parte do Senhor: «O celibato é exactamente ‘dom do Espírito’. Um dom semelhante, muito embora diverso, está contido na vocação para o verdadeiro e fiel amor conjugal, ordenado para a procriação segundo a carne no contexto tão sublime do sacramento do Matrimônio. É conhe­cido que este dom é algo fundamental para construir a grande comunidade da Igreja, Povo de Deus. Entretanto, se esta comunidade quiser corresponder plenamente à sua vocação em Jesus Cristo, é necessário que nela se realize, em proporção adequada, também aquele outro ‘dom’, o dom do celibato ‘por amor do reino dos Céus’» (Carta a todos os sacerdotes, nº 8).

13.08.2016 – Mt 19, 13-15

13Então apresentaram-Lhe umas criancinhas, para que impusesse as mãos sobre elas e orasse. Os discípulos ralhavam com elas. 14Jesus, porém, disse-lhes: Deixai as criancinhas e não as estorveis de virem a Mim, porque dos que são como elas é o Reino dos Céus. 15E impôs-lhes as mãos. Depois partiu dali.

Comentário

13-34. Uma vez mais (vid. Mt 18, 1-6) mostra Jesus a sua predilecção pelas crianças, acolhendo-as e abençoando-as. Também a Igreja deu às crianças um lugar importante urgindo a necessidade do Baptismo: «Todas as crianças devem ser baptizadas. O sentir comum e a autoridade dos Santos Padres, prova que esta lei deve entender-se não só dos que estão em idade adulta, mas também das crianças na infância, e que a Igreja recebeu esta lei por Tradição apostólica. Deve crer-se, além disso, que Cristo Nosso Senhor não quis que se negasse o Sacramento e a Graça do Baptismo às crianças, das quais dizia: ‘deixai as crianças e não as impeçais de vir a Mim, porque destas é o Reino dos Céus’: as quais estreitava entre os Seus braços, punha sobre elas as mãos e as abençoava» (Catecismo Romano, II, 2,32).

 

18.08.2016 – Lc 12, 49-53

49Eu vim lançar fogo sobre a Terra, e que quero Eu senão que ele já se tenha ateado? 50Tenho um baptismo para receber e que angústias não sinto até que ele se realize! 51Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, vos digo Eu, foi antes a divisão. 52Haverá, efectivamente, a partir de agora, cinco divididos numa só casa: três contra dois, e dois contra três; 53dividir-se-ão o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra.

Comentário

49-50. O fogo exprime frequentemente na Bíblia o amor ardente de Deus pelos homens (cfr Dt 4,24; Ex 13,22; etc.). No Filho de Deus feito homem alcança esse amor divino a sua máxima expressão: «De tal maneira amou Deus o mundo que lhe entregou o Seu Filho Unigênito» (Ioh 3,16). Jesus entrega voluntariamente a Sua vida por amor de nós, e «ninguém tem maior amor que o de dar a vida pelos seus amigos» (Ioh 15,13).

Com as palavras que nos transmite São Lucas, Jesus Cristo revela as ânsias irreprimíveis de dar a Sua vida por amor. Chama Baptismo à Sua morte, porque dela vai sair ressuscitado e vitorioso para nunca mais morrer. O nosso Baptismo é um submergir-nos nessa morte de Cristo, na qual morremos para o pecado e renascemos para a nova vida da graça: «Pois fomos sepultados juntamente com Ele por meio do Baptismo em ordem à morte, para que, assim como Cristo ressuscitou de entre os mortos pela glória do Pai, assim também nós caminhemos numa vida nova» (Rom 6,4).

Nós, os cristãos, devemos ser, com essa nova vida, fogo que acende como Jesus acendeu os Seus discípulos: «Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã apostólico: ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha meditação (Ps XXXVIII,4). Que fogo é esse senão aquele de que fala Cristo: Vim trazer fogo à Terra: e que quero eu, senão que se acenda? (Lc XII,49). Fogo de apostolado que se robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver através de todo o mundo essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado a participar: cumprir o que falta padecer a Cristo (cfr Col 1,24)» (Cristo que passa, n° 120).

51-53. Deus veio ao mundo com uma mensagem de paz (cfr Lc 2,14), de reconciliação (cfr Rom 5,11). Mas, ao resis­tirmos pelo nosso pecado à obra redentora de Cristo, opomo-nos a Ele. A injustiça e o erro provocam a divisão e a guerra. «Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo; mas na medida em que, unidos em cari­dade, superam o pecado, superadas ficam também as lutas» (Gaudium et spes, n. 78).

Na Sua própria vida na terra, Cristo foi sinal de contra­dição (cfr Lc 2,34). O Senhor previne os discípulos das lutas e divisões que acompanharão a difusão do Evangelho (cfr Lc 6,20-23; Mt 10,34).

15.08.2016 – Mt 19, 16-22

16Senão quando, aproxima-se um que Lhe diz: Mestre, que hei-de fazer de bom para obter a vida eterna? 17Respondeu-lhe Ele: Porque Me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. l8Diz-Lhe: Quais? Jesus respondeu: Não matar, não adulterar, não roubar, não levantar falso testemunho, 19honrar pai e mãe e amar o próximo como a ti mesmo. 20Disse-Lhe o jovem: Tudo isso tenho eu observado desde a minha mocidade. Que me falta ainda? 21Respondeu-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro nos Céus. Depois, vem e segue-Me. 22O jovem, ao ouvir estas palavras, afastou-se triste, pois tinha muitos haveres.

Comentário

  1. A Vulgata e outras versões, apoiadas em bastantes códices gregos, esclarecem esta frase completando-a: «Um só é o bom. Deus».

20-22. «Que me falta ainda?»: O jovem guardava já os mandamentos necessários para a salvação. Mas há mais. Por isso o Senhor responde: «se queres ser perfeito…», isto é, se queres adquirir o que ainda te falta. Trata-se de um novo chamamento de Jesus: «Depois, vem e segue-Me…». Com estas palavras o Senhor manifesta que quer fazê-lo Seu «discípulo», e por isso lhe exige, como fez com os outros (cfr Mt 4,19-22), que abandone tudo o que possa ser obstáculo para uma plena dedicação ao Reino de Deus.

A cena termina de forma melancólica: o jovem afasta-se triste. O apego às suas coisas prevalece sobre o convite carinhoso de Jesus. É a tristeza que se segue à falta de coragem para responder à chamada do Senhor com a entrega pessoal.

Os evangelistas ao narrar este acontecimento transcendem o mero episódio para nos situarem diante de um caso tipo: descreve-se uma situação, formula-se uma lei: a da vocação divina, específica, para entregar-se ao Seu serviço e ao de todos os homens.

Este jovem ficou como figura do cristão a quem a sua mediocridade e a curteza de vista impedem de converter a sua vida numa entrega gozosa e fecunda ao serviço de Deus e do próximo.

Se tivesse sido suficientemente generoso para responder ao chamamento divino, que teria chegado a ser? Um grande apóstolo, sem dúvida.

16.08.2016 – Mt 19, 23-30

23Jesus disse então aos discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente cristas entrará no Reino dos Céus. 24Torno a dizer: É mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico no Reino de Deus.

25Os discípulos, ao ouvirem isto, ficaram muito admirados e diziam: Se é assim, quem se poderá salvar? 26Jesus fitou-os e disse: Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível. 27Então Pedro, tomando a palavra, disse-Lhe: Nós deixamos tudo e seguimos-Te; qual será, logo a nossa recom­pensa?

28E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que vós, os que Me tendes seguido, na regeneração, quando o Filho do homem Se sentar no Seu trono de glória, sentar-vos-eis vós sobre doze tronos, a julgar as doze tribos de Israel. 29E todo aquele que deixar casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou campos por causa do Meu nome, receberá cem por um e receberá em herança a vida eterna. 30Muitas vezes, porém, os primeiros serão os últimos e os últimos primeiros.

Comentário

24-26. Com esta comparação expõe Jesus a impossibi­lidade que têm de participar no Reino de Deus os que põem o seu coração nos bens deste mundo.

«A Deus tudo é possível»: Isto é, com a graça divina o homem pode ter a fortaleza e a generosidade suficientes para fazer das riquezas um instrumento de serviço a Deus e aos homens. Esta é a razão pela qual no capítulo 5 de São Mateus se precisa que são bem-aventurados os pobres de espírito (Mt 5, 3).

  1. Por «regeneração» entende-se aqui a renovação de todas as coisas quando Jesus Cristo vier para julgar os vivos e os mortos. Parte integrante desta renovação será a ressurrei­ção dos corpos.

O antigo povo de Deus, Israel, estava constituído por doze tribos. O novo Povo de Deus, que é a Igreja, a que estão chamados todos os homens, está fundada por Jesus Cristo sobre os Doze Apóstolos sob o primado de Pedro.

  1. 29. Encontramo-nos perante umas expressões muito gráficas que não devem ser atenuadas. É significado nelas que o amor a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho deve estar por cima de tudo. Estas frases não devem interpretar-se de forma contraditória com a Vontade do próprio Deus, que instituiu e santificou os laços familiares.

17.08.2016 – Mt 20, 2-16a

2E, tendo ajustado com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha. 3Saindo depois, cerca da terceira hora, viu outros que estavam na praça ociosos 4e disse-lhes: «Ide também vós para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for; justo». 5E eles foram. Tornando a sair, certa da hora sexta e da nona, fez na mesma. 6Enfim, cerca da undécima, saindo, encon­trou lá outros parados e disse-lhes: «Porque estais aqui todo o dia sem fazer nada?» 7Responderam-lhe: «Porque ninguém nos falou». Disse-lhes: «Ide também vós para a minha vinha». 8Ao anoitecer, diz o dono da vinha ao feitor: «Chama os trabalhadores e paga-lhes a jorna, a começar pelos últimos até aos primeiros». 9E, chegando-se os da undécima hora, receberam cada qual um dinheiro. 10Quando chegaram os primeiros, julgaram que receberiam mais, mas rece­beram também eles cada qual um dinheiro. 11E, ao recebê-lo, murmuravam contra o proprietário 12e diziam: «Estes últimos tra­balharam só uma hora e igualaste-los a nós que aguentamos o peso do dia e a calma!» 13Ele, porém, respondendo a um deles, disse: «Meu amigo, não te faço nenhuma injus­tiça? Não ajustaste comigo por um dinheiro? 14Toma o que é teu e vai-te. Quero dar a este último tanto como a ti. 15Ou não me será lícito fazer o que quero do que é meu? Serão maus os teus olhos porque eu sou bom?» 16Assim, os últimos serão primeiros e pri­meiros os últimos.

Comentário

1-16. A parábola refere-se directamente ao povo judaico. Deus chamou-o na primeira hora, desde há séculos. Ultimamente chamou também os gentios. Todos são chamados com o mesmo direito a fazer parte do novo Povo de Deus, que é a Igreja. Para todos o convite é gratuito. Por isso, os Judeus, que foram chamados primeiro, não teriam razão ao murmurar contra Deus pela escolha dos últimos, que têm o mesmo prêmio: fazer parte do Seu Povo. À primeira vista, o protesto dos jornaleiros da primeira hora parece justo. E parece-o, porque não compreendem que poder trabalhar na vinha do Senhor é um dom divino. Jesus deixa claro com a parábola que são diversos os caminhos pelos quais chama, mas que o prêmio é sempre o mesmo: o Céu.

  1. «Denario» era uma moeda de prata com inscrição e imagem de César Augusto (Mt 22,19-21) e, como se vê aqui, equivalia ao jornal de um operário agrícola.
  2. Os judeus calculavam o tempo de modo diferente ao nosso. Dividiam a totalidade do dia em oito partes, quatro para a noite, que chamavam vigílias (Lc 12,38), e quatro para o tempo compreendido entre o nascer e o pôr do sol, que chamavam horas: hora de prima, de tércia, de sextae de noa.

A hora de prima começava ao nascer do sol e terminava pelas nove; a de tércia abarcava até às doze; a de sexta até às três da tarde e a de noa até ao pôr do sol. Por isso a duração das horas de prima e de noa era instável: minguava durante o Outono e o Inverno, e crescia durante a Primavera e o Verão; ao invés acontecia com as vigílias primeira e quarta.

Convém notar que por vezes se contavam as horas intermédias como aparece no v. 6, onde se fala da hora undécima talvez para recalcar o pouco tempo que faltava já para o pôr do sol, fim do trabalho.

  1. A Vulgata, outras versões e bastantes códices gregos acrescentam: «Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos» (cfr Mt 22,14).

18.08.2016 – Mt 22, 1-14

E Jesus, continuando, tornou a falar-lhes em parábolas, e disse: 2O Reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho, 3e mandou os servos bodas chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir. 4Tornou a mandar outros servos com este recado: «Dizei aos convidados: Vede que o meu banquete está preparado, abatidos os meus novilhos e animais cevados, e tudo pronto. Vinde para as bodas.» 5Eles, porém, não fizeram caso e foram um para o seu campo, outro para o seu negócios; 6os outros lançaram mão dos servos, ultrajaram-nos e mataram-nos. 7O rei, encolerizado, enviou os seus exércitos 8Disse então aos servos: «As bodas estão preparadas, mas os convi­dados não eram dignos. 9Ide, pois, às encru­zilhadas dos caminhos e convidai quantos encontrardes.» 10Saíram os servos pelos caminhos e ajuntaram quantos encontraram, maus e bons, e encheu-se o salão de convivas. 11Entrando o rei, para ver os convivas, repa­rou num homem que não estava vestido com o traje de boda 12e disse-lhe: «Amigo, como entraste aqui sem o traje de boda?» Ele emudeceu. 13Disse então o rei aos ser­ventes: «Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes.» 14Pois muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

Comentário

1-14. Nesta parábola Jesus Cristo põe em realce a insistente Vontade de Deus Pai que chama todos os homens à salvação — o banquete que é o Reino dos Céus —, e a misteriosa malícia que se encerra na rejeição voluntária deste convite: tão grave, que merece um castigo definitivo. Diante da chamada de Deus à conversão, à aceitação da fé e das suas consequências, não há interesses humanos que se possam opor razoavelmente. Não admite desculpas.

Os Santos Padres viram nos primeiros convidados o povo judaico. Efectivamente, no curso da História da Salvação, Deus dirigiu-Se primeiro aos Israelitas, depois a todos os gentios (Act 13,46).

A repulsa da chamada amorosa de Deus por parte dos Israelitas, devida a indiferença ou a hostilidade, levou-os à perdição. Mas também os gentios devem corresponder fielmente à sua chamada para não serem arrojados «às trevas exteriores».

«As bodas, diz São Gregório Magno (In Evangelia homiliae, 36), são as bodas de Cristo com a Sua Igreja, e o traje é a virtude da caridade: entra portanto nas bodas, mas sem o vestido, quem tem fé na Igreja, mas não possui a caridade».

O traje de bodas indica, em geral, as disposições com que se há-de entrar no Reino dos Céus. Se alguém não as possui, mesmo pertencendo à Igreja, será condenado no dia em que Deus julgar cada um. Estas disposições são, em resumo, a correspondência à graça.

  1. O Concilio Vaticano II recorda a verdade dos novís­simos, um de cujos aspectos declara este versículo. Ao falar da índole escatológica da Igreja, invoca a advertência do Senhor de que estejamos vigilantes contra as arremetidas do demônio, para poder resistir no dia mau (cfr Eph 6, 11-13). «Mas, como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr Heb 9, 27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr Mt 25, 31 -46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cfr Mt 25, 26), no fogo eterno (cfr Mt 25, 41), nas trevas exteriores, onde ‘haverá choro e ranger de dentes’» (Lumen gentium, n. 48).
  2. Estas palavras não contradizem, de modo algum, a vontade salvífica universal de Deus (cfr 1Tim 2,4). Com efeito, Cristo, no Seu Amor pelos homens, busca a conversão de cada alma com infinita paciência, até ao extremo de morrer na cruz (cfr Mt 23, 37; Lc 15, 4-7). E a doutrina que ensina o apóstolo São Paulo, quando diz que Cristo nos amou e « Se entregou a Si mesmo por nós como oblação e vítima» (Eph 5, 2). Cada um de nós pode afirmar com o Apóstolo que Cristo «me amou e Se entregou a Si mesmo por mim» (Gal 2, 20). Não obstante, Deus, na Sua infinita sabedoria, respeita a liberdade do homem, que tem a tremenda possibilidade de rejeitar a graça (cfr Mt 7,13-14).

19.08.2016 – Mt 22, 34-40

34Mas os Fariseus, ao saberem que fizera calar os Saduceus, juntaram-se num corpo, 35e um deles, que era doutor da lei, para O tentar, interrogou-O: 36Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? 37Respondeu Ele: Ama o Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. 38Este é o maior e o primeiro mandamento. 39E o segundo é semelhante a este: Ama o teu próximo como a ti mesmo. 40 Destes dois mandamentos depende toda a Lei e os Profetas.

Comentário

34-40. Diante da pergunta, o Senhor põe em relevo que toda a Lei se condensa em dois mandamentos: o primeiro e mais importante consiste no amor incondicional a Deus; o segundo é consequência e efeito do primeiro: porque quando é amado o homem, diz São Tomás, é amado Deus já que o homem é imagem de Deus (cfr Comentário sobre S. Mateus, 22,4).

Quem ama deveras Deus ama também os seus iguais, porque verá neles os seus irmãos, filhos do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo: «Temos este mandamento de Deus: que o que ame a Deus ame também o seu irmão» (l Ioh 4, 21). Há, porém, um perigo: se amamos o homem pelo homem, sem referência a Deus, este amor converte-se em obstáculo que impede o cumprimento do primeiro preceito; e então deixa também de ser verdadeiro amor ao próximo. Mas o amor ao próximo por Deus é prova patente de que amamos a Deus: «se alguém diz: amo a Deus, mas despreza o seu irmão, é um mentiroso» (l Ioh 4,20).

«Amarás o teu próximo como a ti mesmo»: Estabelece aqui o Senhor que a medida prática do amor ao próximo há-de ser o amor a si mesmo; tanto o amor aos outros como o amor a si mesmo fundamentam-se no amor a Deus. Daí que, nuns casos, o amor de Deus exigirá pôr uma necessidade do próximo por diante da nossa e, noutros casos, não: depende do diverso valor que tenham, à luz do amor de Deus, os bens espirituais e materiais que estejam em jogo.

É evidente que os bens do espírito têm uma precedência absoluta sobre os bens materiais, inclusive o da própria vida. Daí que sempre há que salvar, antes de mais, os bens espirituais, quer sejam próprios ou do próximo. Quando se trata do supremo bem espiritual, que é a salvação da alma, de nenhum modo se pode correr o perigo certo de condenar-se para salvar outro, porque, dada a liberdade humana, nunca podemos estar seguros da decisão pessoal que possa tomar o próximo: é a situação que reflecte a parábola das virgens néscias e prudentes (cfr Mt 25, 1-13) ao negar-se estas a dar-lhes o azeite; no mesmo sentido diz São Paulo que se faria anátema para salvar os seus irmãos (cfr Rom 9, 3), numa frase condicional irreal. Não obstante, é claro que temos de fazer tudo o possível para salvar os nossos irmãos, conscientes de que quem contribui para que o pecador se converta do seu extravio salvar-se-á ele mesmo da morte eterna e cobrirá a multidão dos seus pecados (Iac 5, 20). De tudo isso se deduz que o próprio amor recto de si, fundado no Amor de Deus ao homem, traz como consequência as exigências radicais do esquecimento de si para amar a Deus e ao próximo por Deus.

37-38. O mandamento do amor é o mais o mel que ali há e não se serve delas senão para isto, assim também de todas as coisas que passam pela alma, com grande facilidade ela tira a doçura de amor que contém; que amar a Deus nelas, ora seja saboroso, ora desabrido, estando ela informada e amparada pelo amor como está, não o sente, nem o goza, nem o sabe, porque, como dissemos, a alma não sabe senão amor, e o seu gosto em todas as coisas e tratos, é sempre deleite de amor de Deus» (Cântico espiritual, canção 27).importante porque nele alcança o homem a sua perfeição (cfr Col 3, 14). «Quanto mais uma alma ama, escreve São João da Cruz, tanto mais perfeita é naquilo que ama; daí resulta que esta alma que já está perfeita, toda é amor e todas as suas acções são amor, e emprega todas as suas potências e riquezas em amar dando todas as suas coisas, como o sábio mercador (Mt 13, 46), por este tesouro de amor que achou escondido em Deus (…). Porque, assim como a abelha tira de todas as ervas

23.08.2016 – Mt 23, 1-12

Então Jesus falou assim ao povo e aos Seus discípulos: 2Na cadeira de Moisés, sentaram-se os Escribas e Fariseus. 3Fazei, portanto, e guardai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque dizem e não fazem. 4Atam cargas pesadas e incomportaveis e põem-nas às costas da gente, mas eles nem com o dedo as querem mover. 5Fazem todas as suas obras para serem vistos dos homens. Por isso alargam as filactérias e alongam as franjas. 6Cobiçam os primeiros lugares nos banquetes, as pri­meiras cadeiras nas sinagogas 7e as sauda­ções nas praças, e que os homens lhes chamem: «rabi». 8Vós, porém, não queirais que vos chamem « rabi», pois um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos. 9E não chameis a ninguém vosso «pai» sobre a terra, pois um só é o vosso Pai, o do Céu. 10Nem queirais que vos chamem «directores», porque um só é o vosso Director, Cristo. 11O maior entre vós seja vosso servidor, 12pois quem se exaltar a si mesmo, será humilhado, e quem a si mesmo se humilhar, será exaltado.

Comentário

1-39. Todo este capítulo é uma dura acusação contra os escribas e fariseus, ao mesmo tempo que mostra a dor e a compaixão de Jesus pelas gentes simples, mal conduzidas por aqueles, «mal tratadas e abatidas como ovelhas sem pastor» (Mt 9,36). No discurso podem distin­guir-se três partes: na primeira (vv. 1-12) denuncia os seus principais vícios e corrupções; na segunda (vv. 13-36) encara-se com eles e dirige-lhes os célebres «ais», que vêm a ser como o reverso das bem-aventuranças do capítulo quinto: impossível será entrar no Reino dos Céus — ou o seu contrário, escapar da condenação do fogo — a quem não mude radicalmente de atitude e de conduta; na terceira parte (vv. 37-39) está a queixa contra Jerusalém: Jesus sente intimamente dor pelos males que acarreta ao povo a cegueira orgulhosa e a dureza de coração dos escribas e fariseus.

2-3. Moisés entregou ao povo a Lei que tinha recebido de Deus. Os escribas, que pertenciam na sua maioria ao partido dos fariseus, tinham a seu cargo ensinar ao povo a Lei mosaica: por isso se dizia deles que estavam sentados na cátedra de Moisés. O Senhor reconhece a autoridade com que os escribas e fariseus ensinam, enquanto transmitem a Lei de Moisés; mas previne o povo e os Seus discípulos acerca deles, distinguindo entre a Lei que eles leem e ensinam nas sinagogas, e as interpretações práticas que eles mostram com a sua vida. Anos mais tarde São Paulo — fariseu, filho de fariseu —, manifestará acerca dos seus antigos colegas um juízo idêntico ao de Jesus: «Tu, porém, que ensinas outros, como não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve roubar, roubas? Tu, que dizes que não se deve cometer adultério, comete-lo? Tu, que abominas os ídolos, saqueias os templos? Tu, que te glorias na Lei, será que não desonras Deus ao transgredir a Lei? Pois, como diz a Escritura, por vossa culpa é blasfemado o nome de Deus entre os gentios» (Rom2,21-24).

  1. As filactérias eram fitas ou bandas em que escreviam palavras da Sagrada Escritura. Os israelitas punham-nas sobre a fronte e atadas aos braços. Para se distinguirem dos outros e parecer mais religiosos e observantes os fariseus levavam-nas mais largas. As franjas eram orlas de cor jacinto, postas nos remates das suas capas. Os fariseus em sinal de ostentação levavam-nas mais longas.

8-10. Jesus Cristo vem ensinar a Verdade; mais ainda, Ele é a Verdade (Ioh 14, 6). Daí a singularidade e o caracter único da sua condição de Mestre. «Toda a vida de Cristo foi um ensino contínuo: o Seu silêncio, os Seus milagres, os Seus gestos, a Sua oração, o Seu amor ao homem, a Sua predilecção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na Cruz pela salvação do mundo, a Sua Ressurreição são a actuação da Sua palavra e o cumprimento da revelação. De sorte que para os cristãos o Crucifixo é uma das imagens mais sublimes e populares de Jesus que ensina.

«Estas considerações, que estão na linha das grandes tradições da Igreja, reafirmam em nós o fervor por Cristo, o Mestre que revela Deus aos homens e o homem a si mesmo; o Mestre que salva, santifica e guia, que está vivo, que fala, que exige, que comove, que orienta, julga, perdoa, caminha diariamente connosco na história; o Mestre que vem e virá na glória» (Catechesi tradendae, n. 9).

  1. Perante a apetência de honras que mostravam os fariseus, o Senhor insiste em que toda a autoridade, e com mais razão se é religiosa, deve ser exercida como um serviço aos outros. E, como tal, não pode ser instrumentalizada para satisfazer a vaidade ou a avareza pessoais. O ensino de Cristo é absolutamente claro: «O maior entre vós seja vosso servidor».
  2. O espírito de orgulho e de ambição é incompatível com a condição de discípulo de Cristo. Com estas palavras o Senhor insiste na exigência da verdadeira humildade, como condição imprescindível para O seguir. Os verbos em voz passiva «será humilhado» e «será exaltado» têm como sujeito agente a Deus: Ele mesmo humilhará os soberbos e exaltará os humildes. Neste sentido a Epístola de São Tiago ensina que «Deus resiste aos soberbos e dá a Sua graça aos humildes» (lac 4, 6). E no cântico do Magnificat, a Virgem Santíssima exclama que o Senhor «derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes» (Lc 1,52).

21.08.2016 – Lc 1, 39-56

39Por aqueles dias, pôs-se Maria a caminho e dirigiu-se à pressa para a serra, em direcção a uma cidade de Judá. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, saltou-lhe o menino no seio; Isabel ficou cheia do Espírito Santo 42e, erguendo a voz, num grande brado, exclamou: Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a Mãe. do meu Senhor? 44Pois, logo que me chegou aos ouvidos o eco da tua saudação, saltou de alegria o menino no meu seio. 45Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor!

46Maria disse então: «A minha alma enaltece ao Senhor, 47e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, 48porque olhou para a humilde condição da sua serva. De facto, desde agora, me hão-de chamar ditosa todas as gerações, 49porque me fez grandes coisas o Omnipotente. E santo o Seu Nome, 50e a Sua misericórdia vai de geração em geração para aqueles que O temem. 51Exerceu a força com o Seu braço, dispersou os que se elevavam no seu próprio conceito.

52Derrubou os poderosos de seus tronos, e exaltou os humildes. 53Encheu de bens os famintos, e aos ricos despediu-os sem nada. 54Tornou a Seu cuidado Israel, Seu servo, recordando a Sua misericórdia 55conforme tinha dito a nossos pais em favor de Abraão e sua descendência, para sempre».

56Ficou Maria com Isabel uns três meses, voltando depois para sua casa.

Comentário

39-56. Contemplamos este episódio da visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel no segundo mistério gozoso do santo Rosário: «(…) Acompanha alegremente José e Santa Maria… e ficarás a par das tradições da Casa de David. (…) Caminhamos apressadamente em direcção às montanhas, até uma aldeia da tribo de Judá (Lc 1,39).

«Chegamos. — É a casa onde vai nascer João Baptista. — Isabel aclama, agradecida, a Mãe do Redentor: Bendita és tu entre todas as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! — A que devo eu tamanho bem, que venha visitar-me a Mãe do meu Senhor? (Lc 1, 42-43).

«O Baptista, ainda por nascer, estremece… (Lc 1,41). A humildade de Maria derrama-se no Magnificat… — E tu e eu, que somos — que éramos — uns soberbos, prometemos ser humildes» (Santo Rosário, segundo mistério gozoso).

  1. Nossa Senhora ao conhecer pela revelação do anjo a necessidade em que se achava a sua prima Santa Isabel, próxima já do parto, apressa-se a prestar-lhe ajuda, movida pela caridade. A Santíssima Virgem não repara em dificuldades. Embora não saibamos o lugar exacto onde se achava Isabel (hoje supõe-se que é Ayn Karim), em qualquer caso o trajecto desde Nazaré até à montanha da Judeia supunha na antiguidade uma viagem de quatro dias.

Este facto da vida da Santíssima Virgem tem um claro ensinamento para os cristãos: devemos aprender d’Ela a solicitude pelos outros. «Não podemos conviver filialmente com Maria e pensar apenas em nós mesmos, nos nossos problemas. Não se pode tratar com a Virgem e ter, egoisticamente, problemas pessoais» (Cristo que passa, n° 145).

  1. 42. Comenta São Beda que Isabel bendiz Maria com as mesmas palavras usadas pelo Arcanjo «para que se veja que deve ser honrada pelos anjos e pelos homens e que com razão se deve antepor a todas as mulheres» (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.). Na recitação da Ave Maria repetimos estas saudações divinas com as quais «nos alegramos com Maria Santíssima pela sua excelsa dignidade de Mãe de Deus e bendizemos o Senhor e agradecemos-Lhe ter-nos dado Jesus Cristo por meio de Maria» (Catecismo Maior, n° 333).
  2. Isabel, ao chamar a Maria «mãe do meu Senhor», movida pelo Espírito Santo, manifesta que a Virgem Santíssima é Mãe de Deus.
  3. São João Baptista, ainda que tenha sido concebido em pecado — o pecado original — como os outros homens, todavia, nasceu sem ele, porque foi santificado nas entranha» de sua mãe Santa Isabel pela presença de Jesus Cristo (então no seio de Maria) e da Santíssima Viagem. Ao receber este benefício divino São João manifesta a sua alegria saltando de gozo no seio materno. Estes factos foram o cumprimento da profecia do arcanjo São Gabriel (cfr Lc 1,15).

São João Crisóstomo admirava-se na contemplação desta cena do Evangelho: «Vede que novo e admirável é este mistério. Ainda não saiu do seio e já fala mediante saltos; ainda não lhe é permitido clamar e já é escutado pelos factos (…); ainda não vê a luz e já indica qual é o Sol; ainda não nasceu e já se apressa a fazer de Precursor. Estando presente o Senhor não se pode conter nem suporta esperar o» prazos da natureza, mas procura romper o cárcere do seio materno e busca dar testemunho de que o Salvador está prestes a chegar» (Sermo apud Metaphr., mense Júlio).

  1. Adiantando-se ao coro de todas as gerações vin­douras, Isabel, movida pelo Espírito Santo, proclama bem-aventurada a Mãe do Senhor e louva a sua fé. Não houve fé como a de Maria; n’Ela temos o modelo mais acabado de quais devem ser as disposições da criatura diante do seu criador: submissão completa, acatamento pleno. Com a sua fé, Maria é o instrumento escolhido pelo Senhor para levar a cabo a Redenção como Mediadora universal de todas as graças. Com efeito, a Santíssima Virgem está associada à obra redentora de seu Filho: «Esta associação da mãe com o Filho na obra da Salvação, manifesta-se desde a conceição virginal de Cristo até à Sua morte. Primeiro, quando Maria, tendo partido solicitamente para visitar Isabel, foi por ela chamada bem-aventurada, por causa da fé com que acreditara na salvação prometida, e o precursor exultou no seio de sua mãe (…). Assim avançou a Virgem pelo caminho dá fé, mantendo fielmente a união com o seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr Ioh 19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d’Ela nascera» (Lúmen gentium, nn. 57-58).

O novo texto latino recolhe de modo literal o original grego ao dizer «quae crédidit», em vez de «quae credidisti», como fazia a Vulgata, que neste caso é mais fiel ao sentido que à letra. Assim traduzem a maioria dos autores e assim traduzimos nós: «Feliz daquela que acreditou».

46-55. O cântico Magnificat que Nossa Senhora pronuncia em casa de Zacarias é de uma singular beleza poética. Evoca alguns passos do Antigo Testamento que a Virgem Santíssima tinha meditado (recorda especialmente 1Sam 2,1-10).

Neste cântico podem distinguir-se três estrofes: na pri­meira (vv. 46-50) Maria glorifica a Deus por a ter feito Mãe do Salvador, faz ver o motivo pelo qual a chamarão bem-aven­turada todas as gerações e mostra como no mistério da Encarnação se manifestam o poder, a santidade e a miseri­córdia de Deus. Na segunda (vv. 51-53) a Virgem Santíssima ensina-nos como em todo o tempo o Senhor teve predilecção pelos humildes, resistindo aos soberbos e arrogantes. Na terceira (vv. 54-55) proclama que Deus, segundo a Sua promessa, teve sempre especial cuidado do povo escolhido, ao qual vai dar o maior título de .glória: a Encarnação de Jesus Cristo, judeu segundo a carne (cfr Rom 1,3).

«A nossa oração pode acompanhar e imitar essa oração de Maria. Tal como Ela, sentiremos o desejo de cantar, de proclamar as maravilhas de Deus, para que a Humanidade inteira e todos os seres participem da nossa felicidade». (Cristo que passa, n° 144).

46-47. «Os primeiros frutos do Espírito Santo são a paz e a alegria. E a Santíssima Virgem tinha reunido em si toda a graça do Espírito Santo…» (In Psalmos homiliae, in Ps 32). Os sentimentos da alma de Maria derramam-se no Magnificat. A alma humilde diante dos favores de Deus sente-se movida ao gozo e ao agradecimento. Na Santíssima Virgem o benefício divino ultrapassa toda a graça concedida a qual­quer criatura. «Virgem Mãe de Deus, o que não cabe nos Céus, feito homem, encerrou-Se no teu seio» (Antífona da Missa do Comum das. festas de Santa Maria). A Virgem humilde de Nazaré vai ser a Mãe de Deus; jamais a omnipotência do Criador se manifestou de um modo tão pleno. E o Coração de Nossa Senhora manifesta de modo desbordante a sua gratidão e a sua alegria.

48-49. Diante desta manifestação de humildade de Nossa Senhora, exclama São Beda: «Convinha, pois, que assim como tinha entrado a morte no mundo pela soberba dos nossos primeiros pais, se manifestasse a entrada da Vida pela humildade de Maria» (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.).

«Que grande é o valor da humildade! — ‘Quia respexit humilitatem…’. Acima da fé, da caridade, da pureza ima­culada, reza o hino jubiloso da nossa Mãe em casa de Zacarias:

«’Porque viu a minha humildade, eis que por isto me chamarão bem-aventurada todas as gerações’» (Caminho, n° 598).

Deus premeia a humildade da Virgem Santíssima com o reconhecimento por parte de todos os homens da sua grandeza: «Me hão-de chamar ditosa todas as gerações». Isto cumpre-se sempre que alguém pronuncia as pala­vras da Ave Maria. Este clamor de louvor à Nossa Mãe é ininterrupto em toda a terra. O Concilio Vaticano II recorda estas palavras da Virgem Santíssima ao falar-nos do culto a Nossa Senhora: «Desde os tempos mais antigos a Santíssima Virgem é honrada com o título de ‘Mãe de Deus’, e sob a sua protecção se acolhem os fiéis, em todos os perigos e necessi­dades. Foi sobretudo a partir do Concilio de Éfeso que o culto do Povo de Deus para com Maria cresceu admiravelmente, na veneração e no amor, na invocação e na imitação, segundo as suas proféticas palavras: ‘Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada, porque realizou em mim grandes coisas Aquele que é poderoso’» (Lumen gentium, n. 66).

  1. «A sua misericórdia vai de geração em geração». Estas palavras, «já desde o momento da Encarnação, abrem nova perspectiva da história da salvação. Após a ressurreição de Cristo, esta nova perspectiva passa para ó plano histórico e, ao mesmo tempo, reveste-se de sentido escatológico novo. Desde então sucedem-se sempre novas gerações de homens na imensa família humana, em dimensões sempre crescen­tes; sucedem-se também novas gerações do Povo de Deus, assinaladas pelo sinal da Cruz e da Ressurreição e ‘seladas’ com o sinal do mistério pascal de Cristo, revelação absoluta daquela misericórdia que Maria proclamou à entrada da casa da sua parente: ‘A sua misericórdia estende-se de geração em geração’ (…).

«Maria, portanto, é aquela que conhece mais profunda­mente o mistério da misericórdia divina. Conhece o seu preço e sabe quanto é elevado. Neste sentido chamamos-lhe Mãe da misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia, ou Mãe da divina misericórdia. Em cada um destes títulos há um profundo significado teológico, porque exprimem a particular preparação da sua alma e de toda a sua pessoa, para torná-la capaz de descobrir, primeiro, através dos complexos acontecimentos de Israel e, depois, daqueles que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade inteira, a misericórdia da qual todos se tornam participantes, segundo o eterno desígnio da Santíssima Trindade, ‘de geração em geração’» (Dives in misericórdia, n. 9).

  1. «Os que se elevavam no seu próprio conceito»: São os que querem aparecer como superiores aos outros, a quem desprezam. E também alude à condição daqueles que na sua arrogância projectam planos de ordenação da sociedade e do mundo de costas ou contra a Lei de Deus. Embora possa parecer que de momento têm êxito, no fim cumprem-se estas palavras do cântico da Virgem Santíssima, pois Deus disper­sá-los-á como já fez com os que tentaram edificar a torre de Babel, que pretendiam chegasse até ao Céu (cfr Gen 11,4).

«Quando o orgulho se apodera da alma, não é estranho que atrás dele, como pela arreata, venham todos os vícios: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça. O soberbo procura inutilmente arrancar Deus — que é misericordioso com todas as criaturas — do Seu trono para se colocar lá ele, que actua com entranhas de crueldade.

«Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior dos pecados e o mais ridículo. (…) A soberba é desagradável, mesmo humanamente, porque o que se considera superior a todos e a tudo está continua­mente a contemplar-se a si mesmo e a desprezar os outros, que lhe pagam na mesma moeda, rindo-se da sua fatuidade» (Amigos de Deus, n° 100).

  1. Esta Providência divina manifestou-se muitíssimas vezes ao longo da História. Assim, Deus alimentou com o maná o povo de Israel na sua peregrinação pelo deserto durante quarenta anos (Ex 16,4-35); igualmente Elias por meio de um anjo (1Reg 19, 5-8); Daniel no fosso dos leões (Dan 14,31-40); a viúva de Sarepta com o azeite que miraculosamente não se esgotava (1Reg 17,8 ss.). Assim também culminou as ânsias de santidade da Virgem Santíssima com a Encarnação do Verbo.

Deus tinha alimentado com a Sua Lei e a pregação dos Seus Profetas o povo eleito, mas o resto da humanidade sentia a necessidade da palavra de Deus. Agora, com a Encarnação do Verbo, Deus satisfaz a indigência da humani­dade inteira. Serão os humildes que acolherão este oferecimento de Deus; os autossuficientes, ao não desejarem os bens divinos, ficarão privados deles (cfr In P salmos homiliae in Ps 33).

  1. Deus conduziu o povo israelita como uma criança, como Seu filho a quem amava ternamente: «Yahwéh, teu Deus, conduziu-te por todo o caminho que tendes percorrido, como um homem conduz o seu filho…» (Dt 1,31). Isto fê-lo Deus muitas vezes, valendo-se de Moisés, de Josué, de Samuel, de David, etc., e agora conduz o Seu povo de maneira definitiva enviando o Messias. A origem última deste proceder divino é a grande misericórdia de Deus que Se compadeceu da miséria de Israel e de todo o gênero humano.
  2. A misericórdia de Deus foi prometida desde tempos antigos aos Patriarcas. Assim, a Adão (Gen 3,15), a Abraão (Gen 22,18), a David (2 Sam 7,12), etc. A Encarnação de Cristo tinha sido preparada e decretada por Deus desde a eternidade para a salvação da humanidade inteira. Tal é o amor que Deus tem aos homens; o próprio Filho de Deus Encarnado o declarará: «De facto, Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu o Seu Filho Unigênito, para que todo o que n’Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna» (Ioh3,16).

22.08.2016 – Mt 23, 13-22

13Ai de vós, Escribas e Fariseus hipócritas, que fechais aos homens o Reino dos Céus, pois que nem vós entrais nem deixais que entrem os que já iam a entrar. 14Ai de vós, Escribas e Fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de longas orações. Por isso recebereis maior conde­nação. 15Ai de vós, Escribas e Fariseus hipó­critas, que correis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de feito, tornai-lo filho da Geena, duas vezes pior do que vós.

16Ai de vós, guias cegos, que dizeis: «Jurar pelo santuário não é nada; mas quem jurar pelo oiro do santuário, fica obrigado.» 17Insensatos e cegos! Pois qual é mais: o oiro, ou o santuário, que santifica o oiro? 18E: «Jurar pelo altar, não é nada; mas quem jurar pela oferenda que está sobre ele, fica obrigado.» l9Cegos! Qual é mais, a oferenda, ou o altar, que santifica a oferenda? 20A verdade é que quem jura pelo altar jura por ele e por todas as coisas que estão sobre ele. 21E quem jura pelo santuário jura por ele e por Aquele que nele habita. 22E quem jura pelo Céu jura pelo trono de Deus e por Aquele que nele está sentado.

Comentário

  1. Começam aqui as invectivas do Senhor contra o comportamento de escribas e fariseus. Estas queixas marcadas pela palavra ai! incluem a rejeição de um passado cheio de más acções e uma ameaça para o futuro, se não há conversão e arrependimento.
  2. Muitos manuscritos, por influxo de Mc 12,40 e Lc 20, 47, acrescentam o v. 14: «Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, sob o pretexto de longas orações! Por isso recebereis maior condenação». Com estas palavras o Senhor não reprova os fariseus por rezarem longas orações, mas pela sua hipocrisia e cobiça. Os fariseus, na verdade, através de muitas práticas externas de religião, procuravam ser considerados como homens de piedade, para se aproveitarem depois desta reputação diante das pessoas débeis, como eram as viúvas. Estas encomen­davam-se às suas rezas, e eles, em troca, pediam muitas esmolas. Jesus quer indicar com esta afirmação que a oração deve vir sempre de um coração recto e de um espírito generoso. Vejam-se as notas a Mt 6,5-8.
  3. Com a palavra «prosélito» designavam-se os pagãos que se convertiam ao judaísmo. Prosélito — segundo a sua raiz — indica « o que vem », o que se une por um chamamento de Deus ao povo escolhido, vindo da idolatria. Os fariseus não se poupavam a esforços para ganhar uma nova conversão. Nosso Senhor não os reprova pelo seu proselitismo, mas por se preocuparem exclusivamente por ter um êxito humano, por motivos de vangloria.

A desgraça destes prosélitos era que, tendo recebido a luz da revelação do Antigo Testamento, ficavam, todavia, nas mãos dos escribas e fariseus, que os imbuíam também da sua própria visão humana.

  1. A doutrina de Nosso Senhor sobre o juramento está exposta no Sermão da Montanha (Mt 5,33-37). Jesus elimina a casuística minuciosa dos fariseus para apontar directamente para a rectidão de intenção do que jura e para realçar a majestade e a dignidade de Deus. O que pede Jesus é um coração puro, sem engano.

O Senhor repreende sobretudo a atitude de desvirtuar o juramento, que tinham os doutores da Lei, faltando com isso ao respeito pelas coisas sagradas e, principalmente, pelo Nome Santo de Deus. Jesus chama a atenção, portanto, sobre o preceito da Lei: «Não tomaras em vão o nome do Senhor, teu Deus» (Ex 20, 7; Lev 19,12; Dt 5,11).

23.08.2016 – Mt 13, 44-46

44O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo; o homem que o encontrou, esconde-o e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.

45E também semelhante o Reino dos Céus a um negociante que procura pérolas finas. 46Tendo encontrado uma de grande preço, vendeu tudo o que tinha e comprou-a.

Comentário

44-46. Com duas parábolas apresenta Jesus o valor supremo do Reino dos Céus e a atitude do homem para o alcançar. Mesmo sendo muito parecidas entre si, apresentam diferenças dignas de nota: o tesouro significa a abundância de dons; a pérola, a beleza do Reino. O tesouro apresenta-se de repente, a pérola supõe, pelo contrário, uma busca esforçada; mas em ambos os casos o que encontra fica inundado de um profundo gozo. Assim é a fé, a vocação, a verdadeira sabedoria, «o desejo do céu»: por vezes, apre­senta-se de modo inesperado, outras segue-se a uma intensa busca (cfr In Evangelia homiliae, 11). Não obstante, a atitude do homem é idêntica em ambas as parábolas e está descrita com os mesmos termos: «vai e vende tudo quanto tem e compra-a»: o desprendimento, a generosidade, é condição indispensável para o alcançar.

«Quem compreende o reino que Cristo propõe, reconhece que vale a pena jogar tudo para o conseguir (…). O reino dos Céus é uma conquista difícil, e ninguém tem a certeza de o alcançar, embora o clamor humilde do homem arrependido consiga que se abram as suas portas de par em par» (Cristo que passa, nº180).

24.08.2016 – Jo 1, 45-51

45Encontra Filipe a Natanael e diz-lhe: Aquele de quem Moisés escreveu na Lei, bem como os profetas, aca­bamos de encontrá-Lo. É Jesus de Nazaré, filho de José. 46Diz-lhe Natanael: De Nazaré pode vir alguma coisa boa? Vem ver — res­ponde-lhe Filipe.

47Jesus, vendo Natanael, que vinha ao Seu encontro, diz acerca dele: Aí está um autên­tico israelita, em quem não há fingimento! 48Diz-Lhe Natanael: Donde me conheces? Respondeu-lhe Jesus, dizendo: Antes de Fi­lipe te haver chamado, quando estavas de­baixo da figueira, Eu vi-te! 49Volveu-Lhe Natanael: Rabi, Tu és o Filho de Deus, Tu és o Rei de Israel. 50Retorquiu-lhe Jesus, nestes termos: Porque te disse: «Eu vi-te debaixo da figueira», acreditas? Verás coisas maiores do que estas. 51E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo: Heis-de ver o Céu aberto e os Anjos de Deus subir e descer por sobre o Filho do homem.

Comentário

45-51. O apóstolo Filipe não pode deixar de transmitir ao seu amigo Natanael (Bartolomeu) a alegria da sua desco­berta, cheio de emoção (v. 45). «Natanael (…) tinha ouvido pelas Escrituras que o Cristo devia vir de Belém, da aldeia de David. Assim o criam os judeus e o tinha anunciado, tempo atrás, o profeta: ‘E tu, Belém, não és certamente a menor entre as principais cidades de Judá; pois de ti sairá um chefe, que apascentará o Meu povo, Israel’ (Mich 5,2). Portanto, ao escutar que provinha de Nazaré turvou-se e duvidou por não ver como compaginar as palavras de Filipe com a predição profética» (Hom. sobre S. João, 20,1).

Pense o cristão que ao transmitir a sua fé a outros, estes podem apresentar-lhe dificuldades. Que deve fazer? O que fez Filipe: não confiar nas suas próprias explicações, mas convidá-los a vir pessoalmente até Jesus: «Vem ver» (v. 46). O cristão, pois, deve pôr os seus irmãos os homens diante do Senhor através dos meios da graça que Ele próprio deu e a Igreja administra: freqüência de Sacramentos e prática da piedade cristã.

Natanael, homem sincero (v. 47), acompanha Filipe até Jesus. Estabelece-se o contacto pessoal com o Senhor (v. 48). E o resultado é a fé do novo discípulo, fruto do seu bom acolhimento da graça, que lhe chega através da Humani­dade de Cristo (v. 49).

Segundo podemos deduzir dos Evangelhos, Natanael é o primeiro Apóstolo que faz uma confissão explícita de fé em Jesus como Messias e como Filho de Deus. Mais tarde São Pedro, de modo mais solene, reconhecerá a divindade do Senhor (cfr Mt 16,16). Aqui (v. 51) Jesus evoca um texto de Daniel (7,13) para confirmar e dar profundidade às palavras que pronunciou o novo discípulo.

 

25.08.2016 – Mt 24, 42-51

42Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.43Notai, porém, uma coisa: Se o pai de família soubesse em que quarto da noite havia de vir o ladrão, estaria alerta e não deixaria arrombar a sua casa. 44Por isso, estai vós também preparados, porque, na hora em que menos o pensais, virá o Filho do homem.

45Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o Senhor pôs à frente da sua criadagem, para lhe dar de comer a seu tempo? 46Ditoso daquele servo, a quem o Senhor, quanto vier, encontrar procedendo assim! Em verdade vos digo que o fará superintendente de todos os seus haveres. 48Mas se aquele mau servo disser de si para consigo: «o meu senhor ainda tarda», 49e começar a espancar os companheiros, e a comer e a beber com os ébrios, 50virá o senhor do tal servo, no dia em que não espera, e na hora que não sabe, 51e parti-lo-á em dois, e dar-lhe-á a sorte dos hipócritas. Aí haverá choro e ranger de dentes. tendente de todos os seus haveres. 48Mas se aquele mau servo disser de si para consigo: «o meu senhor ainda tarda», 49e começar a espancar os companheiros, e a comer e a beber com os ébrios, 50virá o senhor do tal servo, no dia em que não espera, e na hora que não sabe, 51e parti-lo-á em dois, e dar-lhe-á a sorte dos hipócritas. Aí haverá choro e ranger de dentes.

Comentário

  1. A consequência que tira o próprio Jesus Cristo desta revelação sobre as coisas futuras é que o cristão deve viver vigilante cada dia como se fosse o último da sua vida.

O importante não é elocubrar acerca de quando e como serão esses acontecimentos últimos, mas viver de tal forma que nos encontrem na graça de Deus.

  1. «Dar-lhe-á o maior castigo»: Literalmente «parti-lo-á em dois»; pode entender-se, metaforicamente, «arrojá-lo-á de si». «Pranto e ranger de dentes»: As penas do inferno.

26.08.2016 – Mt 25, 1-13

Então será semelhante o Reino dos Céus a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. Cinco delas eram loucas e cinco prudentes. 3 As loucas, tomando as lâmpadas, não tomaram consigo azeite. 4As prudentes, porém, tomaram azeite nas almotolias, junta­mente com as lâmpadas. 5Ora, como o esposo tardasse, começaram todas a cabecear e adormeceram. 6À meia-noite, ouviu-se um clamor: « Aí vem o esposo, saí-lhe ao encontro». 7Então todas aquelas virgens se levantaram e aprontaram as lâmpadas. 8As loucas, porém, disseram às prudentes: «Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se». 9Responderam as prudentes: «Não seja caso que não chegue para nós e para vós, ide antes comprá-lo aos vendeiros ». 10Enquanto o iam comprar, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. 11Por fim, chegam também as outras virgens e dizem: «Senhor, Senhor, abre-nos!» 12Mas ele respondeu: «Em verdade vos digo que não vos conheço». 13Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora.

Comentário

1-46. Todo o capítulo 25 é uma aplicação prática da doutrina do capítulo 24. Jesus Cristo, com a parábola das virgens, a dos talentos e os ensinamentos sobre o Juízo Final, volta a insistir sobre a doutrina da vigilância (cfr nota a Mt 24, 42). Neste sentido, todo o capítulo 25 é também uma luz poderosa que se projecta sobre o capítulo 24.

1-13. O ensinamento principal da parábola é a exortação à vigilância: na prática é ter a luz da fé, que se mantém viva com o azeite da caridade. Entre os Hebreus as bodas celebravam-se em casa do pai da desposada. As virgens são as jovens não casadas, damas de honra da noiva, que esperam em casa desta a vinda do esposo. A atenção da parábola centra-se na atitude que se deve adoptar até à chegada do esposo. Com efeito, não é suficiente saber-se dentro do Reino, a Igreja, mas é preciso estar vigilantes e prevenir com boas obras a vinda de Cristo.

Essa vigilância há-de ser contínua, perseverante, porque contínuo é o ataque do demônio que, «como leão rugidor, vagueia à busca de quem devorar» (1Pet 5, 8). «Vela com ó coração, vela com a fé, com a caridade, com as obras (…); prepara as lâmpadas, cuida de que não se apaguem (…), alimenta-as com o azeite interior de uma recta consciência; permanece unido ao Esposo pelo Amor, para que Ele te introduza na sala do banquete, onde a tua lâmpada nunca se extinguira» (S. Agostinho, Sermo 93).

27.08.2016 – Mt 25, 14-30

14Com efeito, é como um homem que ao empreender uma viagem chamou os servos e lhes entregou os próprios bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual segundo a sua capacidade, e partiu. 16O que recebera cinco talentos foi logo negociar com eles e lucrou outros cinco. 17Do mesmo modo, o que recebera dois lucrou, também ele, outros dois. 18Mas o que recebera um só, foi abrir uma cova na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e chamou-os a contas. 20O que rece­bera cinco talentos chegou, apresentou outros cinco talentos e disse: «Senhor, cinco talentos me entregaste, aqui estão outros cinco que eu ganhei».21 Respondeu-lhe o senhor: «Muito bem! Servo bom e fiel! Foste fiel em coisas de pouca monta, dar-te-ei a superintendência de coisas grandes. Entra no gozo do teu Senhor.» 22Chegou também o que recebera dois talentos e disse: «Senhor dois talentos me entregaste, aqui estão outros dois que eu ganhei.» 23Disse-lhe o senhor: «Muito bem! Servo bom e fiel! Foste fiel em coisas de pouca monta, dar-te-ei a superintendência de coisas grandes. Entra no gozo do teu Senhor.» 24Chegou também o que tinha recebido um só talento e disse: «Senhor, eu sabia que és homem duro, que ceifas onde não semeaste, e recolhes donde não espalhastes. 25Com medo fui esconder o teu talento na terra. Aqui tens o que é teu». 26Respondeu-lhe o senhor: «Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho donde não espalhei? 27Por isso mesmo devias dar o meu dinheiro aos banqueiros e eu, quando voltasse, receberia o que era meu com os juros. 28Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque a todo aquele que tem, dar-se-lhe-á e terá em abundância; ao que não tem, ainda o que tem lhe será tirado. 30Quanto a esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes».

Comentário

14-30. O talento não era propriamente uma moeda, mas uma unidade contável”, que equivalia aproximadamente a uns cincoenta quilos de prata.

Nesta parábola o Senhor ensina-nos principalmente a necessidade de corresponder à graça de uma maneira esforçada, exigente e constante durante toda a vida. Importa fazer render todos os dons de natureza e de graça recebidos do Senhor. O importante não é o número, mas a generosidade para os fazer frutificar.

A vocação cristã não se pode esconder, nem esterilizar, deve ser comunicativa, apostólica, entregada. «Não percas a tua eficácia, aniquila, pelo contrário o teu egoísmo. A tua vida para ti? A tua vida para Deus, para o bem de todos os homens, por amor ao Senhor. Desenterra esse talento! Torna-o produtivo» (Amigos de Deus, nº 47).

A um fiel cristão corrente não pode passar-lhe desper­cebido o facto de que Jesus tenha querido explicar a doutrina da correspondência à graça servindo-se como figura do trabalho profissional dos homens. Não é isto recordar-nos que a vocação cristã se dá no meio das ocupações ordinárias da vida? «Há uma única vida. feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser — na alma e no corpo — santa e cheia de Deus, deste Deus invisível, que nós encontramos nas coisas mais visíveis e materiais. Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida corrente, ou nunca O encontraremos» (Temas Actuais do Cristianismo, nº 114).

28.08.2016 – Lc 14, 1.7-14

Tendo ido, a um sábado, a casa de um dos principais dos Fariseus tomar uma refeição, Ia estavam estes a observa-Lo de perto.

7Notando, então, como escolhiam os primeiros lugares, propôs uma parábola aos convivas, dizendo-lhes: 8Quando alguém te convidar para um banquete nupcial, não ocupes o primeiro lugar, não tenha sido, por ele, convidado um mais digno do que tu, 9e venha quem te convidou a ti e ao outro e te diga: «dá o lugar a este»: passarias então a ocupar, envergonhado, o último lugar. 10Mas, quando fores convidado, vai pôr-te no último lugar, e assim, quando vier o que te con­vidou, dir-te-á: «Amigo, chega-te mais para cima». Ficarás então honrado aos olhos de todos os que estiverem contigo à mesa; 11por­que todo aquele que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado.

12Dizia também ao que O tinha convidado: Quando deres um almoço ou um jantar, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os vizinhos ricos, não vão eles também convidar-te por sua vez, e tenhas uma retribuição. l3Mas, quando deres um banquete, convida os pobres, os estropiados, os coxos, os cegos. 14E serás feliz por eles não terem com que retribuir-te, pois ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.

Comentário

  1. A humildade é tão necessária para a salvação que Jesus aproveita qualquer circunstância para o pôr em relevo. Aqui serve-se das atitudes que observa entre os assistentes àquele banquete para insistir de novo que no banquete celeste é Deus quem nos designa o lugar. «A consciência da grandeza da dignidade humana — de um modo eminente e inefável, pois fomos, pela acção da graça, constituídos filhos de Deus — é no cristão uma só coisa com a humildade, visto que não são as nossas forças que nos salvam e nos dão a vida, mas o favor divino. É uma verdade que nunca se pode esquecer» (Cristo que passa, n° 133).
  2. O cristão move-se no mundo como uma pessoa corrente; mas o fundamento do convívio com os seus semelhantes não pode ser nem a recompensa humana nem a vangloria; deve buscar, antes de mais, a glória de Deus, sem pretender outra recompensa que a do Céu (cfr Lc 6,32-34).

29.08.2016 – Mc 6, 17-29

17De facto, Herodes mandara prender a João e pusera-o a ferros numa prisão por causa de Herodiade, mulher de seu irmão

Filipe, com a qual tinha casado. 18Porque João dizia a Herodes: Não te é lícito ter a mulher de teu irmão. 19Herodíade perseguia-o e queria fazê-lo condenar à morte, mas não podia. 20É que Herodes, sabendo que João era homem justo e santo, temia-o e protegia-o e, quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com prazer. 21Chegou enfim um dia favorável, quando Herodes, no seu aniversário natalício, deu um banquete aos grandes da sua corte e aos oficiais e aos principais da Galileia. 22A filha da mesma Herodíade apresentou-se a dançar e agradou a Herodes e aos convivas, tanto que o rei disse à moça: Pede-me o que quiseres e dar-to-ei. 23E jurou-lhe: Tudo o que me pedires te darei, ainda que seja metade do meu reino. 24Ela saiu a perguntar à mãe: Que hei-de pedir? Respondeu-lhe: A cabeça de João Baptista. 25Voltou ela, a correr, à pre­sença do rei e fez-lhe assim o pedido: Quero que me dês agora mesmo, num prato, a cabeça de João Baptista. 26Entristeceu-se muito o rei, mas, por causa do juramento e dos convivas, não quis faltar-lhe à palavra. 27E logo o rei mandou um guarda com ordem de trazer a cabeça dele. Este foi e decapitou-o no cárcere; 28e trouxe a cabeça num prato e deu-a à moça, e a moça deu-a à mãe. 29Ao saberem disso, os seus discípulos vieram e levaram o corpo e depuseram-no num sepulcro.

Comentário

16-29. E de notar que se intercala no relato evangélico o extenso episódio da morte de João Baptista. A razão é que São João Baptista tem relevância especial na História da Salvação, porque é o Precursor, encarregado de preparar os caminhos do Messias. Por outro lado, João Baptista tinha um grande prestígio entre o povo: consideravam-no profeta (Mc 11,32) e alguns inclusivamente o Messias (Lc 3, 15; Ioh 1, 20) e acorriam a ele de muitos lugares (Mc 1, 5). O próprio Jesus chegou a dizer: «Entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior que João Baptista» (Mt 11,11). Mais tarde, o apóstolo São João voltaria a falar dele no seu Evangelho: « Houve um homem enviado por Deus, que se chamava João» (Ioh 1, 6). Mas no texto sagrado esclarece-se, não obstante, que o Baptista, apesar de tanto, não era a luz, mas a testemunha da luz (Ioh 1, 6-8). Propriamente apenas era a lâmpada que levava a luz (Ioh 5,35).

De João Baptista é-nos dito aqui que era justo e que pregava a cada qual aquilo de que necessitava: à multidão do povo, aos publicanos, aos soldados (Lc 3,10-14); aos fariseus e aos saduceus (Mt 3, 7-12), ao próprio rei Herodes (Mc 6, 18-20). Este homem humilde, íntegro e austero, garante com a sua vida o testemunho que davam as suas palavras sobre o Messias Jesus (Ioh 1, 29.36-37).

  1. Os juramentos e as promessas de conteúdo imoral não se devem fazer. E, se se fizeram, não se devem cumprir. Esta é a doutrina da Igreja, resumida pelo Catecismo Maior de São Pio X, n.° 383, da seguinte maneira: «Estamos obrigados a manter o juramento de fazer coisas injustas ou ilícitas? Não só não estamos obrigados, mas, pelo contrário, pecamos ao fazê-las, como coisas proibidas pela Lei de Deus ou da Igreja».

30.08.2016 – Lc 4, 31-37

31Depois desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia e, ao sábado, lá estava a ensinar aquela gente. 32Eles enchiam-se de assombro com o seu ensino, porque a Sua palavra era cheia de autoridade.

33Achava-se na sinagoga um homem que tinha o espírito dum Demônio impuro, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34 — Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder? Eu sei quem Tu és: o Santo de Deus! 35Disse-lhe Jesus em tom severo: Cala- te e sai desse homem. E o De­mônio, depois de o arremessar para o meio da assistência, saiu sem lhe fazer mal algum. 36Todos se encheram de espanto e exclamavam: Que palavra esta! Manda com auto­ridade e poder nos espíritos impuros, e eles saem! 37E a Sua nomeada estendeu-se a todos os lugares da região.

Comentário

33-37. A mesma autoridade que Jesus tinha mostrado com a Sua palavra mostra agora com os Seus factos.

  1. O demônio diz a verdade nesta ocasião, ao cha­mar-Lhe «o Santo de Deus», mas Jesus não aceita este testemunho do «pai da mentira» (cfr Ioh 8,44). Com efeito, o demônio costuma dizer algumas vezes a verdade para en­cobrir o erro e, ao semear assim a confusão, enganar mais facilmente. Jesus, ao fazer calar o demônio e ao expul­sá-lo, ensina-nos a ser prudentes e a não nos deixarmos enganar pelas verdades a meias.

31.08.2016 – Lc 4, 38-44

38Partiu então da sinagoga e entrou em casa de Simão. Ora a sogra de Simão estava com uma febre aguda e os discípulos inter­cederam junto d’Ele em seu favor. 39Chegando à cabeceira dela, falou imperiosa­mente à febre, que a deixou. Ela ergueu-se imediatamente e começou a servi-los.

40Ao pôr do Sol, todos quantos tinham doentes com várias enfermidades traziam-Lhos, e Jesus, impondo as mãos a cada um deles, curava-os. 41Também de muitos saíam Demônios, que gritavam: Tu és o Filho de Deus. Mas Ele, em tom severo, impedia-os de falar, porque sabiam que Ele era o Messias.

42Quando se fez dia, saiu e dirigiu-Se a um lugar solitário. Foram à Sua procura as multidões e, ao chegarem junto d’Ele, tentavam retê-Lo, para que as não deixasse. 43Mas Ele disse-lhes: Eu tenho de ir também anunciar às outras cidades a Boa Nova do Reino de Deus, que para isso é que fui enviado. 44E andava a pregar pelas sinagogas da Judeia.

Comentário

38-39. Na vida pública de Jesus aparecem vários episó­dios estranháveis e familiares (cfr, p. ex., Lc 19,1; Ioh 2.1) que ajudam a compreender e a apreciar a estima do Senhor pela vida ordinária do lar.

Manifesta-se aqui a eficácia da oração pelos outros: «Mal rogavam ao Salvador — diz São Jerónimo — Ele imediata­mente curava os doentes; dando a entender que também atende as súplicas dos fiéis contra as paixões dos pecados» (Expositio in Evangelium sec. Lucam, ad loc.).

Sobre esta cura instantânea e completa observa São João Crisóstomo: «Como a doença era curável deu a conhecer o Seu poder no modo de curar, fazendo o que a medicina não podia. Depois da cura da febre os enfermos necessitam de tempo para recuperar a sua antiga saúde, mas neste caso fez-se tudo no mesmo instante» (Hom. sobre S. Mateus, 27).

Os Santos Padres viram na febre desta mulher uma figura da concupiscência: «Na febre da sogra de Pedro (…) está representada a nossa carne afectada por diversas doenças e concupiscências; a nossa febre é a paixão, à nossa febre é a luxúria, a nossa febre é a ira, vícios que embora digam respeito ao corpo, perturbam a alma, a mente e o sentido» (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.).

Quanto às consequências práticas, diz-nos São Cirilo: «Recebamos nós Jesus, porque quando nos visita e O levamos na mente e no coração extingue em nós o ardor das maiores paixões, e manter-nos-á incólumes para que O sirvamos, isto é, para que façamos o que Lhe agrada» (Hom. 28 in Mattheum).

  1. De novo o Senhor insiste num dos motivos da Sua vinda a este mundo. São Tomás, falando do fim da Encarnação, explica que Cristo «veio ao mundo em primeiro lugar para manifestar a verdade, como Ele próprio diz: ‘para isto nasci e para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade’ (Ioh 18,37). Por isto não devia ocultar-Se, levando uma vida solitária, mas manifestar-Se em público e pregar publicamente. E assim dizia aos que pretendiam detê-Lo: É necessário que Eu anuncie também a outras cidades o Evangelho do Reino de Deus, porque para isto fui enviado’. Em segundo lugar, veio para livrar os homens do pecado, de acordo com o que diz o Apóstolo: ‘Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores’ (1Tim 1,15). Pelo que diz o Crisóstomo: ‘Embora permanecendo sempre no mesmo lu­gar Cristo tivesse podido atrair a Si todos para que ouvissem Sua pregação, não o fez para nos dar exemplo de que temos de ir em busca das ovelhas perdidas, como o pastor busca a ovelha extraviada, ou o médico açode ao enfermo’. Em terceiro lugar, veio para que ‘por Ele tenhamos acesso a Deus’ (Rom 5,2)» (Suma Teológica, III, q. 40, a. l, c.).
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