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Por Padre Francisco Faus
Há alguns anos, chegou-me às mãos um recorte de jornal que me sensibilizou profundamente. A autora do artigo, uma professora de uns trinta e poucos anos, evocava a memória de seus pais,

já falecidos, que tinham sido em tempos idos meus conhecidos. O artigo foi escrito por ocasião da Beatificação do Fundador do Opus Dei e continha uma dupla homenagem: a São Josemaria Escrivá (então Bem-aventurado Josmaria Escrivá) e aos pais da autora, que tinham sabido encarnar na vida do lar a espiritualidade aprendida de São Josemaria.

Vale a pena reproduzir aqui algumas citações desse artigo.

Maria Antônia – assim se chama a professora – conta aí a redescoberta que fez da “alma” de seus pais quando, depois de ambos terem falecido, remexia com carinho filial nos seus escritos, cartas e apontamentos, e especialmente na correspondência que o pai tinha mantido com Mons. Escrivá.

“Até que ambos tornaram a reunir-se na vida eterna, havia muitos aspectos da vida interior deles que eu só podia intuir – escreve a filha –. Captava-se a força do exemplo, a força da vocação dos dois, mas, como é lógico, perdiam-se muitos matizes, que ficavam só na intimidade deles. Através de alguns excertos da correspondência encontrada, aprendi algumas coisas que agora tento transmitir”.

Olhando para trás, Maria Antônia evoca a progressiva descoberta que foi fazendo de muitas coisas maravilhosas que teciam, por assim dizer, o ambiente de seu lar, e que hoje percebia que não estavam lá por acaso nem por geração espontânea, mas como fruto do espírito cristão, generosamente vivido e cultivado pelos pais, num dia-a-dia amoroso, abnegado, paciente.

“Meus pais já eram do Opus Dei naqueles duros anos 50 de Barcelona, quando eu ainda não tinha nascido. À medida que fui tendo uso de razão e tornando-me mais consciente do que me rodeava, julguei sempre que o ambiente reinante na minha família, a educação que estávamos recebendo, e que tantas vezes tenho agradecido a Deus, fosse coisa normal em todas as famílias. Com o decorrer dos anos, fui percebendo que nem de longe era tão normal. Os princípios dessa educação eram bem claros: uma grande liberdade, baseada no senso de responsabilidade inculcado desde crianças; otimismo e alegria fundamentados claramente na fé, pois não faltaram dificuldades e obstáculos em todo o caminho terreno de meus pais; uma sólida formação na doutrina cristã, unida a um modo positivo de nos sugerir, sem impor, detalhes de vida de oração, e uma profunda e arraigada devoção a Nossa Senhora, a quem todos considerávamos e continuamos a considerar a especial intercessora para os assuntos familiares. Ficou-me muito claro que um dos pilares básicos para que esse ambiente familiar se mantivesse era o fato de que, em todos os momentos, o exemplo de meus pais, os seus atos, iam na frente das palavras. Passados os anos, percebi, sem que eles nada me dissessem, que aquilo era o espírito do Opus Dei”…

A filha relembra comovida as dificuldades financeiras por que a família numerosa passou, e os equilíbrios que o pai era obrigado a fazer para conjugar aulas na Faculdade, onde era professor, práticas de laboratório, trabalho em uma fábrica, preparação de um concurso e ainda aulas particulares. E relata a emoção que sentiu quando, folheando a correspondência paterna, descobriu que Mons. Escrivá tinha transcrito, no ponto 986 do livro Sulco, palavras de uma carta de seu pai: “Não irá rir, Padre, se lhe disser que – faz uns dias – me surpreendi oferecendo ao Senhor, de uma maneira espontânea, o sacrifício de tempo que supunha para mim ter de consertar um brinquedo estragado de um dos meus filhos? – Não sorrio, fico feliz! Porque, com esse mesmo amor, Deus se ocupa de recompor os nossos estragos”. “Tenho – comenta a filha – recordações muito vivas dessas cenas: as bonecas descabeçadas ou sem pernas, a peça que precisava ser colada…, tudo isso nós sabíamos que, deixando-o na mesa do escritório de papai, tornaria a adquirir rapidamente a sua forma original. Que pouco valorizávamos, naquela altura, o ato heróico que podia significar para ele o fato de gastar dez ou quinze minutos! Mas como o valorizava aquela alma a quem Deus, através do espírito do Opus Dei, lhe saía ao encontro nesses pormenores minúsculos, mas grandiosos, por estarem cheios de amor”.

“Mais de uma vez – acrescenta a filha – tenho esclarecido em público que eu não seria o que hoje sou, se não tivesse recebido a educação que meus pais me deram, se não tivesse tido o seu exemplo em face de tantas contrariedades e situações difíceis – entre elas a morte de dois filhos – por que Deus permitiu que passassem” (Maria Antônia Virgili, Jornal El Norte de Castilla, Valladolid, 16.05.1992).

Essa perspectiva de tantos anos de entrega constante e amorosa dos pais iluminou, aos olhos dessa mulher, as suas próprias raízes. Entendeu-se melhor a si mesma, projetando as suas lembranças sobre o fundo luminoso da dedicação paciente, contínua, calada, carinhosa de seus pais cristãos.



OS FRUTOS DOURADOS DA PACIÊNCIA


Ao captar mais lucidamente a riqueza do exemplo dos pais, Maria Antônia pôde compreender também uma dimensão preciosa da virtude da paciência: a da abnegação, praticada com fidelidade persistente: uma fidelidade que é feita de amor generoso e constante; uma paciência que não se cansa do sacrifício, que não tem pressa em cobrar resultados, que não desanima quando os esforços parecem baldados e os frutos ainda não se vêem. Esta era a paciência que brilhava, com seu halo doce e envolvente, na recordação dos pais.

Todos nós temos experiência de quanto custa persistir nos esforços ou atitudes que exigem sacrifícios continuados e não trazem compensações imediatas. Não é fácil lutar, manter-se firme no empenho, e ver que tudo demora a realizar-se, a concluir-se, a chegar.

A nossa paciência é testada sempre que temos de aguardar, esperar, voltar, tentar uma e outra vez: desde a interminável espera num consultório dentário até o desgosto do casal de namorados que precisa adiar de novo a data do casamento, porque não têm condições de financiar o apartamento. Com razão diz Hildebrand que “a impaciência se relaciona sempre com o tempo” (Dietrich von Hildebrand, A nossa transformação em Cristo, Aster, Lisboa, 1960, pág. 204).

Mas todo aquele que quiser conseguir alguma coisa de real valor na vida, não terá outro remédio senão armar-se de paciência e esperar. Demora-se, necessariamente, a ser um profissional experiente; demora-se a amadurecer por dentro até corrigir pelo menos alguns dos defeitos pessoais; demora-se a suavizar arestas no casamento e, aos poucos, ir-se ajustando à base de mútuos perdões e sorridentes renúncias; demora-se a criar um bom ambiente familiar; demora a vida inteira a autêntica formação dos filhos.

“Aprendi a esperar – dizia São Josemaria Escrivá –; não é pouca ciência”. Mas é importante termos muito presente que esse “esperar” não significa “aguardar” passivamente. Consiste, como estamos vendo, em persistir fiel e confiadamente no cumprimento da nossa missão, do nosso dever – do dever religioso, moral, familiar, profissional… –, durante todo o tempo que for preciso, com aquela convicção que animava Santa Teresa: “A paciência tudo alcança”.

A essa paciente espera se refere o Apóstolo São Tiago, quando nos põe diante dos olhos a imagem do lavrador: Tende, pois, paciência, meus irmãos […]. Vede o lavrador: ele aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a chuva do outono e a da primavera. Tende também vós paciência e fortalecei os vossos corações (Ti 5, 7-8).

Não é verdade que estas palavras nos lembram muitas coisas pessoais? Os frutos dourados da vida só se conseguem com uma luta constante, unida a uma paciência fiel. Mas quanto custa seguir o conselho do Apóstolo! Muitas vezes já fomos como aquela criança a quem a mãe tinha oferecido uma planta que, com o tempo, iria dar flores. “Mas, quando os botões surgiram, não sabíamos esperar que abrissem. Colaborávamos no seu desabrochar triturando-as, separando talvez as pétalas, para que a floração fosse mais rápida. Nódoas escuras apareciam então, e as flores estiolavam, murchavam…”(Romano Guardini, O Deus vivo, Aster, Lisboa, s/d, pág. 71).

Quantas coisas, na vida, não murcham por cansaços impacientes que nos levam a desistir! Na vida familiar, os exemplos são gritantes. Talvez hoje seja mais necessário do que nunca recordar aos casais que a felicidade que procuram, sem saber bem como achá-la, nunca a conseguirão como fruto do egoísmo defendido de qualquer incômodo, mas como fruto do amor fielmente paciente, do amor cristão. E da mesma coisa deveriam lembrar-se todos os que começaram alguma vez, movidos por um alegre impulso da graça, a esforçar-se decididamente por viver o ideal e as virtudes cristãs. A maior ameaça contra esse bom propósito, mais do que nas fraquezas e nas reincidências no erro, encontra-se no cansaço, na sensação de que “não adianta continuar”, ou de que “custa demais conseguir”, ou seja, na falta de paciência para ir avançando aos poucos, à força de começar e recomeçar.

Nós gostamos de que as coisas nos sejam dadas logo. Deus sabe que as almas e as coisas precisam ter as suas estações. Temos que aprender, por isso, a ser bons semeadores, que esperam a colheita sem pressas inquietas e perseveram sem desânimos exaustos.

Semear é duro. É enterrar o grão e nada ver. Isso exige fé e desprendimento. Eu dou a semente do meu esforço, do meu empenho, do meu sacrifício, da minha oração, e espero, vigilante, até que dê o seu fruto, enquanto continuo, solícito, a zelar pelo campo: rego, limpo, podo, adubo, protejo… Só com essa paciência ativa é que um dia virá o fruto: o fruto da fé, amadurecida a partir da persistência na oração, nos sacramentos, na formação; o fruto dos valores cristãos finalmente arraigados nos filhos; o fruto das virtudes pessoais que desabrocham e se firmam; os frutos do apostolado.

Todos nós já exclamamos mais de uma vez: “Que paciência!”, ao admirarmos obras humanas magníficas, que só se explicam por uma longa aplicação, por um trabalho meticuloso, prolongado e imensamente paciente. É assim que louvamos, por exemplo, os bordados delicadíssimos e artísticos de uma enorme toalha de mesa feita à mão. É assim também que admiramos o trabalho da vida inteira de um pesquisador, que foi coligindo, exaustivamente, um incrível acervo de dados sobre uma matéria até então ainda não estudada. – “Que paciência!”, dizemos. Pois bem, uma paciência igual, pelo menos, e um esmero e uma tenacidade análogos, são os que Deus nos pede para cultivarmos em nós e à nossa volta a vida e as virtudes cristãs.

A paciência produz a virtude comprovada, diz São Paulo (Rom 5, 4). E São Tiago repisa o mesmo ensinamento ao escrever: É preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma (Ti 1, 4) que, nesses dois textos do Novo Testamento, como em tantos outros da Bíblia, a mesma palavra que significa paciência inclui também o sentido de perseverança, de persistência fiel, essa virtude que Deus ama tanto. Pela vossa paciência possuireis as vossas almas, diz-nos Jesus (Lc 21, 19).


(Adaptação de um trecho do livro de F.Faus: A paciência)

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