em Evangelho do dia

Dia 21 de dezembro

Lc 1, 39-45

39Por aqueles dias, pôs-se Maria a caminho e dirigiu-se à pressa para a serra, em direcção a uma cidade de Judá. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, saltou-lhe o menino no seio; Isabel ficou cheia do Espírito Santo 42e, erguendo a voz, num grande brado, exclamou: Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? 44Pois, logo que me chegou aos ouvidos o eco da tua saudação, saltou de alegria o menino no meu seio. 45Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor!

Comentário

39-56. Contemplamos este episódio da visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel no segundo mistério gozoso do santo Rosário:

“(…) Acompanha alegremente José e Santa Maria… e ficarás a par das tradições da Casa de David. (…) Caminhamos apressadamente em direcção às montanhas, até uma aldeia da tribo de Judá (Lc I,39).

Chegamos. – É a casa onde vai nascer João Baptista.

– Isabel aclama, agradecida, a Mãe do Redentor: Bendita és tu entre todas as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!

A que devo eu tamanho bem, que venha visitar-me a Mãe do meu Senhor? (Lc I, 42-43).

O Baptista, ainda por nascer, estremece… (Lc I,41). A humildade de Maria derrama-se no Magnificat… – E tu e eu, que somos – que éramos – uns soberbos, prometemos ser humildes” (Santo Rosário, segundo mistério gozoso).

39. Nossa Senhora ao conhecer pela revelação do anjo a necessidade em que se achava a sua prima Santa Isabel, próxima já do parto, apressa-se a prestar-lhe ajuda, movida pela caridade. A Santíssima Virgem não repara em dificuldades. Embora não saibamos o lugar exacto onde se achava Isabel (hoje supõe-se que é Ayn Karim), em qualquer caso o trajeto desde Nazaré até à montanha da Judéia supunha na antiguidade uma viagem de quatro dias.

Este facto da vida da Santíssima Virgem tem um claro ensinamento para os cristãos: devemos aprender d’Ela a solicitude pelos outros. “Não podemos conviver fílialmente com Maria e pensar apenas em nós mesmos, nos nossos problemas. Não se pode tratar com a Virgem e ter, egoisticamente, problemas pessoais” (Cristo que passa, n° 145).

42. Comenta São Beda que Isabel bendiz Maria com as mesmas palavras usadas pelo Arcanjo “para que se veja que deve ser honrada pelos anjos e pelos homens e que com razão se deve antepor a todas as mulheres” (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.).

Na recitação da Ave Maria repetimos estas saudações divinas com as quais nos alegramos com Maria Santíssima pela sua excelsa dignidade de Mãe de Deus e bendizemos o Senhor e agradecemos-Lhe ter-nos dado Jesus Cristo por meio de Maria” (Catecismo Maior, n° 333).

43. Isabel, ao chamar a Maria “mãe do meu Senhor”, movida pelo Espírito Santo, manifesta que a Virgem Santíssima é Mãe de Deus.

44. São João Baptista, ainda que tenha sido concebido em pecado – o pecado original – como os outros homem, todavia, nasceu sem ele, porque foi santificado nas entranhas de sua mãe Santa Isabel pela presença de Jesus Cristo (então no seio de Maria) e da Santíssima Virgem. Ao receber este benefício divino São João manifesta a sua alegria saltando de gozo no seio materno. Estes factos foram o cumprimento da profecia do arcanjo São Gabriel (cfr. Lc 1,15).

São João Crisóstomo admirava-se na contemplação desta cena do Evangelho: “Vede que novo e admirável é este mistério. Ainda não saiu do seio e já fala mediante saltos, ainda não lhe é permitido clamar e já é escutado pelos factos (…); ainda não vê a luz e já indica qual é o Sol; ainda não nasceu e já se apressa a fazer de Precursor. Estando presente o Senhor não se pode conter nem suporta esperar os prazos da natureza, mas procura romper o cárcere do seio materno e busca dar testemunho de que o Salvador está prestes a chegar” (Sermo apud Metaphr, mense Julio).

45. Adiantando-se ao coro de todas as gerações vindouras, Isabel, movida pelo Espírito Santo, proclama bem-aventurada a Mãe do Senhor e louva a sua fé. Não houve fé como a de Maria; n’Ela temos o modelo mais acabado de quais devem ser as disposições da criatura diante do seu Criador: submissão completa, acatamento pleno. Com a sua fé, Maria é o instrumento escolhido pelo Senhor para levar a cabo a Redenção como Mediadora universal de todas as graças. Com efeito, a Santíssima Virgem está associada à obra redentora de seu Filho: “Esta associação da mãe com o Filho na obra da Salvação, manifesta-se desde a conceição virginal de Cristo até à Sua morte. Primeiro, quando Maria, tendo partido solicitamente para visitar Isabel, foi por ela chamada bem-aventurada, por causa da Fé com que acreditara na salvação prometida, e o precursor exultou no seio de sua mãe (…). Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com o seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr. Ioh 19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d’Ela nascera “(Lumen gentium, nn. 57-58).

O novo texto latino recolhe de modo literal o original grego ao dizer “quae credidit”,em vez de “quae credidisti”, como fazia a Vulgata, que neste caso é mais fiel ao sentido que à letra. Assim traduzem a maioria dos autores e assim traduzimos nós: “Feliz daquela que acreditou”.

Dia 22 de dezembro

Lc 1, 46-56

46Maria disse então:

“A minha alma enaltece ao Senhor,

47e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador,

48porque olhou para a humilde condição da Sua serva.

De facto, desde agora, me hão-de chamar ditosa todas as gerações,

49porque me fez grandes coisas o Omnipotente.

É santo o Seu Nome,

50e a Sua misericórdia vai de geração em geração para aqueles que O temem.

51Exerceu a força com o Seu braço,

dispersou os que se elevavam no seu próprio conceito.

52Derrubou os poderosos de seus tronos,

e exaltou os humildes.

53Encheu de bens os famintos,

e aos ricos despediu-os sem nada.

54Tomou a Seu cuidado Israel, Seu servo,

recordando a Sua misericórdia

55– conforme tinha dito a nossos pais –

em favor de Abraão e sua descendência, para sempre”.

56Ficou Maria com Isabel uns três meses, voltando depois para sua casa.

Comentário

39-56. Contemplamos este episódio da visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel no segundo mistério gozoso do santo Rosário:

“(…) Acompanha alegremente José e Santa Maria… e ficarás a par das tradições da Casa de David. (…) Caminhamos apressadamente em direcção às montanhas, até uma aldeia da tribo de Judá (Lc 1,39).

Chegamos. – É a casa onde vai nascer João Baptista.

– Isabel aclama, agradecida, a Mãe do Redentor: Bendita és tu entre todas as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!

A que devo eu tamanho bem, que venha visitar-me a Mãe do meu Senhor? (Lc I, 42-43).

O Baptista, ainda por nascer, estremece… (Lc I,41). A humildade de Maria derrama-se no Magnificat… – E tu e eu, que somos – que éramos – uns soberbos, prometemos ser humildes” (Santo Rosário, segundo mistério gozoso).

46-55. O cântico Magnificat que Nossa Senhora pronuncia em casa de Zacarias é de uma singular beleza . Evoca alguns passos do Antigo Testamento que a Virgem Santíssima tinha meditado (recorda especialmente l Sam 2,1-10).

Neste cântico podem distinguir-se três estrofes: na primeira (vv. 46-50) Maria glorifica a Deus por a ter feito Mãe do Salvador, faz ver o motivo pelo qual a chamarão bem-aventurada todas as gerações e mostra como no mistério da Encarnação se manifestam o poder, a santidade e a misericórdia de Deus. Na segunda (vv. 51-53) a Virgem Santíssima ensina-nos como em todo o tempo o Senhor teve predilecção pelos humildes, resistindo aos soberbos e arrogantes. Na terceira (vv. 54-55) proclama que Deus, segundo a Sua promessa, teve sempre especial cuidado do povo escolhido, ao qual vai dar o maior título de glória: a Encarnação de Jesus Cristo, judeu segundo a carne (cfr Rom l ,3).

“A nossa oração pode acompanhar e imitar essa oração de Maria. Tal como Ela, sentiremos o desejo de cantar, de proclamar as maravilhas de Deus, para que a Humanidade inteira e todos os seres participem da nossa felicidade”. (Cristo que passa, n.° 144).

46-47. “Os primeiros frutos do Espírito Santo são a paz e a alegria. E a Santíssima Virgem tinha reunido em si toda a graça do Espírito Santo…” (In Psalmos homiliae, in Ps 32). Os sentimentos da alma de Maria derramam-se no Magnificat. A alma humilde diante dos favores de Deus sente-se movida ao gozo e ao agradecimento. Na Santíssima Virgem o benefício divino ultrapassa toda a graça concedida a qualquer criatura. “Virgem Mãe de Deus, o que não cabe nos Céus, feito homem, encerrou-Se no teu seio” (Antífona da Missa do Comum das festas de Santa Maria). A Virgem humilde de Nazaré vai ser a Mãe de Deus; jamais a omnipotência do Criador se manifestou de um modo tão pleno. E o Coração de Nossa Senhora manifesta de modo desbordante a sua gratidão e a sua alegria.

48-49. Diante desta manifestação de humildade de Nossa Senhora, exclama São Beda: “Convinha, pois, que assim como tinha entrado a morte no mundo pela soberba dos nossos primeiros pais, se manifestasse a entrada da Vida pela humildade de Maria” (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.).

“Que grande é o valor da humildade! – ‘Quia respexit humilitatem…’. Acima da fé, da caridade, da pureza imaculada, reza o hino jubiloso da nossa Mãe em casa de Zacarias:

‘Porque viu a minha humildade, eis que por isto me chamarão bem-aventurada todas as gerações'” (Caminho, nº 598).

Deus premia a humildade da Virgem Santíssima com o reconhecimento por parte de todos os homens da sua grandeza: “Me hão-de chamar ditosa todas as gerações”. Isto cumpre-se sempre que alguém pronuncia as palavras da Ave Maria. Este clamor de louvor à Nossa Mãe é ininterrupto em toda a terra. O Concílio Vaticano II recorda estas palavras da Virgem Santíssima ao falar-nos do culto a Nossa Senhora: “Desde os tempos mais antigos a Santíssima Virgem é honrada com o título de ‘Mãe de Deus’, e sob a sua proteção se acolhem os fiéis, em todos os perigos e necessidades. Foi sobretudo a partir do Concílio de Éfeso que o culto do Povo de Deus para com Maria cresceu admiravelmente, na veneração e no amor, na invocação e na imitação, segundo as suas proféticas palavras: ‘Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada, porque realizou em mim grandes coisas Aquele que é poderoso'” (Lumen gentium, n. 66).

50. “A sua misericórdia vai de geração em geração”. Estas palavras, “já desde o momento da Encarnação, abrem nova perspectiva da história da salvação. Após a ressurreição de Cristo, esta nova perspectiva passa para o plano histórico e, ao mesmo tempo, reveste-se de sentido escatológico novo. Desde então sucedem-se sempre novas gerações de homens na imensa família humana, em dimensões sempre crescentes; sucedem-se também novas gerações do Povo de Deus, assinaladas pelo sinal da Cruz e da Ressurreição e ‘seladas’ com o sinal do mistério pascal de Cristo, revelação absoluta daquela misericórdia que Maria proclamou à entrada da casa da sua parente: ‘A sua misericórdia estende-se de geração em geração’ (…).

Maria, portanto, é aquela que conhece mais profundamente o mistério da misericórdia divina. Conhece o seu preço e sabe quanto é elevado. Neste sentido chamamos-lhe Mãe da misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia, ou Mãe da divina misericórdia. Em cada um destes títulos há um profundo significado teológico, porque exprimem a particuíar preparação da sua alma e de toda a sua pessoa, para torná-la capaz de descobrir, primeiro, através dos complexos acontecimentos de Israel e, depois, daqueles que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade inteira, a misericórdia da qual todos se tornam participantes, segundo o eterno desígnio da Santíssima Trindade, ‘de geração em geração'” (Dives in misericordia, n. 9).

51. “Os que se elevavam no seu próprio conceito”: São os que querem aparecer como superiores aos outros, a quem desprezam. E também alude à condição daqueles que na sua arrogância projectam planos de ordenação da sociedade do mundo de costas ou contra a Lei de Deus. Embora possa parecer que de momento têm êxito, no fim cumprem-se estas palavras do cântico da Virgem Santíssima, pois Deus dispersá-los-á como já fez com os que tentaram edificar a torre de Babel, que pretendiam chegasse até ao Céu (cfr Gen 11,4).

“Quando o orgulho se apodera da alma, não é estranho que atrás dele, como pela arreata, venham todos os vícios: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça. O soberbo procura inutilmente arrancar Deus – que é misericordioso com todas as criaturas – do Seu trono para se colocar lá ele, que actua com entranhas de crueldade.

Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior dos pecados e o mais ridículo. (…) A soberba é desagradável, mesmo humanamente, porque o que se considera superior a todos e a tudo está continuamente a contemplar-se a si mesmo e a desprezar os outros, que lhe pagam na mesma moeda, rindo-se da sua fatuidade” (Amigos de Deus, n.° 100).

53. Esta Providência divina manifestou-se muitíssimas vezes ao longo da História. Assim, Deus alimentou com o maná o povo de Israel na sua peregrinação pelo deserto durante quarenta anos (Ex 16,4-35); igualmente Elias por meio de um anjo (l Reg 19, 5-8); Daniel no fosso dos leões (Dan 14,31-40); a viúva de Sarepta com o azeite que miraculosamente não se esgotava (l Reg 17,8 ss.). Assim também culminou as ânsias de santidade da Virgem Santíssima com a Encarnação do Verbo.

Deus tinha alimentado com a Sua Lei e a pregação dos Seus Profetas o povo eleito, mas o resto da humanidade sentia a necessidade da palavra de Deus. Agora, com a Encarnação do Verbo, Deus satisfaz a indigência da humanidade inteira. Serão os humildes que acolherão este oferecimento de Deus; os auto-suficientes, ao não desejarem os bens divinos, ficarão privados deles (cfr In Psalmos homiliae, in Ps 33).

54. Deus conduziu o povo israelita como uma criança, como Seu filho a quem amava ternamente: “Yahwéh, teu Deus, conduziu-te por todo o caminho que tendes percorrido, como um homem conduz o seu filho…” (Dt 1,31). Isto fê-lo Deus muitas vezes, valendo-se de Moisés, de Josué, de Samuel, de David, etc., e agora conduz o Seu povo de maneira definitiva enviando o Messias. A origem última deste proceder divino é a grande misericórdia de Deus que Se compadeceu da miséria de Israel e de todo o gênero humano.

55. A misericórdia de Deus foi prometida desde tempos antigos aos Patriarcas. Assim, a Adão (Gen 3,15), a Abraão (Gen 22,18), a David (2 Sam 7,12), etc. A Encarnação de Cristo tinha sido preparada e decretada por Deus desde a eternidade para a salvação da humanidade inteira. Tal é o amor que Deus tem aos homens; o próprio Filho de Deus Encarnado o declarará: “De facto. Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu o Seu Filho Unigênito, para que todo o que n’Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna” (Ioh 3,16).

Dia 23 de dezembro

Lc 1, 57-66

57Entretanto, chegou o tempo de Isabel dar à luz e teve um filho. 58E souberam os vizinhos e parentes que o Senhor havia tido para com ela grande misericórdia e com ela se congratulavam. 59Ao oitavo dia, vieram circuncidar o menino e iam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60Mas a mãe interveio, dizendo: Não, João é que há-de chamar-se. 61Disseram-lhe eles: Não há ninguém da tua família que tenha esse nome. 62E perguntavam ao pai por sinais como queria que se chamasse. 63Ele, pedindo uma placa, respondeu por escrito: João é que é o seu nome. E ficaram todos admirados. 64Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e pôs-se a falar, bendizendo a Deus. 65Encheram-se de temor todos os que eram seus vizinhos e na Judeia, por toda a serra, se divulgaram todos aqueles factos. 66Quantos os ouviam conservavam-nos na memória e diziam: Quem virá então a ser este menino? E, de facto, a mão do Senhor estava com ele!

Comentário

59. No Antigo Testamento a circuncisão era um rito instituído por Deus para assinalar como com uma marca e contra-senha os que pertenciam ao povo eleito. Deus mandou a circuncisão a Abraão como sinal da Aliança que estabelecia com ele e com toda a sua descendência (cfr Gen 17,10-14), e prescreveu que se realizasse no oitavo dia do nascimento. O rito realizava-se na casa paterna ou na sinagoga, e além da operação sobre o corpo do menino, incluía bênçãos e a imposição do nome.

Com a instituição do Baptismo cristão cessou o mandamento da circuncisão. Os Apóstolos, no concílio de Jerusalém (cfr Act 15,1 ss.), declararam definitivamente abolida a necessidade do antigo rito para os que se incorporassem na Igreja.

É bem eloqüente o ensinamento de São Paulo (Gal 5,2 ss.; 6,12 ss.; Col 2,11 ss.) acerca da inutilidade da circuncisão depois da Nova Aliança estabelecida por Cristo.

60-63. Com a imposição do nome de João cumpriu-se o que tinha mandado Deus a Zacarias por meio do anjo e que nos relatou São Lucas pouco antes (1,13).

64. Neste facto miraculoso cumpriu-se exatamente o que tinha profetizado o anjo Gabriel a Zacarias quando lhe anunciou a concepção e o nascimento do Baptista (Lc l, l9-20). Observa Santo Ambrósio: “Com razão se soltou em seguida a sua língua, porque a fé desatou o que tinha atado a incredulidade” (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.).

É um caso semelhante ao do apóstolo São Tomé, que tinha resistido a crer na Ressurreição do Senhor, e acreditou depois das provas evidentes que lhe deu Jesus ressuscitado (cfr Ioh 20, 24-29). Com estes dois homens Deus faz o milagre e vence a sua incredulidade; mas ordinariamente Deus “exige-nos fé e obediência sem realizar novos milagres. Por isso repreendeu e castigou Zacarias, e censurou o apóstolo Tomé: “Porque Me viste acreditaste; bem-aventurados os que sem ter visto acreditaram” (Ioh 20,29).

Dia 24 de dezembro

Lc 1, 67-79

67Zacarias, seu pai, cheio do Espírito Santo profetizou, dizendo:

68“Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e trouxe a liberdade ao Seu povo,

69e nos suscitou um Salvador poderoso, na casa de Seu servo David,

70conforme tinha dito pela boca de Seus santos profetas de outrora;

71salvando-nos dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam,

72para ter misericórdia com os nossos pais e lembrar-Se da Sua santa Aliança,

73juramento que fez a Abraão, nosso pai, de nos conceder 74que, libertos da mão dos inimigos,

75sem receio, O sirvamos em santidade e justiça, na Sua presença, em todos os nossos dias.

76E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo: pois irás adiante do Senhor, a preparar os Seus caminhos,

77para dar a conhecer ao Seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados,

78graças aos misericordiosos sentimentos do nosso Deus, com que nos há-de visitar do alto como astro ao nascer,

79para iluminar os que se encontram nas trevas e na sombra da morte, a fim de orientar os nossos passos no caminho da paz”.

Comentário

67. Zacarias, que era um homem justo (cfr v. 6), no nascimento de seu filho João recebeu, além disso, a graça especial da profecia. Em virtude desta, pronuncia o cântico chamado Benedictus, tão cheio de fé, reverência e devoção que a Igreja estabeleceu que se recite diariamente na Liturgia das Horas.

Profetizar significa não só predizer coisas futuras, mas também louvar a Deus movido pelo Espírito Santo. Ambos os aspectos se encontram no cântico do Benedictus.

68-79. O Benedictus pode dividir-se em duas partes: na primeira (vv. 68-75) dá graças a Deus porque enviou o Messias Salvador, segundo tinha prometido aos Patriarcas e aos Profetas de Israel desde tempos antigos.

Na segunda parte (vv. 76-79) profetiza a missão de seu filho como arauto do Altíssimo e precursor do Messias, manifestando a misericórdia de Deus que se revela na vinda de Cristo.

72-75. Deus tinha prometido repetidas vezes aos Patriarcas do Antigo Testamento a sua especial protecção divina, a posse de uma terra para sempre e uma numerosa descendência em que seriam abençoados todos os povos. Essa promessa foi ratificada por meio da instituição do pacto ou aliança, costumada por aqueles séculos no próximo Oriente entre reis e vassalos: Deus, como senhor, protegerá os Patriarcas e os seus descendentes, e estes mostrarão o seu acatamento a Deus oferecendo-Lhe certos sacrifícios e servindo-O. Cfr entre outros passos: Gen 12,1-3; 17,1-8; 22,16-18 (promessa, aliança e juramento de Deus a Abraão); Gen 35,11-12 (reiteração dessas promessas a Jacob). Agora, Zacarias vê que essas promessas divinas vão ter completo cumprimento depois dos acontecimentos que se seguirão ao nascimento do seu filho João, o Precursor do Messias.

78-79. O “Sol nascente” é o Messias, Jesus Cristo, descido do céu para nos iluminar com a Sua luz, “sol de justiça, que trará nos seus raios a salvação” (Mal 4,2). Já no Antigo Testamento se nos fala da Glória de Yahwéh, reflexo da Sua presença, como de algo relacionado intimamente com a luz. Assim, por exemplo, quando Moisés, volta ao acampamento depois de ter estado a falar com Deus, tem tal resplendor no seu rosto que os israelitas “tiveram medo de se aproximar dele” (Ex 34,30). Neste sentido São João afirma que “Deus é luz e n’Ele não há treva alguma” (1 Ioh 1,5), de modo que no Céu não haverá nunca noite porque o Senhor iluminará a todos (cfr Apc 21,23; 22,5).

Deste resplendor divino participam os anjos (cfr Apc 1,11) e os santos (cfr Sap 3, 7; Dan 2,3); de modo particular a Santíssima Virgem, figura da Igreja, que se nos revela no Apocalipse “vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (12,1).

Esta luz divina chega a nós, enquanto vivemos neste mundo, através de Jesus Cristo que, por ser Deus, é a luz verdadeira, que ilumina todo o homem” (Ioh 1,9). Efectivamente, o Senhor diz-nos: “Eu sou a luz do mundo; aquele que Me seguir não andará em trevas” (Ioh 8,12).

Nós os cristãos participamos da luz divina, de tal modo que o Senhor possa dizer: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). Há que viver, pois, como filhos da luz (cfr Lc 16,8), cujo fruto consiste “em toda a bondade, justiça e verdade” (Eph 5,9). Assim a vida do cristão é um resplendor contínuo, que ajudará os homens a conhecer a Deus e a glorificá-Lo (cfr Mt 5,16).

Dia 25 de dezembro

Lc 2, 1-14

Naqueles dias saiu um edito da parte de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. 2Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino gover­nador da Síria. 3E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade. 4Ora José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, até à Judeia, à cidade de David chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, 5a fim de recensear-se com Maria, sua esposa, que se achava grávida. 6E, quando eles ali se encontravam, comple­taram-se os dias de ela dar à luz, 7e teve o seu filho primogênito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria. 8Na mesma região, havia uns pastores, Adoração que pernoitavam nos campos e faziam a dos pastores guarda nocturna do seu rebanho. 9Apareceu-lhes então o Anjo do Senhor e a glória do Senhor cercou-os de luz, e eles tiveram muito medo. 10Disse-lhes o Anjo: Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, para todo o povo: “nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador que é o Messias Senhor! 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira. 13De súbito, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo

l4Glória a Deus nas alturas, e paz na Terra entre os homens do Seu agrado.

Comentário

1. César Augusto era então Imperador de Roma; reinou do ano 30 a.C. ao ano 14 d.C. Conhecem-se vários recenseamentos do seu império ordenados por ele, um dos quais pode bem ser o que nos refere o Evangelista. Como Roma costumava respeitar os usos locais, o recenseamento fazia-se segundo o costume judeu, pelo qual cada chefe de família ia recensear-se ao lugar de origem.

6-7. Já nasceu o Messias, Filho de Deus e nosso Salvador. «Ele fez-Se criança (…) para que tu pudesses ser homem perfeito: Ele foi envolvido em paninhos para que tu fosses livrado dos laços da morte (…). Ele desceu à terra para que tu pudesses subir ao Céu; Ele não teve lugar na pousada para que tu tivesses no Céu muitas mansões. Ele, sendo rico, fez-Se pobre por nós — diz São Paulo (2Cor 8,9) — para que vos enriquecêsseis com a Sua pobreza (…). As lágrimas daquele Menino que chora purificam-me, aquelas lágrimas lavam os meus pecados» (Expositio Evangelii sec.Lucam, ad loc.).

Jesus recém-nascido não fala; mas é a Palavra eterna do Pai. O presépio de Belém é uma cátedra.« É preciso entender as lições que nos dá Jesus já desde Menino, desde recém–nascido, desde que os Seus olhos se abriram para esta bendita terra dos homens» (Cristo que passa, n.° 14). A Sua lição principal é a humildade: «Deus humilha-Se para que possamos corresponder ao Seu amor com o nosso amor, para que a nossa liberdade se renda, não só ante o espectáculo do seu poder, como também ante a maravilha da sua humil­dade.

«Grandeza de um Menino que é Deus! O Seu Pai é o Deus que fez os Céus e a Terra, e Ele ali está, num presépio, quia non erat eis locus in diversorio (Lc 11,7), porque não havia outro sítio na Terra para o dono de toda a Criação!» (Cristo que passa, n.° 18).

Oxalá Jesus ache em nossos corações lugar para nascer espiritualmente. Devemos aspirar a que Cristo nasça em nós, que é como dizer que nós devemos nascer para uma nova vida, ser uma nova criatura (Rom 6,4), guardar aquela santidade e pureza de alma que nos foi dada no Baptismo e que foi como um novo nascimento. Rezemos devagar o terceiro mistério do Santo Rosário, contemplando o Nasci­mento do nosso Salvador.

7. «Filho primogênito»: A Sagrada Escritura costuma chamar primogênito ao primeiro varão que nasce, seja ou não seguido de outros irmãos (cfr, p. ex., Ex 13,2; 13,13; Num 15,8; Heb 1,6). Este sentido também se dava na linguagem profana, como consta, por exemplo, numa inscrição datada aproximadamente do ano do nascimento de Cristo e encontrada nos subúrbios de Tell-el-Jeduieh (Egipto) em 1922, em que se diz que uma mulher chamada Arsínoe, morreu «nas dores do parto do seu filho primogênito». De outro modo, como explica São Jerónimo na epístola Adversus Helvidium, 10, «se só fosse primogênito aquele a quem se seguem outros irmãos, não lhe seriam devidos os direitos de primogênito, segundo manda a Lei, enquanto os outros não nascessem», o que é evidentemente absurdo, já que a Lei ordena o «resgate» dos primogênitos dentro do primeiro mês depois do seu nascimento (cfr Num 18,16).

Por outro lado, Jesus Cristo é primogênito num sentido profundíssimo que ultrapassa toda a consideração natural e biológica. Assim, São Beda, resumindo uma longa tradição dos Santos Padres, expõe esta profunda primogenitura de Cristo com as seguintes palavras: «Na verdade o Filho de Deus, que Se manifesta na carne, é numa ordem mais alta não só Unigênito do Pai segundo a excelência da Sua divindade, mas também primogênito de toda a criatura segundo os vínculos da Sua fraternidade com os homens; desta (da primogenitura) diz-se: ‘Porque aos que Ele (Deus) conheceu de antemão, também os predestinou para que cheguem a ser conformes com a imagem do Seu Filho, a fim de que Ele fosse primogênito entre muitos irmãos’ (Rom 8,29). E daquela (da Sua condição de Unigênito) diz-se ‘e vimos a Sua glória, glória como de Unigênito do Pai’ (Ioh 1,14). Assim, pois, é Unigênito pela Sua substância da Deidade, e primogênito pela assunção da humanidade; primogênito na Graça, Unigênito na natureza. Daí que seja denominado irmão e Senhor: irmão, porque é primogênito; Senhor, porque é Unigênito» (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.).

A Tradição cristã ensina-nos a verdade de fé da virgin­dade de Maria depois do parto, que está em perfeito acordo com este caracter de primogênito de Cristo. Eis aqui, por exemplo, as palavras do Concilio de Latrão do ano de 649: «Se alguém, de acordo com os Santos Padres, não confessar própria e verdadeiramente como Mãe de Deus a Santa e sempre Virgem e Imaculada Maria, uma vez que concebeu nos últimos tempos, sem sêmen, por graça do Espírito Santo,própria e verdadeiramente o mesmo Verbo Divino, que nasceu do Pai antes de todos os séculos, e incorruptivelmente O gerou, permanecendo intacta a sua virgindade após o parto, seja condenado».

8-20. Cristo manifestou-Se de tal maneira no Seu nasci­mento que deixou de igual modo patente a Sua divindade e a Sua humanidade. A fé cristã deve confessar que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Mostrou em Si mesmo a fraqueza — a forma de servo (Phil 2,7) — e, ao mesmo tempo, o poder da Sua divindade.

A salvação que Cristo trazia estava destinada a homens de todas as condições e raças: «Não há distinção entre gentio e judeu, entre circunciso e incircunciso, entre bárbaro e cita, entre escravo e livre: mas Cristo é tudo e está em todos» (Col 3,11). Por isso, já no Seu nascimento, escolheu para Se manifestar pessoas de diversas condições: os pastores, os Magos e os justos Simeão e Ana. Como comenta Santo Agostinho: «Os pastores eram israelitas; os Magos, gentios; aqueles estavam próximo; estes, longe. Uns e outros acor­reram a Cristo como à pedra angular» (Sermo de Nativitate Domini, 202).

8-9. Estes pastores podiam ser muito bem da comarca de Belém ou talvez inclusivamente de outras zonas, que vinham aproveitar os pastos. A esta gente simples e humilde é a quem primeiro é anunciada a boa nova do nascimento de Cristo. Deus mostra predilecção pelos humildes (cfr Prv 3,32); oculta-Se aos que presumem de sábios e de prudentes e revela-Se aos «pequenos» (cfr Mt 11,25). 10-14. O anjo anuncia que o Menino que nasceu é o Salvador, o Cristo, o Senhor. É o Salvador porque veio redi­mir-nos dos nossos pecados (cfr Mt l ,21). E o Cristo, isto é, o Messias prometido tantas vezes no AT, e que agora está recém-nascido entre nós cumprindo essa esperança antiga. É o Senhor, com o que se manifesta a divindade de Cristo, visto que com este nome quis Deus ser chamado pelo Seu povo no AT. E este nome tornar-se-á corrente entre os cristãos para designar e invocar Jesus, e assim confessará a sua fé a Igreja para sempre: «Creio (…) num só Senhor Jesus Cristo, Filho único de Deus (…)».

O anjo, ao dizer-lhes que o Menino tinha nascido na cidade de David, recorda-lhes que este era o lugar destinado ao nascimento do Messias Redentor (cfr Mich 5,2; Mt 2,6), descendente de David (cfr Ps 110,1-2; Mt 22,42-46).

Cristo, porém, é não só Senhor dos homens, mas também dos anjos. Daí que estes se alegrem pelo Nascimento de Cristo e Lhe tributem esta adoração: «Glória a Deus nas alturas». Mais ainda, como os homens são chamados a participar na mesma felicidade eterna que os anjos, estes exprimem a sua alegria acrescentando no seu louvor: « E paz na terra aos homens do Seu agrado». «Louvai o Senhor — comenta São Gregório Magno — pondo as vozes do seu canto em harmonia, com a nossa redenção; já nos vêem a participar na sua mesma sorte e congratulam-se por isso» (Moralia, 28,7).

São Tomás resume a razão de que o Nascimento de Cristo fosse manifestado por meio de anjos: «Necessita de ser manifestado o que de si é oculto, não o que é evidente. O corpo do recém-nascido era manifesto; mas a Sua divindade estava oculta, e, portanto, era conveniente que se manifestasse aquele nascimento por meio dos anjos, que são ministros de Deus; por isso apareceu o anjo rodeado de clari­dade, para que fosse evidente que o recém-nascido era ‘o esplendor da glória do Pai’ (Heb 1,3)» (Suma Teológica, III, q. 36, a. 5 ad 1).

O anjo anuncia também aos pastores a humanidade de Cristo: «Encontrareis um Menino envolto em panos e dei­tado numa manjedoira» (v. 12), como já tinha sido profe­tizado no AT: «Um menino nos nasceu, e um filho nos foi dado, o qual leva sobre os seus ombros o principado» (Is9,6).

14. Este texto pode ser traduzido de duas maneiras, que não se excluem. Uma é a que figura na presente tradução, que eqüivale à tradução litúrgica portuguesa do Missal: «Paz na terra aos homens do Seu agrado». A outra seria: «E na terra paz aos homens de boa vontade». Em última análise, o que diz o texto é que os anjos pedem paz e reconciliação com Deus, que procedem não dos méritos dos homens, mas da misericórdia gratuita que o Senhor quer usar com eles. Ambas as traduções se completam uma à outra, porque quando os homens correspondem à graça de Deus, não fazem senão cumprir em si próprios essa boa vontade, esse amor de Deus por eles: «Iesus Christus, Deus Homo, Jesus Cristo, Deus–Homem! Eis uma das magnalia Dei (Act II, 11), uma das maravilhas de Deus em que temos de meditar e que temos de agradecer a este Senhor que veio trazer a paz. na Terra aos homens de boa vontade (Lc II, 14), a todos os homens que querem unir a sua vontade à Vontade boa de Deus» (Cristo que passa, n.° 13).

Dia 26 de dezembro

Mt 10, 17-22

17Acautelai-vos, porém, dos homens, pois hão-de entregar-vos aos Sinédrios e açoitar-vos nas sinagogas. 18E sereis, por Minha causa, levados à presença dos governadores e à dos reis, para dardes testemunho diante deles e dos gentios. 19Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como ou o que haveis de dizer, pois ser-vos-á dado nessa hora o que haveis de dizer, 20porque não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai, que fala em vós. 21O irmão há-de entregar à morte o irmão, e o pai, ao filho. E levantar-se-ão os filhos contra os pais e far-lhe-ão dar a morte. 22E sereis odiados de todos, por causa do Meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo.

Comentário

16-23. Jesus Cristo dá aqui uma série de instruções e advertências, que terão aplicação constante ao longo de toda a história da Igreja. Dificilmente o espírito do mundo compreenderá os caminhos de Deus. Cristo não pode transigir com certas manifestações mundanas, por muito em moda que estejam. Por isso, a vida cristã levará consigo, necessariamente, uma inconformidade diante de tudo o que atente contra a fé e a moral (cfr Rom 12,2). Não se pode estranhar que a vida do cristão se mova, não poucas vezes, entre o heroísmo ou a traição. Perante estas dificuldades não se deve ter medo: não estamos sós, contamos com a ajuda poderosa do nosso Pai Deus, que nos fará ser valentes e audazes.

20. Com estas palavras Jesus ensina o carácter completamente sobrenatural do testemunho que pede aos Seus discípulos. O comportamento de tantos mártires cristãos, conservado documentalmente, prova como se cumpre na vida dos fiéis a promessa de Jesus; é impressionante ao ler esses documentos comprovar a serenidade e a sabedoria de pessoas de escassa cultura, por vezes quase crianças.

A doutrina deste versículo fundamenta a fortaleza e confiança que o cristão deve ter nas situações mais variadas e difíceis da vida, nas quais seja necessário confessar a fé. Não estará só, mas o Espírito Santo porá nele palavras cheias de sabedoria divina.

Dia 27 de dezembro

Lc 2, 41-52

41Iam Seus pais todos os anos a Jerusalém, nela festa da Páscoa. 42E, quando chegou aos doze anos, subiram eles até lá, segundo o costume da festa. 43Quando chegaram ao fim desses dias, ao regressarem, o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem os pais darem por isso. 44Pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-Lo entre os parentes e conhecidos. 45Não O encontrando, voltaram a Jerusalém, à procura d’Ele. 46E, depois de três dias, acharam-No no Templo, sentado no meio dos doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. 47Todos aqueles que O ouviam, estavam pasmados da Sua inteligência e das Suas respostas. 48Quando O viram, ficaram vivamente impressionados, e Sua mãe disse–Lhe: Filho, porque procedeste assim connosco? Olha que Teu pai e eu andávamos aflitos à Tua procura. 49Ele respondeu-lhes: Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu tenho de estar em casa de Meu Pai? 5uMas eles não entenderam as palavras que lhes disse.

5lDepois, desceu com eles, veio para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração. 52E Jesus ia progredindo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens.

Comentário

41. Só São Lucas (2,41-50) recolheu o acontecimento do Menino Jesus perdido e achado no Templo, que piedosa­mente contemplamos no quinto mistério gozoso do santo Rosário.

A viagem era obrigatória apenas para os varões a partir dos doze anos. A distância entre Nazaré e Jerusalém em linha recta é de uns 100 km. Tendo em conta as zonas montanhosas, os caminhos dariam um rodeio que pode cal­cular-se em 140 km.

43-44. Nas peregrinações a Jerusalém os Judeus costu­mavam caminhar em dois grupos: um de homens e outro de mulheres. As crianças podiam ir com qualquer dos dois. Isto explica que pudesse passar inadvertida a ausência do Menino até que terminou a primeira jornada, momento em que se reagrupavam as famílias para acampar.

«Maria chora. — Bem corremos, tu e eu, de grupo em grupo, de caravana em caravana; não O viram. — José, depois de fazer esforços inúteis para não chorar, chora também… E tu.. E eu…

« Eu, como sou criadito rústico, choro até mais não poder e clamo ao céu e à terra…, por todas as vezes que O perdi por minha culpa e não clamei» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso).

45. A solicitude com que Maria e José buscam o Menino há-de estimular-nos a nós a buscar sempre Jesus, sobretudo quando O tenhamos perdido pelo pecado.

«Jesus! Que eu nunca mais Te perca… E então, a desgraça e a dor unem-nos, como nos uniu o pecado, e saem de todo o nosso ser gemidos de profunda contrição e frases ardentes, que a pena não pode, não deve registrar» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso).

46-47. Seguramente o Menino Jesus estaria no átrio do Templo, onde os doutores costumavam ensinar. Os que queriam escutavam as explicações, sentados no chão, inter­vindo por vezes com perguntas e respostas. O Menino Jesus seguiu este costume, mas as Suas perguntas e respostas chamaram a atenção dos doutores pela sua sabedoria e ciência.

48. A Virgem Santíssima sabia desde a Anunciação do anjo que o Menino Jesus era Deus. Esta fé fundamentou uma atitude constante de generosa fidelidade ao longo de toda a sua vida, mas não tinha por que incluir o conhecimento concreto de todos os sacrifícios que Deus lhe pediria, nem do modo como Cristo levaria a cabo a Sua missão redentora. I-lo-ia descobrindo na contemplação da vida de Nosso Senhor.

49. A resposta de Cristo é uma explicação. As palavras do Menino — que são as primeiras que recolhe o Evangelho — indicam claramente a Sua Filiação divina. E afirmam a Sua vontade de cumprir os desígnios de Seu Pai Eterno. « Não os repreende — a Maria e a José — porque O buscam como filho, mas fá-los levantar os olhos do seu espírito para que vejam o que deve Àquele de Quem é Filho Eterno» (In Lucae Evangelium expositio, ad loc.). Jesus ensina-nos a todos que por cima de qualquer autoridade humana, inclusive a dos pais, está o dever primário de cumprir a vontade de Deus: «E com a alegria de encontrarmos Jesus — três dias de ausência! — disputando com os Mestres de Israel (Lc II, 46), ficará bem gravada na tua alma e na minha a obrigação de deixarmos os nossos em serviço do Pai Celestial» (Santo Rosário, quinto mistério gozoso). Cfr a nota a Mt 10,34-37.

50. Há que ter em conta que Jesus conhecia com pormenor desde a sua concepção o desenvolvimento de toda a Sua vida na terra (cfr a nota a Lc 2,52). As palavras com que responde a Seus pais denotam esse conhecimento. Maria e José deram-se conta de que essa resposta entranhava um sentido muito profundo que não chegavam a compreender. Foram-no compreendendo à medida que os acontecimentos ida vida de Seu Filho se iam desenvolvendo. A fé de Maria e José e a sua atitude de reverência perante o Menino leva­ram-nos a não perguntar mais por então, e a meditar, como noutras ocasiões, nas obras e nas palavras de Jesus.

51. O Evangelho resume-nos a vida admirável de Jesus em Nazaré apenas com três palavras: erat súbditus illis, era-lhes submisso, obedecia-lhes. «Jesus obedece, e obedece a José e a Maria. Deus veio à Terra para obedecer, e para obedecer às criaturas. São duas criaturas perfeitíssimas — Santa Maria, nossa Mãe; mais do que Ela, só Deus; e aquele varão castíssimo, José. Mas criaturas. E Jesus, que é Deus, obedecia-lhes! Temos de amar a Deus, para amar assim a Sua vontade, e ter desejos de responder aos chamamentos que nos dirige através das obrigações da nossa vida corrente: nos deveres de estado, na profissão, no trabalho, na família, no convívio social, no nosso sofrimento e no sofrimento dos outros homens, na amizade, no empenho de realizar o que é bom e justo…» (Cristo que passa, n.° 17).

Em Nazaré permaneceu Jesus como um mais dos homens, trabalhando no mesmo ofício de São José e ganhando o sustento com o suor do Seu rosto. «Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, nem uma simples preparação dos anos que viriam depois, os da Sua vida pública. Desde 1928 compreendi claramente que Deus deseja que os cristãos tomem exemplo de toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a Sua vida escondida, a Sua vida de trabalho corrente no meio dos homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nos anos de vida calada e sem brilho. Obedecer à vontade de Deus, portanto, é sempre sair do nosso egoísmo; mas não tem por que se traduzir no afastamento das circunstâncias ordinárias da vida dos homens, iguais a nós pelo seu estado, pela sua profissão, pela sua situação na sociedade.

«Sonho — e o sonho já se tornou realidade — com mul­tidões de filhos de Deus santificando-se na sua vida de cidadãos correntes, compartilhando ideais, anseios e esforços com as outras pessoas. Preciso de lhes gritar esta verdade divina: se permaneceis no meio do mundo, não é porque Deus Se tenha esquecido de vós; não é porque o Senhor não vos tenha chamado; convidou-vos a permanecer nas atividades e nas ansiedades da Terra, porque vos fez saber que a vossa vocação humana, a vossa profissão, as vossas quali­dades não só não são alheias aos Seus desígnios divinos, mas Ele as santificou como oferenda gratíssima ao Pai!» (Cristo que passa, n.° 20).

52. Segundo a Sua natureza humana Jesus Menino crescia como um de nós. O crescimento em sabedoria deve entender-se quanto à ciência experimental: os conheci­mentos adquiridos pelo Seu entendimento humano a partir das coisas sensíveis e da experiência da vida. Também se pode falar de aumento de sabedoria segundo os efeitos ou manifestações externas; neste aspecto Cristo realizava obras sempre perfeitas em relação com a Sua idade.

Na humanidade de Jesus havia três espécies de ciência: l. A ciência dos bem-aventurados (visão da essência divina) em razão da união hipostática (união da natureza humana de Cristo com a divina na única Pessoa do Verbo). Esta ciência não podia crescer. 2. A ciência infusa, que aperfei­çoava a Sua inteligência e pela qual conhecia todas as coisas, inclusivamente as ocultas, como ler nos corações dos homens. Esta ciência também não podia aumentar. 3. A ciência adquirida, pela qual, como os outros homens, adquiria novos conhecimentos a partir das experiências sensíveis. Esta evidentemente crescia com a passagem dos anos.

Quanto à graça, propriamente falando, Jesus não podia crescer. Desde o primeiro instante da Sua conceição tinha a graça em toda a sua plenitude por ser verdadeiro Deus em razão da união hipostática. Segundo explica São Tomás: «O fim da graça é a união da criatura racional com Deus, e não pode haver nem pode entender-se .urna união mais íntima da criatura racional com Deus que a que se dá na Pessoa de Cristo (…). É, pois, evidente que a graça de Cristo não pôde aumentar por parte da mesma graça. Nem tão–douco pôde aumentar por parte de Cristo, que enquanto homem foi verdadeira e plenamente compreensor, bem aventurado, desde o primeiro instante da Sua conceição. Portanto não pôde aumentar n’Ele a graça» (Suma Teológica, III, q. 7, a. 12).

Pode falar-se, não obstante, de um crescimento em graça segundo os efeitos. Em qualquer caso, encontramo-nos aqui diante de um dos mistérios da fé que excedem a nossa inteligência. Que pequeno seria Deus se nós O pudéssemos entender e explicar perfeitamente! Cristo ocultando o Seu poder e a Sua sabedoria infinitas, fazendo-Se Menino, que grande lição é para o nosso orgulho!

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