em Evangelho do dia

Dia 17 de agosto

Mt 19, 16-22

16Senão quando, aproxima-se um que Lhe diz: Mestre, que hei-de fazer de bom para obter a vida eterna? 17Respondeu-lhe Ele: Porque Me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. 18Diz-Lhe: Quais? Jesus respondeu: Não matar, não adulterar, não roubar, não levantar falso testemunho, 19honrar pai e mãe e amar o próximo como a ti mesmo. 20Disse-Lhe o jovem: Tudo isso tenho eu observado desde a minha mocidade. Que me falta ainda? 21Respondeu-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro nos Céus. Depois, vem e segue-Me. 22O jovem, ao ouvir estas palavras, afastou-se triste, pois tinha muitos haveres.

Comentário

17. A Vulgata e outras versões, apoiadas em bastantes códices gregos, esclarecem esta frase completando-a: “Um só é o bom, Deus”.

20-22. “Que me falta ainda?”: O jovem guardava já os mandamentos necessários para a salvação. Mas há mais. Por isso o Senhor responde: “se queres ser perfeito…”, isto é, se queres adquirir o que ainda te falta. Trata-se de um novo chamamento de Jesus: “Depois, vem e segue-Me…”. Com estas palavras o Senhor manifesta que quer fazê-lo Seu “discípulo”, e por isso lhe exige, como fez com os outros (cfr Mt 4,19-22), que abandone tudo o que possa ser obstáculo para uma plena dedicação ao Reino de Deus.

A cena termina de forma melancólica: o jovem afasta-se triste. O apego às suas coisas prevalece sobre o convite carinhoso de Jesus. É a tristeza que se segue à falta de coragem para responder à chamada do Senhor com a entrega pessoal.

Os evangelistas ao narrar este acontecimento transcendem o mero episódio para nos situarem diante de um caso tipo: descreve-se uma situação, formula-se uma lei: a da vocação divina, específica, para entregar-se ao Seu serviço e ao de todos os homens.

Este jovem ficou como figura do cristão a quem a sua mediocridade e a curteza de vista impedem de converter a sua vida numa entrega gozosa e fecunda ao serviço de Deus e do próximo.

Se tivesse sido suficientemente generoso para responder ao chamamento divino, que teria chegado a ser? Um grande apóstolo, sem dúvida.

Dia 18 de agosto

Mt 19, 23-30

23Jesus disse então aos discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. 24Torno a dizer: É mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico no Reino de Deus.

25Os discípulos, ao ouvirem isto, ficaram muito admirados e diziam: Se é assim, quem se poderá salvar? 26Jesus fitou-os e disse: Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível. 27Então Pedro, tomando a palavra, disse-Lhe: Nós deixámos tudo e seguimos-Te; qual será, logo a nossa recompensa?

28E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que vós, os que Me tendes seguido, na regeneração, quando o Filho do homem Se sentar no Seu trono de glória, sentar-vos-eis vós sobre doze tronos, a julgar as doze tribos de Israel. 29E todo aquele que deixar casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou campos por causa do Meu nome, receberá cem por um e receberá em herança a vida eterna. 30Muitas vezes, porém, os primeiros serão os últimos e os últimos primeiros.

Comentário

24-26. Com esta comparação expõe Jesus a impossibilidade que têm de participar no Reino de Deus os que põem o seu coração nos bens deste mundo.

“A Deus tudo é possível”: Isto é, com a graça divina o homem pode ter a fortaleza e a generosidade suficientes para fazer das riquezas um instrumento de serviço a Deus e aos homens. Esta é a razão pela qual no capítulo 5 de São Mateus se precisa que são bem-aventurados os pobres de espírito (Mt 5, 3).

28. Por “regeneração” entende-se aqui a renovação de todas as coisas quando Jesus Cristo vier para julgar os vivos e os mortos. Parte integrante desta renovação será a ressurreição dos corpos.

O antigo povo de Deus, Israel, estava constituído por doze tribos. O novo Povo de Deus, que é a Igreja, a que estão chamados todos os homens, está fundada por Jesus Cristo sobre os Doze Apóstolos sob o primado de Pedro.

29. Encontramo-nos perante umas expressões muito gráficas que não devem ser atenuadas. É significado nelas que o amor a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho deve estar por cima de tudo. Estas frases não devem interpretar-se de forma contraditória com a Vontade do próprio Deus, que instituiu e santificou os laços familiares.

Dia 19 de agosto

Mt 20, 1-16a

1Com efeito, o Reino dos Céus é semelhante a um proprietário que saiu de manhã cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. 2E, tendo ajustado com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha. 3Saindo depois, cerca da terceira hora, viu outros que estavam na praça ociosos 4e disse-lhes: “Ide também vós para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo”. 5E eles foram. Tornando a sair, cerca da hora sexta e da nona, fez na mesma. 6Enfim, cerca da undécima, saindo, encontrou lá outros parados e disse-lhes: “Porque estais aqui todo o dia sem fazer nada?” 7Responderam-lhe: “Porque ninguém nos falou”. Disse-lhes: “Ide também vós para a minha vinha”. 8Ao anoitecer, diz o dono da vinha ao feitor: “Chama os trabalhadores e paga-lhes a jorna, a começar pelos últimos até aos primeiros”. 9E, chegando-se os da undécima hora, receberam cada qual um dinheiro. 10Quando chegaram os primeiros, julgaram que receberiam mais, mas receberam também eles cada qual um dinheiro. 11E, ao recebê-lo, murmuravam contra o proprietário 12e diziam: “Estes últimos trabalharam só uma hora e igualaste-los a nós que aguentámos o peso do dia e a calma!” 13Ele, porém, respondendo a um deles, disse: “Meu amigo, não te faço nenhuma injustiça? Não ajustaste comigo por um dinheiro? 14Toma o que é teu e vai-te. Quero dar a este último tanto como a ti. 15Ou não me será lícito fazer o que quero do que é meu? Serão maus os teus olhos porque eu sou bom?” 16aAssim, os últimos serão primeiros e primeiros os últimos.

Comentário

1-16. A parábola refere-se directamente ao povo judaico. Deus chamou-o na primeira hora, desde há séculos. Ultimamente chamou também os gentios. Todos são chamados com o mesmo direito a fazer parte do novo Povo de Deus, que é a Igreja. Para todos o convite é gratuito. Por isso, os Judeus, que foram chamados primeiro, não teriam razão ao murmurar contra Deus pela escolha dos últimos, que têm o mesmo prémio: fazer parte do Seu Povo. À primeira vista, o protesto dos jornaleiros da primeira hora parece justo. E parece-o, porque não compreendem que poder trabalhar na vinha do Senhor é um dom divino. Jesus deixa claro com a parábola que são diversos os caminhos pelos quais chama, mas que o prémio é sempre o mesmo: o Céu.

2. “Denário” era uma moeda de prata com inscrição e imagem de César Augusto (Mt 22, 19-21) e, como se vê aqui, equivalia ao jornal de um operário agrícola.

3. Os judeus calculavam o tempo de modo diferente ao nosso. Dividiam a totalidade do dia em oito partes, quatro para a noite, que chamavam vigílias (Lc 12, 38), e quatro para o tempo compreendido entre o nascer e o pôr do sol, que chamavam horas: hora de prima, de tércia, de sexta e de noa.

A hora de prima começava ao nascer do sol e terminava pelas nove; a de tércia abarcava até às doze; a de sexta até às três da tarde e a de noa até ao pôr do sol. Por isso a duração das horas de prima e de noa era instável: minguava durante o Outono e o Inverno, e crescia durante a Primavera e o Verão; ao invés acontecia com as vigílias primeira e quarta.

Convém notar que por vezes se contavam as horas intermédias como aparece no v. 6, onde se fala da hora undécima talvez para recalcar o pouco tempo que faltava já para o pôr do sol, fim do trabalho.

16. A Vulgata, outras versões e bastantes códices gregos acrescentam: “Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos” (cfr Mt 22, 14)

Dia 20 de agosto

Mt 22, 1-14

1E Jesus, continuando, tornou a falar-lhes em parábolas, e disse: 2O Reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho, 3e mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir. 4Tornou a mandar outros servos com este recado: “Dizei aos convidados: Vede que o meu banquete está preparado, abatidos os meus novilhos e animais cevados, e tudo pronto. Vinde para as bodas.” 5Eles, porém, não fizeram caso e foram um para o seu campo, outro para o seu negócio; 6os outros lançaram mão dos servos, ultrajaram-nos e mataram-nos. 7O rei, encolerizado, enviou os seus exércitos e exterminou aqueles assassinos e incendiou-lhes a cidade. 8Disse então aos servos: “As bodas estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às encruzilhadas dos caminhos e convidai quantos encontrardes.” 10Saíram os servos pelos caminhos e ajuntaram quantos encontraram, maus e bons, e encheu-se o salão de convivas. 11Entrando o rei, para ver os convivas, reparou num homem que não estava vestido com o traje de boda 12e disse-lhe: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de boda?” Ele emudeceu. 13Disse então o rei aos serventes: “Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes.” 14Pois muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

Comentário

1-14. Nesta parábola Jesus Cristo põe em realce a insistente Vontade de Deus Pai que chama todos os homens à salvação – o banquete que é o Reino dos Céus -, e a misteriosa malícia que se encerra na rejeição voluntária deste convite: tão grave, que merece um castigo definitivo. Diante da chamada de Deus à conversão, à aceitação da fé e das suas conseqüências, não há interesses humanos que se possam opor razoavelmente. Não admite desculpas.

Os Santos Padres viram nos primeiros convidados o povo judaico. Efectivamente, no curso da História da Salvação, Deus dirigiu-Se primeiro aos Israelitas, depois a todos os gentios (Act 13,46).

A repulsa da chamada amorosa de Deus por parte dos Israelitas, devida a indiferença ou a hostilidade, levou-os à perdição. Mas também os gentios devem corresponder fielmente à sua chamada para não serem arrojados “às trevas exteriores”.

“As bodas, diz São Gregório Magno (In Evangelia homiliae, 36), são as bodas de Cristo com a Sua Igreja, e o traje é a virtude da caridade: entra portanto nas bodas, mas sem o vestido, quem tem fé na Igreja, mas não possui a caridade”.

O traje de bodas indica, em geral, as disposições com que se há-de entrar no Reino dos Céus. Se alguém não as possui, mesmo pertencendo à Igreja, será condenado no dia em que Deus julgar cada um. Estas disposições são, em resumo, a correspondência à graça.

13. O Concilio Vaticano II recorda a verdade dos novíssimos, um de cujos aspectos declara este versículo. Ao falar da índole escatológica da Igreja, invoca a advertência do Senhor de que estejamos vigilantes contra as arremetidas do demônio, para poder resistir no dia mau (cfr Eph 6, 11-13). “Mas, como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr Heb 9, 27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr Mt 25, 31-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cfr Mt 25, 26), no fogo eterno (cfr Mt 25, 41), nas trevas exteriores, onde ‘haverá choro e ranger de dentes'” (Lumen gentium, n. 48).

14. Estas palavras não contradizem, de modo algum, a vontade salvífica universal de Deus (cfr 1 Tim 2, 4). Com efeito, Cristo, no Seu Amor pelos homens, busca a conversão de cada alma com infinita paciência, até ao extremo de morrer na cruz (cfr Mt 23, 37; Lc 15, 4-7). É a doutrina que ensina o apóstolo São Paulo, quando diz que Cristo nos amou e “Se entregou a Si mesmo por nós como oblação e vítima” (Eph 5, 2). Cada um de nós pode afirmar com o Apóstolo que Cristo “me amou e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gal 2, 20). Não obstante, Deus, na Sua infinita sabedoria, respeita a liberdade do homem, que tem a tremenda possibilidade de rejeitar a graça (cfr Mt 7, 13-14).

Dia 21 de agosto

Mt 22, 34-40

34Mas os Fariseus, ao saberem que fizera calar os Saduceus, juntaram-se num corpo, 35e um deles, que era doutor da lei, para O tentar, interrogou-O: 36Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? 37Respondeu Ele: Ama o Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. 38Este é o maior e o primeiro mandamento. 39E o segundo é semelhante a este: Ama o teu próximo como a ti mesmo. 40Destes dois mandamentos depende toda a Lei e os Profetas.

Comentário

34-40. Diante da pergunta, o Senhor põe em relevo que toda a Lei se condensa em dois mandamentos: o primeiro e mais importante consiste no amor incondicional a Deus; o segundo é conseqüência e efeito do primeiro: porque quando é amado o homem, diz São Tomás, é amado Deus já que o homem é imagem de Deus (cfr Comentário sobre S. Mateus, 22,4).

Quem ama deveras Deus ama também os seus iguais, porque verá neles os seus irmãos, filhos do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Temos este mandamento de Deus: que o que ame a Deus ame também o seu irmão” (1 Ioh 4,21). Há, porém, um perigo: se amamos o homem pelo homem, sem referência a Deus, este amor converte-se em obstáculo que impede o cumprimento do primeiro preceito; e então deixa também de ser verdadeiro amor ao próximo. Mas o amor ao próximo por Deus é prova patente de que amamos a Deus: “se alguém diz: amo a Deus, mas despreza o seu irmão, é um mentiroso” (1 Ioh 4,20).

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo“: Estabelece aqui o Senhor que a medida prática do amor ao próximo há-de ser o amor a si mesmo; tanto o amor aos outros como o amor a si mesmo fundamentam-se no amor a Deus. Daí que, nuns casos, o amor de Deus exigirá pôr uma necessidade do próximo por diante da nossa e, noutros casos, não: depende do diverso valor que tenham, à luz do amor de Deus, os bens espirituais e materiais que estejam em jogo.

É evidente que os bens do espírito têm uma precedência absoluta sobre os bens materiais, inclusive o da própria vida. Daí que sempre há que salvar, antes de mais, os bens espirituais, quer sejam próprios ou do próximo. Quando se trata do supremo bem espiritual, que é a salvação da alma, de nenhum modo se pode correr o perigo certo de condenar-se para salvar outro, porque, dada a liberdade humana, nunca podemos estar seguros da decisão pessoal que possa tomar o próximo: é a situação que reflecte a parábola das virgens néscias e prudentes (cfr Mt 25,1-13) ao negar-se estas a dar-lhes o azeite; no mesmo sentido diz São Paulo que se faria anátema para salvar os seus irmãos (cfr Rom 9,3), numa frase condicional irreal. Não obstante, é claro que temos de fazer tudo o possível para salvar os nossos irmãos, conscientes de que quem contribui para que o pecador se converta do seu extravio salvar-se-á ele mesmo da morte eterna e cobrirá a multidão dos seus pecados (Iac 5,20). De tudo isso se deduz que o próprio amor recto de si, fundado no Amor de Deus ao homem, traz como conseqüência as exigências radicais do esquecimento de si para amar a Deus e ao próximo por Deus.

37-38. O mandamento do amor é o mais importante porque nele alcança o homem a sua perfeição (cfr Col 3, 14). “Quanto mais uma alma ama, escreve São João da Cruz, tanto mais perfeita é naquilo que ama; daí resulta que esta alma que já está perfeita, toda é amor e todas as suas acções são amor, e emprega todas as suas potências e riquezas em amar dando todas as suas coisas, como o sábio mercador (Mt 13, 46), por este tesouro de amor que achou escondido em Deus (…). Porque, assim como a abelha tira de todas as ervas o mel que ali há e não se serve delas senão para isto, assim também de todas as coisas que passam pela alma, com grande facilidade ela tira a doçura de amor que contém; que amar a Deus nelas, ora seja saboroso, ora desabrido, estando ela informada e amparada pelo amor como está, não o sente, nem o goza, nem o sabe, porque, como dissemos, a alma não sabe senão amor, e o seu gosto em todas as coisas e tratos, é sempre deleite de amor de Deus” (Cântico espiritual, canção 27).

Dia 22 de agosto

Lc 1, 26-38

26Ao sexto mês, foi o Anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27a uma virgem que era noiva dum homem da casa de David, chamado José, e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar para junto dela, disse o Anjo: Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. 29A estas palavras, ela perturbou-se e ficou a pensar que saudação seria aquela. 30Disse-lhe o Anjo: Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo; dar-Lhe-á o Senhor Deus o trono de Seu pai David, 33reinará eternamente na casa de Jacob e o Seu reinado não terá fim.

34Disse Maria ao Anjo: Como será isso, se eu não conheço homem? 35Disse-lhe o Anjo, em resposta: Virá sobre ti o Espírito Santo, e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus. 36E também Isabel, tua parenta, concebeu um filho, na sua velhice, e é este o sexto mês dessa que chamavam estéril, 37porque, da parte de Deus, nada é impossível. 38Maria disse então: Eis a escrava do Senhor: seja-me feito segundo a tua palavra. E retirou-se o Anjo de junto dela.

Comentário

26-38. Aqui contemplamos Nossa Senhora que, “enriquecida, desde o primeiro instante da sua conceição, com os esplendores duma santidade singular, a Virgem de Nazaré é saudada pelo Anjo, da parte de Deus, como cheia de graça (cfr Lc 1,28); e responde ao mensageiro celeste: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc l ,38). Deste modo, Maria, filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, não retida por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção. Por isso, consideram com razão os santos Padres que Maria não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo, mas que cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens” (Lumen gentium, n. 56).

A Anunciação a Maria e a Encarnação do Verbo é o facto mais maravilhoso, o mistério mais entranhável das relações de Deus com os homens e o acontecimento mais transcendente da História da humanidade. Que Deus Se faça Homem e para sempre! Até onde chegou a bondade, a misericórdia e o amor de Deus por nós, por todos nós! E, não obstante, no dia em que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade assumiu a débil natureza humana das entranhas puríssimas de Maria Santíssima, nada extraordinário acontecia, aparentemente, sobre a face da terra.

Com grande simplicidade narra São Lucas o magno acontecimento. Com quanta atenção, reverência e amor temos de ler estas palavras do Evangelho, rezar piedosamente o Angelus cada dia, seguindo a divulgada devoção cristã, e contemplar o primeiro mistério gozoso do santo Rosário.

27. Deus quis nascer de uma mãe virgem. Assim o tinha anunciado séculos antes por meio do profeta Isaías (cfr Is 7,14; Mt 1,22-23). Deus, “desde toda a eternidade, escolheu-A e indicou-A como Mãe para que o Seu Unigênito Filho tomasse carne e nascesse d’Ela na plenitude ditosa dos tempos; e em tal grau A amou por cima de todas as criaturas, que só n’Ela se comprazeu com assinaladíssima complacência” (Ineffabilis Deus). Este privilégio de ser virgem e mãe ao mesmo tempo, concedido a Nossa Senhora, é um dom divino, admirável e singular. Deus “engrandeceu tanto a Mãe na concepção e no nascimento do Filho, que Lhe deu fecundidade e A conservou em perpétua virgindade” (Catecismo Romano, I,4,8). Paulo VI recordava-nos novamente esta verdade de fé: “Cremos que a bem-aventurada Maria, que permaneceu sempre Virgem, foi a Mãe do Verbo encarnado, Deus e Salvador nosso Jesus Cristo” (Credo do Povo de Deus, n° 14).

Ainda que se tenham proposto muitos significados do nome de Maria, os autores de maior relevância parecem estar de acordo em que Maria significa Senhora. Não obstante, a riqueza que contém o nome de Maria não se esgota com um só significado.

28. “Salve!”: Literalmente o texto grego diz: alegra-te! É claro que se trata de uma alegria totalmente singular pela notícia que Lhe vai comunicar a seguir.

“Cheia de graça”: O Arcanjo manifesta a dignidade e a honra de Maria com esta saudação desusada. Os Padres e Doutores da Igreja “ensinaram que com esta singular e solene saudação, jamais ouvida, se manifestava que a Mãe de Deus era assento de todas as graças divinas e que estava adornada de todos os carismas do Espírito Santo”, pelo que “jamais esteve sujeita a maldição”, isto é, esteve imune de todo o pecado. Estas palavras do arcanjo constituem um dos textos em que se revela o dogma da Imaculada Conceição de Maria (cfr Ineffabilis Deus; Credo do Povo de Deus, n° 14).

“O Senhor está contigo”: Estas palavras não têm um mero sentido deprecatório (o Senhor esteja contigo), mas afirmativo (o Senhor está contigo), e em relação muito estreita com a Encarnação. Santo Agostinho glosa a frase “o Senhor está contigo” pondo na boca do arcanjo estas palavras: “Mais que comigo, Ele está no teu coração, forma-Se no eu ventre, enche a tua alma, está no teu seio” (Sermo de Nativitate Domini, 4).

Alguns importantes manuscritos gregos e versões antigas acrescentam no fim: “Bendita tu entre as mulheres”: Deus exaltá-La-ia assim sobre todas as mulheres. Mais excelente que Sara, Ana, Débora, Raquel, Judit, etc., pelo facto de que só Ela tem a suprema dignidade de ter sido escolhida para ser Mãe de Deus.

29-30. Perturbou-se Nossa Senhora pela presença do Arcanjo e pela confusão que produzem nas pessoas verdadeiramente humildes os louvores dirigidos a elas.

30. A Anunciação é o momento em que Nossa Senhora conhece com clareza a vocação a que Deus A tinha destinado desde sempre. Quando o Arcanjo A tranqüiliza e Lhe diz “não temas, Maria”, está a ajudá-La a superar esse temor inicial que, ordinariamente, se apresenta em toda a vocação divina. O facto de que isto tenha acontecido à Santíssima Virgem indica-nos que não há nisso nem sequer imperfeição: é uma reacção natural diante da grandeza do sobrenatural. Imperfeição seria não o superar, ou não nos deixarmos aconselhar por aqueles que, como São Gabriel e Nossa Senhora, podem ajudar-nos.

31-33. O arcanjo Gabriel comunica à Santíssima Virgem a sua maternidade divina, recordando as palavras de Isaías que anunciavam o nascimento virginal do Messias e que agora se cumprem em Maria Santíssima (cfr Mt 1,22-23; Is 7,14).

Revela-se que o Menino será “grande”: a grandeza vem-Lhe da Sua natureza divina, porque é Deus, e depois da Encarnação não deixa de sê-lo, mas assume a pequenez da humanidade. Revela-se também que Jesus será o Rei da dinastia de David, enviado por Deus segundo as promessas de Salvação; que o Seu Reino “não terá fim”: porque a Sua humanidade permanecerá para sempre indissoluvelmente unida à Sua divindade; que “chamar-se-á Filho do Altíssimo”: indica ser realmente Filho do Altíssimo e ser reconhecido publicamente como tal, isto é, o Menino será o Filho de Deus.

No anúncio do Arcanjo evocam-se, pois, as antigas profecias que anunciavam estas prerrogativas. Maria, que conhecia as Escrituras Santas, entendeu claramente que ia ser Mãe de Deus.

34-38. O Papa João Paulo II comentava assim este passo: “Virgo fidelis, Virgem fiel. Que significa esta fidelidade de Maria? Quais são as dimensões dessa fidelidade? A primeira dimensão chama-se busca. Maria foi fiel, antes de mais, quando com amor se pôs a buscar o sentido profundo do desígnio de Deus n’Ela e para o mundo. ‘Quomodo fiet? Como acontecerá isto?‘, perguntava Ela ao anjo da Anunciação (…). Não haverá fidelidade se não houver na raiz esta ardente, paciente e generosa busca (…).

A segunda dimensão da fidelidade chama-se acolhimento, aceitação. O quomodo fiet transforma-se, nos lábios de Maria, em um fiat. Que se faça, estou pronta, aceito: este é o momento crucial da fidelidade, momento em que o homem percebe que jamais compreenderá totalmente o como; que há no desígnio de Deus mais zonas de mistério que de evidência; que, por mais que faça, jamais conseguirá captar tudo (…).

Coerência é a terceira dimensão da fidelidade. Viver de acordo com o que se crê. Ajustar a própria vida ao objecto da própria adesão. Aceitar incompreensões, perseguições antes que permitir rupturas entre o que se vive e o que se crê: esta é a coerência (…).

Mas toda a fidelidade deve passar pela prova mais exigente: a da duração. Por isso a quarta dimensão da fidelidade é a constância. É fácil de ser coerente por um dia ou por alguns dias. Difícil e importante é ser coerente toda a vida. É fácil de ser coerente na hora da exaltação, difícil sê-lo na hora da tribulação. E só pode chamar-se fidelidade uma coerência que dura ao longo de toda a vida. O fiat de Maria na Anunciação encontra a sua plenitude no fiat silencioso que repete aos pés da cruz” (Homilia Catedral México).

34. A fé de Maria nas palavras do Arcanjo foi absoluta; não duvida como duvidou Zacarias (cfr 1,18). A pergunta da Santíssima Virgem “como será isso” exprime a sua prontidão para cumprir a Vontade divina diante de uma situação que parece à primeira vista contraditória: por um lado Ela tinha a certeza de que Deus lhe pedia para conservar a virgindade; por outro lado, também da parte de Deus, é-lhe anunciado que vai ser mãe. As palavras imediatas do arcanjo declaram o mistério do desígnio divino e o que parecia impossível, segundo as leis da natureza, explica-se por uma singularíssima intervenção de Deus.

O propósito de Maria de permanecer virgem foi certamente algo singular, que interrompia o modo ordinário de proceder dos justos do Antigo Testamento, no qual, como expõe Santo Agostinho, “atendendo de modo particularíssimo à propagação e ao crescimento do Povo de Deus, que era o que tinha de profetizar e donde havia de nascer o Príncipe e Salvador do mundo, os santos tiveram de usar do bem do matrimônio” (De bono matrimonii, 9,9). Houve, porém, no Antigo Testamento alguns homens que por desígnio de Deus permaneceram célibes, como Jeremias, Elias, Eliseu e João Baptista. A Virgem Santíssima, inspirada de modo muito particular pelo Espírito Santo para viver plenamente a virgindade, é já uma primícia do Novo Testamento, no qual a excelência da virgindade sobre o matrimônio adquirirá todo o seu valor, sem diminuir a santidade da união conjugal, que é elevada à dignidade de sacramento (cfr Gaudium et spes, n. 48).

35. A “sombra” é um símbolo da presença de Deus. Quando Israel caminhava pelo deserto, a glória de Deus enchia o Tabernáculo e uma nuvem cobria a Arca da Aliança (Ex 40,34-36). De modo semelhante quando Deus entregou a Moisés as tábuas da Lei, uma nuvem cobria a montanha do Sinai (Ex 24,15-16), e também na Transfiguração de Jesus se ouve a voz de Deus Pai no meio de uma nuvem (Lc 9,35).

No momento da Encarnação o poder de Deus enroupa com a Sua sombra Nossa Senhora. É a expressão da acção omnipotente de Deus. O Espírito de Deus – que, segundo o relato do Gênesis (1,2), pairava sobre as águas dando vida às coisas – desce agora sobre Maria. E o fruto do seu ventre será obra do Espírito Santo. A Virgem Maria, que foi concebida sem mancha de pecado (cfr Ineffabilis Deus), fica depois da Encarnação constituída em novo Tabernáculo de Deus. Este é o Mistério que recordamos todos os dias na recitação do Angelus.

38. Uma vez conhecido o desígnio divino, Nossa Senhora entrega-se à Vontade de Deus com obediência pronta e sem reservas. Dá-se conta da desproporção entre o que vai ser – Mãe de Deus – e o que é – uma mulher -. Não obstante, Deus o quer e nada é impossível para Ele, e por isto ninguém é capaz de pôr dificuldades ao desígnio divino. Daí que, juntando-se em Maria a humildade e a obediência, pronunciará o sim ao chamamento de Deus com essa resposta perfeita: “Eis a escrava do Senhor, seja-me feito segundo a tua palavra”.

“Ao encanto destas palavras virginais, o Verbo se fez carne” (Santo Rosário, primeiro mistério gozoso). Das puríssimas entranhas da Santíssima Virgem, Deus formou um corpo, criou do nada uma alma, e a este corpo e alma uniu-Se o Filho de Deus; desta sorte o que antes era apenas Deus, sem deixar de o ser, ficou feito homem. Maria já é Mãe de Deus. Esta verdade é um dogma da nossa santa fé definido no Concilio de Éfeso (ano 431). Nesse mesmo instante começa a ser também Mãe espiritual de todos os homens. O que um dia ouvirá de lábios de seu Filho moribundo, “eis aí o teu filho (…), eis aí a tua mãe” (Ioh 19,26-27), não será senão a proclamação do que silenciosamente tinha acontecido em Nazaré. Assim, “com o seu fiat generoso converteu-se, por obra do Espírito, em Mãe de Deus e também em verdadeira Mãe dos vivos, e converteu-se também, ao acolher no seu seio o único Mediador, em verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus” (Marialis cultus, n. 6).

O Evangelho faz-nos contemplar a Virgem Santíssima como exemplo perfeito de pureza (“não conheço homem”); de humildade (“eis a escrava do Senhor”); de candura e simplicidade (“como será isso”); de obediência e de fé viva (“seja-me feito segundo a tua palavra”). “Procuremos aprender, seguindo também o seu exemplo de obediência a Deus, numa delicada combinação de submissão e de fidalguia. Em Maria, nada existe da atitude das virgens néscias, que obedecem, sim, mas como insensatas. Nossa Senhora ouve com atenção o que Deus quer, pondera aquilo que não entende, pergunta o que não sabe. Imediatamente a seguir, entrega-se sem reservas ao cumprimento da vontade divina: eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa palavra (Lc I, 38). Vedes esta maravilha? Santa Maria, mestra de toda a nossa conduta, ensina-nos agora que a obediência a Deus não é servilismo, não subjuga a consciência, pois nos move interiormente a descobrir a liberdade dos filhos de Deus (cfr Rom VIII, 21)” (Cristo que passa, n° 173).

Dia 23 de agosto

Jo 6, 60-69

60Muitos dos discípulos disseram, depois de O ouvirem: É dura esta linguagem; quem pode escutá-la? 61Conhecendo Jesus interiormente que os discípulos murmuravam do assunto, perguntou-lhes: Isto fere-vos? 62E se virdes o Filho do homem a subir para onde estava anteriormente? 63O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. 64Mas há alguns dentre vós que não acreditam. De facto, Jesus bem sabia desde o início quem eram os que não acreditavam e quem era aquele que O havia de entregar. 65E foi acrescentando: Por isso é que vos disse: “Ninguém pode vir a Mim, se isso lhe não está concedido pelo Pai”. 66A partir de então, muitos dos discípulos se retiraram e já não andavam com Ele.

67Disse então Jesus aos doze: Também vós quereis partir? 68Respondeu-Lhe Simão Pedro: Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! 69E nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus!

Comentário

60-62. O mistério eucarístico aparece incompreensível para muitos dos ouvintes. Jesus Cristo exige dos Seus discípulos que aceitem as Suas palavras por ser Ele quem as diz. Nisto consiste o acto sobrenatural da fé: “em que, com inspiração e ajuda da graça de Deus, cremos ser verdadeiro o que por Ele foi revelado, não pela verdade intrínseca das coisas percebidas pela luz natural da razão, mas pela autoridade do próprio Deus que revela, o qual não pode nem enganar-Se nem enganar-nos” (Dei Filius, cap. 3).

Como noutras ocasiões, Jesus Cristo fala de acontecimentos futuros, preparando assim a fé dos Seus discípulos: “Disse-vo-lo agora, antes que suceda, para que quando acontecer creiais” (Ioh 14,29).

63. Jesus diz que não podemos aceitar este mistério pensando de modo carnal, isto é atendendo exclusivamente ao que apreciam os nossos sentidos ou partindo de uma visão das coisas meramente natural. Só quem escuta as Suas Palavras e as recebe como revelação de Deus, que é “espírito e vida”, está disposto a aceitá-las.

66. A promessa da Eucaristia, que tinha provocado naqueles ouvintes de Cafarnaum discussões (v. 52) e escândalo (v. 61), acaba por produzir o abandono de muitos que O tinham seguido. Jesus tinha exposto uma verdade maravilhosa e salvífica, mas aqueles discípulos fechavam-se à graça divina, não estavam dispostos a aceitar algo que superava a sua mentalidade estreita. O mistério da Eucaristia exige um especial acto de fé. Por isso, já São João Crisóstomo aconselhava: “Inclinemo-nos diante de Deus; não O contradigamos, mesmo quando o que Ele diz possa parecer contrário à nossa razão e à nossa inteligência (…). Observemos esta mesma conduta relativamente ao mistério (eucarístico), não considerando somente o que cai debaixo dos sentidos, mas atendendo às Suas palavras. Porque a Sua palavra não pode enganar” (Hom. sobre S. Mateus, 82).

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