em Evangelho do dia

Dia 26 de outubro

Lc 13, 10-17

10Estava Jesus um sábado a ensinar em uma das sinagogas. 11Encontrava-se lá uma mulher com um espírito, que a tornava enferma havia dezoito anos: andava recurvada e não podia de todo endireitar-se. 12Ao vê-la, Jesus chamou-a e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. 13E impôs-lhe as mãos. Ela endireitou-se imediatamente e começou a dar glória a Deus.

14Mas o chefe da sinagoga, tomando a palavra, indignado por Jesus ter curado ao sábado, pôs-se a dizer à multidão: Seis dias há em que se deve trabalhar. Vinde, pois, curar-vos nesses dias e não em dia de sábado. 15Respondeu-lhe o Senhor, dizendo: Hipócritas! Não solta cada um de vós, ao sábado, o seu boi, o seu jumento, da manjedoira, para o levar a beber? 16E esta, que é filha de Abraão, e Satanás prendera há já dezoito anos, não devia libertar-se desse jugo em dia de sábado? 17Enquanto assim falava, iam ficando envergonhados todos os Seus adversários, e a multidão inteira alegrava-se com todas as maravilhas que Ele realizava.

Comentário

14-17. Como de costume o Senhor foi à sinagoga em dia de Sábado. Ao observar a presença daquela mulher, doente há tantos anos, Jesus exerce o Seu poder e a Sua misericórdia com ela e cura-a. A reacção da gente simples é de entusiasmo e de agradecimento. Mas o chefe da sinagoga, zeloso em aparência pela observância do sábado prescrita na Lei (cfr Ex 20,8; 31,14; Lev 19,3-30), reprova publicamente o Salvador. Jesus censura com energia a interpretação torcida da Lei que faz o chefe da sinagoga e põe em relevo a necessidade da misericórdia e da compreensão, que é o que agrada a Deus (cfr Os 6,6; Iac 2,13).

Dia 27 de outubro

Lc 13, 18-21

18Dizia então: A que é semelhante o Reino de Deus e a que hei-de compará-lo? 19É semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e semeou no seu quintal. Cresceu, veio a ser uma grande árvore, e as aves do céu vieram alojar-se nos seus ramos.

20Disse ainda: A que hei-de comparar o Reino de Deus? 21É semelhante ao fermento que uma mulher tomou e meteu em três medidas de farinha, até ficar tudo fermentado.

Comentário

18-21. O grão de mostarda e o fermento simbolizam a Igreja que, reduzida no princípio a um grupo de discípulos, se foi estendendo com a força do Espírito Santo até acolher nela todos os povos da terra. Já no século II Tertuliano afirmava: “Somos de ontem e enchemos tudo” (Apologeticum, XXXVII). O Senhor “com a parábola do grão de mostarda incita-os à fé e fá-los ver que a pregação do Evangelho se propagará apesar de tudo. Os mais débeis, os mais pequenos entre os homens, eram os discípulos do Senhor, mas como havia neles uma força grande, esta desenvolveu-se por todo o mundo” (Hom. sobre S. Mateus, 46). Por isso, o cristão não deve desanimar perante a pequenez e debilidade com que aparecem as obras do seu apostolado. Com a graça de Deus e a fidelidade irão crescendo como o grão de mostarda apesar das dificuldades:

“Nas horas de luta e contradição, quando talvez ‘os bons’ encham de obstáculos o teu caminho, levanta o teu coração de apóstolo; ouve a Jesus que fala do grão de mostarda e do fermento. – E diz-Lhe: ‘edissere nobis parabolam’ – explica-me a parábola.

E sentirás a alegria de contemplar a vitória futura: aves do céu à sombra do teu apostolado, agora incipiente; e toda a massa fermentada” (Caminho, n° 695).

Dia 28 de outubro

Lc 6, 12-19

12Nesses dias, saiu Ele em direcção ao monte, para fazer oração, e passou a noite a orar a Deus. 13Ao amanhecer, chamou os discípulos e escolheu doze entre eles, aos quais deu precisamente o nome de Apóstolos: 14Simão, a quem deu também o nome de Pedro, e André, irmão deste; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; 15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, que era chamado Zeloso; 16Judas, irmão de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor.

17Descendo com eles, ficou num sítio plano, Ele, um numeroso grupo de discípulos Seus e grande multidão dos do povo, provenientes de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 18que tinham vindo para O ouvirem e se curarem de suas doenças. E os que eram molestados por espíritos impuros ficavam curados. 19Toda a multidão procurava tocar-Lhe, porque saía d’Ele uma força que a todos curava.

Comentário

12-13. Com certa solenidade o Evangelista relata a transcendência deste momento em que Jesus constitui os Doze em Colégio Apostólico: “O Senhor Jesus, depois de ter orado ao Pai, chamando a Si os que Ele quis, elegeu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar o Reino de Deus (cfr Mc 3,13-19; Mt 10,1-42); e a estes Apóstolos constituiu-os em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro, escolhido de entre eles (cfr Ioh 21,17). Enviou-os primeiro aos filhos de Israel e, depois, a todos os povos, para que, participando do Seu poder, fizessem de todas as gentes discípulos seus e as santificassem e governassem (cfr Mt 28,16-20 e par.) e deste modo propagassem e apascentassem a Igreja, servindo-a, sob a direcção do Senhor, todos os dias até ao fim dos tempos (cfr Mt 28,20). No dia de Pentecostes foram plenamente confirmados nesta missão (cfr Act 2,1-36) (…). Os Apóstolos, pois, pregando por toda a parte o Evangelho (cfr Mc 16,20), recebido pelos ouvintes graças à acção do Espírito Santo, reúnem a Igreja universal que o Senhor fundou sobre os Apóstolos e levantou sobre o bem-aventurado Pedro seu chefe, sendo Jesus Cristo a suma pedra angular (cfr Apc 21,14; Mt 16,18; Eph 2,20). A missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos durará até ao fim dos tempos (cfr Mt 28,20), uma vez que o Evangelho que eles devem anunciar é em todo o tempo o princípio de toda a vida na Igreja; pelo que os Apóstolos trataram de estabelecer sucessores, nesta sociedade hierarquicamente constituída” (Lumen gentium, nn. 19-20).

Jesus Cristo, antes de instituir o Colégio Apostólico passou toda a noite em oração. É uma oração que Cristo faz pela Sua Igreja como tantas outras vezes (Lc 9,18; Ioh 17,1 ss.). Deste modo, o Senhor prepara os Seus Apóstolos, colunas da Igreja (cfr Gal 2,9). Próximo da Paixão, rogará ao Pai por Simão Pedro como cabeça da Igreja, e assim lho manifestará de um modo solene: “Mas Eu roguei por ti para que não desfaleça a tua fé” (Lc 22,32). A Igreja, seguindo o exemplo de Cristo, dispõe que na oração litúrgica se elevem preces em muitas ocasiões pelos pastores da Igreja: Romano Pontífice, Bispos e sacerdotes; pedindo a graça de Deus para que possam cumprir fielmente o seu ministério.

São contínuos os ensinamentos de Cristo de que temos de orar sempre (Lc 18,1). Nesta ocasião mostra-nos com o Seu exemplo que nos momentos importantes da nossa vida devemos orar com especial intensidade.

“‘Pernoctans in oratione Dei’ – passou a noite em oração. – É o que São Lucas nos diz do Senhor.

Tu, quantas vezes perseveraste assim? – Então…?” (Caminho, n° 104).

12. Como é que Jesus Cristo, sendo Deus, faz oração?: Em Cristo há duas vontades, uma divina e outra humana (cfr Catecismo Maior, n° 91), e ainda que pela Sua vontade divina era omnipotente, não assim pela Sua vontade humana. O que fazemos na oração de petição é manifestar a nossa vontade diante de Deus, e por isso Cristo, semelhante em tudo a nós menos no pecado (Heb 4,15), devia orar também como homem (cfr Suma Teológica, III, q. 21, a. 1). Ao contemplar Jesus em oração, Santo Ambrósio comenta: “O Senhor ora não para pedir por Ele, mas para interceder em meu favor; pois ainda que o Pai tenha posto todas as coisas à disposição do Filho, contudo o Filho, para realizar plenamente a Sua condição de homem, julga oportuno implorar ao Pai por nós, pois Ele é o nosso Advogado (…). Mestre de obediência, instrui-nos com o Seu exemplo nos preceitos da virtude: ‘Temos um Advogado diante do Pai’ (1 Ioh 2,1)” (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.).

14-16. Jesus Cristo escolheu para Seus Apóstolos uns homens correntes, quase todos pobres e ignorantes; parece que só Mateus e os irmãos João e Tiago gozavam de certa posição social e económica. Mas todos deixaram o muito ou pouco que tinham e também todos, menos Judas, tiveram fé no Senhor e, vencendo as suas próprias debilidades, souberam finalmente ser fiéis à graça e ser santos, colunas da Igreja. Não nos inquietemos se, como os Apóstolos, nos vemos faltos de qualidades humanas, porque o importante é ser fiéis, corresponder pessoalmente à graça de Deus.

19. Deus encarnou para nos salvar. Através da natureza humana que assumiu, actua a Pessoa divina do Verbo. As curas e as expulsões de demónios que Cristo realizou enquanto vivia na terra são também uma prova de que a Redenção operada por Cristo é uma realidade, não uma mera esperança. As multidões da Judeia e das outras regiões de Israel, que se aproximam até tocar o Mestre, são, de alguma maneira, uma antecipação da devoção dos cristãos à Santíssima Humanidade de Cristo.

Dia 29 de outubro

Lc 13, 31-35

31Na mesma altura, acercaram-se alguns Fariseus, que Lhe disseram: Sai, vai-Te daqui, porque Herodes quer matar-Te. 32Ele respondeu-lhes: Ide dizer a essa raposa: “Eu estou a expulsar Demónios e a realizar curas hoje e amanhã; ao terceiro dia atinjo o Meu termo. 33Contudo, hoje, amanhã e depois, devo seguir o Meu caminho, porque não se admite que um profeta pereça fora de Jerusalém”.

34Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados, quantas vezes Eu quis agrupar os teus filhos, como a galinha a sua ninhada debaixo das asas!… Mas vós não quisestes! 35Pois bem, vai-vos ser abandonada a vossa Casa. Eu vos digo: Não Me vereis até chegar o momento em que digais: Bendito seja Aquele vem em nome do Senhor.

Comentário

31-33. A cena parece ter tido lugar na região da Pereia, que tal como a Galileia estava sob jurisdição de Herodes Antipas (cfr Lc 3,1), filho de Herodes o Grande. Noutras ocasiões São Lucas assinala que Herodes tinha desejos de conhecer Jesus e de presenciar algum dos Seus milagres (cfr Lc 9,9; 23,8). A advertência que estes fariseus fazem ao Senhor poderia ser um estratagema para O afastar dali. Jesus chama “raposa” a Herodes – e indirectamente aos seus cúmplices -, manifestando uma vez mais a Sua repulsa pelo fingimento e pela hipocrisia.

Na resposta Jesus faz-lhes ver que tem perfeito domínio sobre a Sua vida e a Sua morte porque é o Filho de Deus, e que apenas Se guia pela Vontade de Seu Pai (cfr Ioh 10,18),

34. Jesus exprime o Seu amor infinito por meio dessa comparação. Santo Agostinho soube descrever o sentido tão entranhável da imagem: “Vós, meus irmãos, sabeis bem como adoece a galinha ao ter os pintaínhos. Nenhuma ave manifesta a sua maternidade como ela. Com efeito, cada dia vemos como fazem os seus ninhos os pássaros, as andorinhas, as cegonhas e as pombas; mas só sabemos que são mães quando as vemos chocar nos seus ninhos. A galinha, porém, adoece de tal maneira ao ter os seus pintaínhos que, ainda que não vão atrás dela, ainda que não a sigam os seus filhos, dás-te conta de que é mãe. Assim o indicam as suas asas caídas, e as suas penas encrespadas, e o seu peculiar cacarejo, e todos os seus membros lassos e abatidos; tudo isso, como digo, indica que é mãe, ainda que não se vejam os seus pintainhos. É assim como está doente Jesus…” (In Ioann. Evang., 15,7).

35. O Senhor deixa ver a profunda dor da Sua alma diante da resistência de Jerusalém ao amor de Deus, tantas vezes manifestado. Mais adiante São Lucas fará notar que Jesus chorou diante de Jerusalém (cfr Lc 19,41).

Dia 30 de outubro

Lc 14, 1-6

1Tendo ido, a um sábado, a casa de um dos principais dos Fariseus tomar uma refeição, lá estavam estes a observá-Lo de perto. 2Achava-se ali, diante d’Ele, um hidrópico. 3Jesus, tomando a palavra, dirigiu-Se aos Legistas e Fariseus, dizendo: É permitido ou não curar ao sábado? 4Mas eles calaram-se. Tomando então o homem, curou-o e mandou-o embora. 5Depois disse-lhes a eles: Qual de vós, se um filho ou um boi lhe cair a um poço, não o irá logo retirar em dia de sábado? 6E a isto não puderam replicar.

Comentário

1-6. O fanatismo é sempre mau. Com freqüência leva à obcecação, a negar, como neste caso, os princípios mais elementares de caridade e de justiça, e inclusive de mero humanitarismo. Não podemos ser fanáticos de nada. Nem mesmo do mais sagrado.

Dia 31 de outubro

Lc 14, 1.7-11

1Tendo ido, a um sábado, a casa de um dos principais dos Fariseus tomar uma refeição, lá estavam estes a observá-Lo de perto.

7Notando, então, como escolhiam os primeiros lugares, propôs uma parábola aos convivas, dizendo-lhes: 8Quando alguém te convidar para um banquete nupcial, não ocupes o primeiro lugar, não tenha sido, por ele, convidado um mais digno do que tu, 9e venha quem te convidou a ti e ao outro e te diga: “dá o lugar a este”: passarias então a ocupar, envergonhado, o último lugar. 10Mas, quando fores convidado, vai pôr-te no último lugar, e assim, quando vier o que te convidou, dir-te-á: “Amigo, chega-te mais para cima”. Ficarás então honrado aos olhos de todos os que estiverem contigo à mesa; 11porque todo aquele que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado.

Comentário

11. A humildade é tão necessária para a salvação que Jesus aproveita qualquer circunstância para o pôr em relevo. Aqui serve-se das atitudes que observa entre os assistentes àquele banquete para insistir de novo que no banquete celeste é Deus quem nos designa o lugar. “A consciência da grandeza da dignidade humana – de um modo eminente e inefável, pois fomos, pela acção da graça, constituídos filhos de Deus – é no cristão uma só coisa com a humildade, visto que não são as nossas forças que nos salvam e nos dão a vida, mas o favor divino. É uma verdade que nunca se pode esquecer” (Cristo que passa, n.° 133).

Dia 1º de novembro

Mt 5, 1-12a

1Vendo Ele as multidões, subiu ao monte e sentou-Se. Acercaram-se os discípulos 2e Ele, tomando a palavra, pôs-se a ensiná-los, dizendo:

3Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.

4Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

5Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra.

6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.

7Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

8Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

9Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus.

10Bem-aventurados os perseguidos por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.

11Bem-aventurados sois, quando, por minha causa, vos injuriarem e perseguirem e disserem, falsamente, contra vós toda a espécie de mal.

12Alegrai-vos e exultai, porque será grande nos Céus a vossa recompensa.

Comentário

1-2. O Sermão da Montanha ocupa integralmente os caps. 5, 6 e 7 de São Mateus. Trata-se do primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus que aparecem neste Evangelho. Compreende uma considerável parte dos ensinamentos do Senhor.

Não é fácil de reduzir o discurso a um só tema, mas os diversos ensinamentos podem comodamente agrupar-se à volta destes cinco pontos: 1) o espírito que se deve ter para entrar no Reino dos Céus (as Bem-aventuranças, sal da terra e luz do mundo, Jesus e a Sua doutrina, plenitude da Lei); 2) rectidão de intenção nas práticas de piedade (aqui se inclui a oração do Senhor ou Pai-Nosso); 3) confiança na Providência paternal de Deus; 4) as relações fraternas dos filhos de Deus (não julgar o próximo, respeito pelas coisas santas, eficácia da oração e a regra de oiro da caridade); e 5) condições e fundamento para a entrada no reino (a porta estreita, os falsos profetas e edificar sobre rocha).

2. “Pôs-se a ensiná-los”: Refere-se tanto aos discípulos que rodeavam Jesus como às multidões ali presentes, segundo aparece no fim do Sermão da Montanha (Mt 7,28).

As Bem-aventuranças (5,3-12) constituem como que o pórtico do Sermão da Montanha. Para uma recta compreensão das Bem-aventuranças é conveniente ter em conta que nelas não se promete a salvação a umas determinadas classes de pessoas que aqui se enumerariam, mas a todos aqueles que alcancem as disposições religiosas e o comportamento moral que Jesus Cristo exige. Quer dizer, os pobres de espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacíficos e os que sofrem perseguição por buscar a santidade, não indicam pessoas distintas entre si, mas são como que diversas exigências de santidade dirigidas a quem quer ser discípulo de Cristo.

Pela mesma razão, também não prometem a salvação a determinados grupos da sociedade, mas a toda a pessoa que, seja qual for a sua situação no mundo, se esforce por viver o espírito e as exigências das Bem-aventuranças.

A todas elas é também comum o sentido escatológico, isto é, é-nos prometida a salvação definitiva não neste mundo, mas na vida eterna. Mas o espírito das Bem-aventuranças produz, já na vida presente, a paz no meio das tribulações. Na história da humanidade, as Bem-aventuranças constituem uma mudança completa dos critérios humanos habituais: desqualificam o horizonte da piedade farisaica, que via na felicidade terrena a bênção e prémio de Deus e, na infelicidade e desgraça, o castigo. Em todos os tempos as Bem-aventuranças põem muito por cima os bens do espírito sobre os bens materiais. Sãos e doentes, poderosos e débeis, ricos e pobres… são chamados, por cima das suas circunstâncias, à felicidade profunda daqueles que alcançam as Bem-aventuranças de Jesus.

É evidente que as Bem-aventuranças não contêm toda a doutrina evangélica. Não obstante contém, como que em germe, todo o programa de perfeição cristã.

3. Neste versículo exprime-se de modo amplo a relação da pobreza com o espírito. Este conceito religioso de pobre tinha já uma longa tradição no AT (cfr, p. ex., Soph 2,3 s). Mais que a condição social de pobre, expressa a atitude religiosa de indigência e de humildade diante de Deus: é pobre o que acorre a Deus sem considerar méritos próprios e confia só na misericórdia divina para ser salvo. Esta atitude religiosa da pobreza está muito aparentada com a chamada infância espiritual. O cristão considera-se diante de Deus como um filho pequeno que não tem nada em propriedade; tudo é de Deus seu Pai e a Ele o deve. De qualquer modo a pobreza em espírito, quer dizer, a pobreza cristã, exige o desprendimento dos bens materiais e austeridade no uso deles. A alguns, os religiosos, Deus pede-lhes o desprendimento inclusive jurídico das suas propriedades, como testemunho perante o mundo da condição passageira das coisas terrenas.

4. “Os que choram”: Chama aqui bem-aventurados Nosso Senhor todos os que estão aflitos por alguma causa e, de modo particular, aqueles que estão verdadeiramente arrependidos dos seus pecados, ou aflitos pelas ofensas que outros fazem a Deus, e que levam o seu sofrimento com amor e desejos de reparação.

“Choras? – Não te envergonhes. Chora; sim, os homens também choram, como tu, na solidão e diante de Deus. – Durante a noite, diz o rei David, regarei de lágrimas o meu leito.

Com essas lágrimas, ardentes e viris, podes purificar o teu passado e sobrenaturalizar a tua vida actual” (Caminho, n° 216).

O Espírito de Deus consolará com paz e alegria, mesmo neste mundo, os que choram os pecados, e depois participarão da plenitude da felicidade e da glória do céu: esses são bem-aventurados.

5. “Mansos”: quer dizer, os que sofrem com paciência as perseguições injustas; os que nas adversidades mantêm o ânimo sereno, humilde e firme, e não se deixam levar pela ira ou pelo abatimento. É a virtude da mansidão muito necessária para a vida cristã. Normalmente as frequentes manifestações externas de irritabilidade procedem da falta de humildade e de paz interior.

“A terra”: Comummente entende-se em sentido transcendente, quer dizer, a pátria celestial

6. O conceito de justiça na Sagrada Escritura é essencialmente religioso. Chama-se justo a quem se esforça sinceramente por cumprir a Vontade de Deus, que se manifesta nos mandamentos, nos deveres de estado e na união da alma com Deus. Por isso a justiça, na linguagem da Bíblia, coincide com o que actualmente costuma chamar-se santidade (1 Ioh 2,29; 3,7-10; Apc 22,11; Gen 15,6; Dt 9,4).

Como comenta São Jerônimo (Comm. in Matth. 5.6), esta quarta bem-aventurança de Nosso Senhor exige não um simples desejo vago de justiça, mas ter fome e sede dela, isto é, amar e buscar com todas as forças aquilo que torna justo o homem diante de Deus. O que de verdade quer a santidade cristã tem de amar os meios que a Igreja, instrumento universal de salvação, oferece e ensina a viver a todos os homens: frequência de sacramentos, convivência íntima com Deus na oração, fortaleza em cumprir os deveres familiares, profissionais, sociais.

7. A misericórdia não consiste apenas em dar esmola aos pobres, mas também em compreender os defeitos que possam ter os outros, desculpá-los, ajudá-los a superá-los e amá-los mesmo com os defeitos que tenham. Também faz parte da misericórdia alegrar-se e sofrer com as alegrias e dores alheias.

8. A doutrina de Cristo ensina que a raiz da qualidade dos actos humanos está no coração, quer dizer, no interior do homem, no fundo do seu espírito:

“Quando falamos de um coração humano, não nos referimos só aos sentimentos: aludimos à pessoa toda que quer, que ama, que convive com os outros. Ora, na maneira de os homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos ajudar a compreender as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções. Um homem vale o que vale o seu coração – diríamos com palavras bem humanas” (Cristo que passa, n° 164).

A pureza de coração é um dom de Deus, que se manifesta na capacidade de amar, no olhar recto e puro para tudo o que é nobre. Como diz o Apóstolo, “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, é o que deveis ter em mente” (Phil 4,8). O cristão, ajudado pela graça de Deus, deve lutar continuamente para purificar o seu coração e adquirir essa pureza, em virtude da qual se promete a visão de Deus.

9. A palavra “pacíficos” é a usual nas traduções e, além disso, etimologicamente é fiel ao texto. No livro sagrado tem claramente um sentido activo: “os que promovem a paz” em si mesmos, nos outros e, sobretudo, como fundamento do anterior, procuram reconciliar-se e reconciliar os outros com Deus. A paz com Deus é a causa e o cume de toda a paz. Será vã e enganadora qualquer paz no mundo que não se baseie nessa paz divina.

“Serão chamados filhos de Deus”: É um hebraísmo muito frequente na Sagrada Escritura; é o mesmo que dizer ” serão filhos de Deus”. A primeira Epístola de São João (1 Ioh 3, 1) dá-nos a exegese autêntica desta bem-aventurança: “Vede que amor nos mostrou o Pai: que sejamos chamados filhos de Deus e que realmente o sejamos”.

10. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por ser santos ou pelo seu empenho em ser santos, porque deles é o Reino dos Céus.

Portanto, é bem-aventurado o que sofre perseguição por ser fiel a Jesus Cristo, e a suporta não só com paciência mas com alegria. Na vida do cristão apresentam-se circunstâncias heróicas, nas quais não têm lugar meios termos; ou se é fiel a Jesus Cristo jogando-se a honra, a vida e os bens, ou O renegamos. São Bernardo (Sermão da Festa de Todos os Santos) diz que esta oitava bem-aventurança era como que a prerrogativa dos santos mártires. O cristão que é fiel à doutrina de Jesus Cristo é de facto também um “mártir” (testemunha) que reflecte ou cumpre esta bem-aventurança, mesmo sem chegar à morte corporal,

11-12. As Bem-aventuranças são as condições que Cristo pôs para entrar no Reino dos Céus. O versículo, à maneira de recapitulação, é um convite global a viver estes ensinamentos. A vida cristã não é, pois, tarefa fácil, mas vale a pena pela plenitude de vida que o Filho de Deus promete.

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