25Caminhavam com Jesus grandes multidões. Ele voltou-Se e disse-lhes: 26Se alguém vem ter comigo sem odiar pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo. 27Quem não carrega com a sua cruz para vir após Mim não pode ser Meu discípulo.
28Pois, quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro a calcular a despesa e a ver se tem com que acabá-la? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não podendo completá-la, comecem todos os que vêem a troçar dele, 30dizendo: «Este homem começou a construir e não pôde completar». 31Ou qual é o rei que parte ao encontro de outro rei, para travar combate, e não se senta primeiro a deliberar se é capaz de se opor, com dez mil soldados, àquele que vem sobre ele com vinte mil? 32Aliás, estando o outro ainda longe, manda-lhe uma deputação a pedir as condições de paz. 33Assim, pois, todo aquele dentre vós que não se desliga de todos os seus haveres não pode ser Meu discípulo.
Comentário
- Estas palavras do Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus e a Jesus Cristo deve ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar tudo aquilo que ponha obstáculos a este amor: «Amemos neste mundo a todos, comenta São Gregório Magno, ainda que seja ao inimigo; mas odeie-se o que se nos opõe no caminho de Deus, ainda que seja parente… Devemos, pois, amar o próximo; devemos ter caridade com todos; com os parentes e com os estranhos, mas sem nos afastarmos do amor de Deus por amor deles» (In Evangelia homiliae, 37,3). Em última análise, trata-se de observar a ordem da caridade: Deus tem prioridade sobre tudo.
Este versículo há-de entender-se, portanto, dentro do conjunto dos ensinamentos e das exigências do Senhor (cfr Lc 6,27-35). Estas palavras «são duras. Decerto nem o odiar nem o aborrecer exprimem bem o pensamento original de Jesus. De qualquer maneira, as palavras do Senhor foram fortes, pois não se reduzem a um amor menor, como por vezes se interpreta temperadamente, para suavizar a frase. E tremenda essa expressão tão taxativa, não porque implique uma atitude negativa ou impiedosa, pois o Jesus que fala agora é o mesmo que manda amar os outros como a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens: aquela locução indica simplesmente que perante Deus não cabem meias–tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com um amor egoísta nem também com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus» (Cristo que passa, n.° 97). Cfr. as notas a Mt 10,34-37; Lc 2,49).
Como explica o Concilio Vaticano II, os cristãos «procuram mais agradar a Deus que aos homens, sempre dispostos a deixar tudo por Cristo» (Apostolicam actuositatem, n. 4).
- Cristo «sofrendo por nós, não só nos deu exemplo, para que sigamos os Seus passos, mas também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificados e recebem um novo sentido» (Gaudium et spes, n. 22).
O caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não há outro modo de o seguir senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência mostra-nos a realidade do sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se aceita com sentido cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus que nos santifica por meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos tornarmos merecedores da glória. Por isso é tão cristão amar a dor: «Bendita seja a dor. — Amada seja a dor. — Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!» (Caminho, n.° 208).
28-35. O Senhor mostra-nos com diversas comparações que se a própria prudência humana exige que o homem preveja os riscos das suas empresas, com maior razão o cristão se abraçará voluntária e generosamente à Cruz, porque sem ela não poderia seguir Jesus Cristo «’Quia hic homo coepit aedificare et non potuit consummare!’ — começou a edificar e não pôde terminar!
«Triste comentário, que, se quiseres, não se fará de ti, porque tens todos os. meios para coroar o edifício da tua santificação: a graça de Deus e a tua vontade» (Caminho, n.° 324).
- Se antes o Senhor falou de «odiar» os pais e até a = própria vida, agora exige com igual vigor o desprendimento total das riquezas. Este versículo é aplicação directa das duas parábolas anteriores: assim como é imprudente um rei que pretende lutar com um número insuficiente de soldados, também é insensato quem quiser seguir o Senhor sem renunciar a todos os seus bens. Esta renúncia das riquezas há-de ser efectiva e concreta: o coração deve estar desembaraçado de todos os bens materiais para poder seguir os passos do Senhor. E é que, como dirá mais adiante, é Impossível «servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16,13). Não é infrequente que o Senhor peça a alguns viver em pobreza absoluta e voluntária; e de todos exige o desprendimento; afectivo e a generosidade ao empregar os bens materiais. Se cristão há-de estar pronto a renunciar à própria vida, com mais motivo há-de está-lo relativamente às riquezas: «Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo empenho que põem os homens do mundo em possuí-las» i (Caminho. n° 633). Cfr. a nota a Lc 12,33-34.
Por outro lado, para que a alma possa encher-se de Deus há-de esvaziar-se primeiro de tudo aquilo que lho pudesse impedir: «A doutrina que o Filho de Deus veio ensinar foi o menosprezo de todas as coisas, para poder receber o preço do espírito de Deus em si. Porque, enquanto não.se desfizer delas, a alma não tem capacidade para receber o espírito de Deus em pura transformação» (Subida ao Monte Carmelo, liv. I, cap. 5, n.° 2).