Ajuntaram-se depois à volta d’Ele os Fariseus e alguns Escribas vindos de Jerusalém. 2E, vendo alguns dos Seus discípulos a comer com as mãos profanas, isto é, sem as terem lavado; 3de facto, os Fariseus, como todos os Judeus, não comem sem ter lavado as mãos cuidadosamente, seguindo a tradição dos antigos; 4e, ao voltarem da praça, não comem sem se terem lavado; há ainda muitas outras cerimônias que observam por tradição, como abluções de copos e jarros e vasos de metal. 5Perguntaram-Lhe, pois, os Fariseus e os Escribas: Porque é que os Teus discípulos não se conformam com a tradição dos antigos e comem com as mãos profanas? 6Mas Ele disse-lhes: Bem profetizou Isaías de vós, hipócritas, como está escrito:
Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim.
7Em vão Me prestam culto, ensinando doutrinas que são preceitos humanos.
8Desprezando o mandamento de Deus, aferrais-vos à tradição dos homens, abluções de jarros e copos e fazeis muitas outras coisas semelhantes.
14E, chamando outra vez o povo, dizia-lhes: Ouvi-Me todos e entendei: 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro; mas as coisas que saem do homem, essas é que tornam o homem impuro.
21Porque de dentro, do coração dos homens, saem os maus pensamentos, desonestidades, furtos, homicídios, 22adultérios, ambições, maldades, fraude, impudicícia, inveja, blasfêmia, soberba, insensatez. 23Todas estas coisas más procedem do interior e tornam o homem impuro.
Comentário
1-2. O lavar-se as mãos não era por meros motivos de higiene ou de urbanidade, mas tinha um significado religioso de purificação. Em Ex 30,17 ss. a Lei de Deus prescrevia a purificação dos sacerdotes antes das suas funções cultuais. A tradição judaica tinha-o ampliado a todos os israelitas para antes de todas as refeições, querendo dar a estas um significado religioso que se reflectia nas bênçãos com que começavam. A purificação ritual era símbolo da pureza moral com que uma pessoa deve apresentar-se diante de Deus (Ps 24,3 ss.; 51,4-9); mas os fariseus tinham conservado o meramente exterior. Por isso Jesus restitui o sentido genuíno destes preceitos da Lei, que tendem a ensinar a verdadeira adoração a Deus (cfr Ioh4,24).
3-5. No texto vemos com clareza que boa parte dos destinatários imediatos do Evangelho de São Marcos eram cristãos procedentes do paganismo, que desconheciam os costumes dos Judeus. Por isso o Evangelista explica-lhes, com certo pormenor, alguns destes costumes para facilitar a compreensão do sentido dos acontecimentos e dos ensinamentos da história evangélica.
De modo semelhante a pregação e ensino da Sagrada Escritura deve fazer-se de maneira que seja compreensível e acomodada às circunstâncias dos ouvintes. Por isso ensina o Concilio Vaticano II que «compete aos Bispos ensinar oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso recto dos livros divinos, de modo particular do Novo Testamento, e sobretudo dos Evangelhos. E isto por meio de traduções dos textos sagrados, que devem ser acompanhadas às explicações necessárias e verdadeiramente suficientes, para que os filhos da Igreja se familiarizem dum modo seguro e útil com a Sagrada Escritura, e se penetrem do seu espírito» (Dei Verbum, n. 25).
- Alguns códices importantes acrescentam aqui: «Quem ! têm ouvidos para ouvir oiça…», que corresponderia ao v. 16, que a tradução portuguesa que transcrevemos refere.
20-23. «Na maneira de os homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos dar a entender as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções» (Cristo que passa, nº 164).
A bondade ou malícia, a qualidade moral dos nossos actos não depende do seu caracter espontâneo, instintivo. O próprio Senhor diz-nos que do coração humano podem sair acções pecaminosas.
Tal possibilidade compreende-se, se temos em conta que, depois do pecado original, o homem «foi mudado para pior» segundo o corpo e a alma e, portanto, está inclinado para o mal (cfr De peccato originali). Com as palavras deste passo do Evangelho, o Senhor restitui a moral em toda a sua pureza e interioridade.