em Evangelho do dia

Dia 7 de junho

Mt 5, 1-12

1Vendo Ele as multidões, subiu ao monte e sentou-Se. Acercaram-se os discípulos 2e Ele, tomando a palavra, pôs-se a ensiná-los, dizendo:

3Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.

4Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

5Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra.

6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.

7Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

8Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

9Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus.

10Bem-aventurados os perseguidos por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.

11Bem-aventurados sois, quando, por minha causa, vos injuriarem e perseguirem e disserem, falsamente, contra vós toda a espécie de mal.

12Alegrai-vos e exultai, porque será grande nos Céus a vossa recompensa. Foi assim que perseguiram os profetas antes de vós.

Comentário

1-2. O Sermão da Montanha ocupa integralmente os caps. 5, 6 e 7 de São Mateus. Trata-se do primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus que aparecem neste Evangelho. Compreende uma considerável parte dos ensinamentos do Senhor.

Não é fácil de reduzir o discurso a um só tema, mas os diversos ensinamentos podem comodamente agrupar-se à volta destes cinco pontos: 1) o espírito que se deve ter para entrar no Reino dos Céus (as Bem-aventuranças, sal da terra e luz do mundo, Jesus e a Sua doutrina, plenitude da Lei); 2) rectidão de intenção nas práticas de piedade (aqui se inclui a oração do Senhor ou Pai-Nosso); 3) confiança na Providência paternal de Deus; 4) as relações fraternas dos filhos de Deus (não julgar o próximo, respeito pelas coisas santas, eficácia da oração e a regra de oiro da caridade); e 5) condições e fundamento para a entrada no reino (a porta estreita, os falsos profetas e edificar sobre rocha).

2. “Pôs-se a ensiná-los”: Refere-se tanto aos discípulos que rodeavam Jesus como às multidões ali presentes, segundo aparece no fim do Sermão da Montanha (Mt 7,28).

As Bem-aventuranças (5,3-12) constituem como que o pórtico do Sermão da Montanha. Para uma recta compreensão das Bem-aventuranças é conveniente ter em conta que nelas não se promete a salvação a umas determinadas classes de pessoas que aqui se enumerariam, mas a todos aqueles que alcancem as disposições religiosas e o comportamento moral que Jesus Cristo exige. Quer dizer, os pobres de espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacíficos e os que sofrem perseguição por buscar a santidade, não indicam pessoas distintas entre si, mas são como que diversas exigências de santidade dirigidas a quem quer ser discípulo de Cristo.

Pela mesma razão, também não prometem a salvação a determinados grupos da sociedade, mas a toda a pessoa que, seja qual for a sua situação no mundo, se esforce por viver o espírito e as exigências das Bem-aventuranças.

A todas elas é também comum o sentido escatológico, isto é, é-nos prometida a salvação definitiva não neste mundo, mas na vida eterna. Mas o espírito das Bem-aventuranças produz, já na vida presente, a paz no meio das tribulações. Na história da humanidade, as Bem-aventuranças constituem uma mudança completa dos critérios humanos habituais: desqualificam o horizonte da piedade farisaica, que via na felicidade terrena a bênção e prémio de Deus e, na infelicidade e desgraça, o castigo. Em todos os tempos as Bem-aventuranças põem muito por cima os bens do espírito sobre os bens materiais. Sãos e doentes, poderosos e débeis, ricos e pobres… são chamados, por cima das suas circunstâncias, à felicidade profunda daqueles que alcançam as Bem-aventuranças de Jesus.

É evidente que as Bem-aventuranças não contêm toda a doutrina evangélica. Não obstante contém, como que em germe, todo o programa de perfeição cristã.

3. Neste versículo exprime-se de modo amplo a relação da pobreza com o espírito. Este conceito religioso de pobre tinha já uma longa tradição no AT (cfr, p. ex., Soph 2,3 s). Mais que a condição social de pobre, expressa a atitude religiosa de indigência e de humildade diante de Deus: é pobre o que acorre a Deus sem considerar méritos próprios e confia só na misericórdia divina para ser salvo. Esta atitude religiosa da pobreza está muito aparentada com a chamada infância espiritual. O cristão considera-se diante de Deus como um filho pequeno que não tem nada em propriedade; tudo é de Deus seu Pai e a Ele o deve. De qualquer modo a pobreza em espírito, quer dizer, a pobreza cristã, exige o desprendimento dos bens materiais e austeridade no uso deles. A alguns, os religiosos, Deus pede-lhes o desprendimento inclusive jurídico das suas propriedades, como testemunho perante o mundo da condição passageira das coisas terrenas.

4. “Os que choram”: Chama aqui bem-aventurados Nosso Senhor todos os que estão aflitos por alguma causa e, de modo particular, aqueles que estão verdadeiramente arrependidos dos seus pecados, ou aflitos pelas ofensas que outros fazem a Deus, e que levam o seu sofrimento com amor e desejos de reparação.

“Choras? – Não te envergonhes. Chora; sim, os homens também choram, como tu, na solidão e diante de Deus. – Durante a noite, diz o rei David, regarei de lágrimas o meu leito. Com essas lágrimas, ardentes e viris, podes purificar o teu passado e sobrenaturalizar a tua vida actual” (Caminho, n° 216).

O Espírito de Deus consolará com paz e alegria, mesmo neste mundo, os que choram os pecados, e depois participarão da plenitude da felicidade e da glória do céu: esses são bem-aventurados.

5. “Mansos”: quer dizer, os que sofrem com paciência as perseguições injustas; os que nas adversidades mantêm o ânimo sereno, humilde e firme, e não se deixam levar pela ira ou pelo abatimento. É a virtude da mansidão muito necessária para a vida cristã. Normalmente as frequentes manifestações externas de irritabilidade procedem da falta de humildade e de paz interior.

“A terra”: Comummente entende-se em sentido transcendente, quer dizer, a pátria celestial

6. O conceito de justiça na Sagrada Escritura é essencialmente religioso. Chama-se justo a quem se esforça sinceramente por cumprir a Vontade de Deus, que se manifesta nos mandamentos, nos deveres de estado e na união da alma com Deus. Por isso a justiça, na linguagem da Bíblia, coincide com o que actualmente costuma chamar-se santidade (1 Ioh 2,29; 3,7-10; Apc 22,11; Gen 15,6; Dt 9,4).

Como comenta São Jerônimo (Comm. in Matth. 5.6), esta quarta bem-aventurança de Nosso Senhor exige não um simples desejo vago de justiça, mas ter fome e sede dela, isto é, amar e buscar com todas as forças aquilo que torna justo o homem diante de Deus. O que de verdade quer a santidade cristã tem de amar os meios que a Igreja, instrumento universal de salvação, oferece e ensina a viver a todos os homens: frequência de sacramentos, convivência íntima com Deus na oração, fortaleza em cumprir os deveres familiares, profissionais, sociais.

7. A misericórdia não consiste apenas em dar esmola aos pobres, mas também em compreender os defeitos que possam ter os outros, desculpá-los, ajudá-los a superá-los e amá-los mesmo com os defeitos que tenham. Também faz parte da misericórdia alegrar-se e sofrer com as alegrias e dores alheias.

8. A doutrina de Cristo ensina que a raiz da qualidade dos actos humanos está no coração, quer dizer, no interior do homem, no fundo do seu espírito: “Quando falamos de um coração humano, não nos referimos só aos sentimentos: aludimos à pessoa toda que quer, que ama, que convive com os outros. Ora, na maneira de os homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos ajudar a compreender as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções. Um homem vale o que vale o seu coração – diríamos com palavras bem humanas” (Cristo que passa, n° 164).

A pureza de coração é um dom de Deus, que se manifesta na capacidade de amar, no olhar recto e puro para tudo o que é nobre. Como diz o Apóstolo, “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, é o que deveis ter em mente” (Phil 4,8). O cristão, ajudado pela graça de Deus, deve lutar continuamente para purificar o seu coração e adquirir essa pureza, em virtude da qual se promete a visão de Deus.

9. A palavra “pacíficos” é a usual nas traduções e, além disso, etimologicamente é fiel ao texto. No livro sagrado tem claramente um sentido activo: “os que promovem a paz” em si mesmos, nos outros e, sobretudo, como fundamento do anterior, procuram reconciliar-se e reconciliar os outros com Deus. A paz com Deus é a causa e o cume de toda a paz. Será vã e enganadora qualquer paz no mundo que não se baseie nessa paz divina.

“Serão chamados filhos de Deus”: É um hebraísmo muito frequente na Sagrada Escritura; é o mesmo que dizer ” serão filhos de Deus”. A primeira Epístola de São João (1 Ioh 3, 1) dá-nos a exegese autêntica desta bem-aventurança: “Vede que amor nos mostrou o Pai: que sejamos chamados filhos de Deus e que realmente o sejamos”.

10. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por ser santos ou pelo seu empenho em ser santos, porque deles é o Reino dos Céus.

Portanto, é bem-aventurado o que sofre perseguição por ser fiel a Jesus Cristo, e a suporta não só com paciência mas com alegria. Na vida do cristão apresentam-se circunstâncias heróicas, nas quais não têm lugar meios termos; ou se é fiel a Jesus Cristo jogando-se a honra, a vida e os bens, ou O renegamos. São Bernardo (Sermão da Festa de Todos os Santos) diz que esta oitava bem-aventurança era como que a prerrogativa dos santos mártires. O cristão que é fiel à doutrina de Jesus Cristo é de facto também um “mártir” (testemunha) que reflecte ou cumpre esta bem-aventurança, mesmo sem chegar à morte corporal,

11-12. As Bem-aventuranças são as condições que Cristo pôs para entrar no Reino dos Céus. O versículo, à maneira de recapitulação, é um convite global a viver estes ensinamentos. A vida cristã não é, pois, tarefa fácil, mas vale a pena pela plenitude de vida que o Filho de Deus promete.

Dia 8 de junho

Mt 5, 13-16

13Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se tornar insípido, com que há-de ser ele salgado? Para nada mais serve, senão para se deitar fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não pode ocultar-se uma cidade assente sobre um monte. 15Nem se acende uma candeia para se colocar debaixo do alqueire mas sim sobre o velador, e assim alumia a quantos estão em casa. 16Brilhe a vossa luz diante dos homens de tal modo que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus.

Comentário

13-15. Estes versículos são um chamamento à missão apostólica que todo o cristão tem pelo facto de o ser. Cada cristão há-de lutar pela sua santificação pessoal, mas também pela santificação dos outros. Jesus ensina-o com as imagens expressivas do sal e da luz. Assim como o sal preserva da corrupção os alimentos, lhes dá sabor, os torna agradáveis e desaparece confundindo-se com eles, o cristão há-de desempenhar essas mesmas funções entre os seus semelhantes.

“Tu és sal, alma de apóstolo.- ‘Bonum est sal’ – o sal é bom, lê-se no Santo Evangelho; ‘si autem sal evanuerit’ – mas se o sal se desvirtua… de nada serve, nem para a terra, nem para o esterco; deita-se fora como inútil. Tu és sal, alma de apóstolo. – Mas se te desvirtuas…” (Caminho, nº 921).

As boas obras são fruto da caridade, que consiste em amar os outros como nos ama o Senhor (cfr Ioh 15,12). “Agora adivinho – escreve Santa Teresinha – que a verdadeira caridade consiste em suportar todos os defeitos do próximo, em não estranhar as suas debilidades, em edificar-se com as suas menores virtudes; mas aprendi especialmente que a caridade não deve permanecer encerrada no fundo do coração pois ‘não se acende uma luz para a colocar debaixo de um alqueire, mas sobre o velador a fim de alumiar todos os que estão em casa’. Parece-me que esta tocha representa a caridade que deve iluminar e alegrar não só aqueles que mais amo, mas todos os que estão em casa” (História de uma alma, cap 9).

Uma das manifestações mais claras da caridade é a actividade apostólica. O Concílio Vaticano II pôs em relevo a obrigação do apostolado, direito e dever que nascem do Baptismo e da Confirmação (cfr Lumen gentium, n. 33), até afirmar que, fazendo o cristão parte do Corpo Místico, “o membro que não contribui segundo a sua medida para o aumento deste Corpo, deve dizer-se que não aproveita nem à Igreja nem a si mesmo” (Apostolicam actuositatem, n. 2). “Inúmeras oportunidades se oferecem aos leigos para exercerem o apostolado de evangelização e santificação. O próprio testemunho da vida cristã e as obras, feitas com espírito sobrenatural, têm eficácia para atrair os homens à fé e a Deus; diz o Senhor: ‘Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que vejam as vossas boas obras e dêem glória ao vosso Pai que está nos céus'” (Apostolicam actuositatem, n. 6).

“A Igreja tem de estar presente nestes agrupamentos humanos por meio dos seus filhos que entre eles vivem ou a eles são enviados. Com efeito, todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Baptismo, e a virtude do Espírito Santo por quem na Confirmação foram robustecidos, de tal modo que os outros homens, ao verem as suas boas obras, glorifiquem o Pai e compreendam mais plenamente o sentido genuíno da vida humana e o vínculo universal da comunidade humana” (Ad gentes, n. 11; cfr n. 36).

Dia 9 de junho

Mt 5, 17-19

17Nao julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim abolir mas cumprir. 18Em verdade vos digo: até que passem os Céus e a Terra, nem um só jota ou um só til da Lei passará, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, quem transgredir um só destes mandamentos mais pequenos e ensinar assim aos homens, será o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas quem os observar e ensinar, esse será grande no Reino dos Céus.

Comentário

17-19. Jesus ensina neste passo o valor perene do Antigo Testamento, enquanto é palavra de Deus; goza, portanto, de autoridade divina e não pode desprezar-se o mínimo. Na Antiga Lei havia preceitos morais, judiciais e litúrgicos. Os preceitos morais do AT conservam no Novo o seu valor, porque são principalmente promulgações concretas, divino-positivas, da lei natural. Nosso Senhor dá-lhes, contudo, a sua significação e as suas exigências mais profundas. Os preceitos judiciais e cerimoniais, pelo contrário, foram dados por Deus para uma etapa concreta na História da Salvação, a saber, até à vinda de Cristo; a sua observância material em si não obriga os cristãos (cfr Suma Teológica, I-II, q. 108, a. 3 ad 3).

A lei promulgada por meio de Moisés e explicada pelos Protelas constituía um dom de Deus para o povo, como antecipação da Lei definitiva que daria Cristo o Messias. Na verdade, como definiu o Concílio de Trento, Jesus não só “foi dado aos homens como Redentor em quem confiem, mas também como Legislador a quem obedeçam” (De iustificatione, can. 21).

Dia 10 de junho

Mt 5,20-26

20Porque Eu vos digo que, se a vossa justiça não sobrepujar a dos Escribas e Fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.

21Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, e quem matar será réu perante o tribunal. 22Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu perante o tribunal. E quem chamar a seu irmão “imbecil”, será réu perante o Sinédrio. E quem lhe chamar “doido”, será réu da Geena do fogo. 23Portanto, se ao apresentares a tua oferenda ao altar, aí te recordares que teu irmão tem algo contra ti, 24deixa aí a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois vem e apresenta a tua oferenda. 25Põe-te de acordo com o teu adversário, enquanto estás com ele no caminho. Não seja caso que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. 26Em verdade te digo: não sairás de lá, enquanto não pagares o último ceitil.

Comentário

20. “Justiça”: O versículo vem esclarecer o sentido dos precedentes. Os escribas e os fariseus tinham chegado a deformar o espírito da Lei, ficando na observância externa e ritual da mesma. Entre eles o cumprimento exacto e minucioso, mas externo, dos preceitos tinha-se transformado numa garantia de salvação do homem diante de Deus: “se eu cumpro isto sou justo, sou santo e Deus tem de me salvar”. Com este modo de conceber a justificação já não é Deus no fundo quem salva, mas é o homem quem se salva pelas obras externas. A falsidade de tal concepção fica patente com a afirmação de Cristo, que poderia exprimir-se com estes termos: para entrar no Reino dos Céus é necessário superar radicalmente a concepção da justiça ou santidade a que tinham chegado os escribas e os fariseus. Por outras palavras, a justificação ou santificação é uma graça de Deus, com a qual o homem só pode colaborar secundariamente pela sua fidelidade a essa graça. Noutros lugares estes ensinamentos ficarão ainda mais claramente explicados por Jesus (cfr Lc 18, 9-14, parábola do fariseu e do publicano). Também dará lugar a uma das grandes batalhas doutrinais de São Paulo perante os “judaizantes” (veja-se Gal 3 e Rom 2-5).

21-26. Nestes versículos temos um exemplo concreto de como Jesus leva à sua plenitude a Lei de Moisés, explicando profundamente o sentido dos mandamentos desta.

22. Jesus ao falar em primeira pessoa (“Eu, porém, digo-vos”) expressa que a Sua autoridade está por cima da de Moisés e dos Profetas; quer dizer: Ele tem autoridade divina. Nenhum homem poderia falar com essa autoridade.

“Imbecil”: Muitíssimas versões deste passo mantiveram a transcrição da palavra original aramaica: “Raca”, pronunciada por Cristo. Não é fácil dar uma tradução exacta. O termo “raca” equivale ao que hoje entendemos por néscio, estúpido, imbecil. Era sinal entre os Judeus de um grande desprezo, que muitas vezes se manifestava não com palavras, mas com a acção de cuspir no chão.

“Doido”, que outras versões traduzem por “fátuo”, “louco”, “renegado”, etc., era um insulto ainda maior que “raca”: referia-se à perda do sentido moral e religioso, até ao ponto da apostasia.

Nosso Senhor indica neste texto três faltas que podemos cometer contra a caridade, nas quais se pode apreciar uma gradação, que vai desde a irritação interna até ao maior dos insultos. A propósito deste passo comenta Santo Agostinho que se devem observar três graus de faltas e de castigos. O primeiro, entrar em cólera por um movimento interno do coração, ao que corresponde o castigo do juízo; o segundo, dizer alguma palavra de desprezo, que leva consigo o castigo do conselho; o terceiro, quando deixando-nos levar pela ira até à obcecação, injuriamos despiedadamente os nossos irmãos, que é castigado com o fogo do inferno (cfr De Serm. Dom. in monte II, 9).

“Geena do fogo”, frase que na linguagem judaica daqueles tempos significava o castigo eterno, o fogo do inferno.

Daqui a gravidade dos pecados externos contra a caridade: murmuração, injúria, calúnia, etc. Não obstante, devemos dar-nos conta de que estes brotam do coração; o Senhor chama a atenção em primeiro lugar para os pecados internos: rancor, ódio, etc., para fazer ver que aí está a raiz, e quanto nos convém refrear os primeiros movimentos da ira.

23-24. O Senhor encontra-Se com umas práticas judaicas do Seu tempo, e em tal ocasião dará uma doutrina de valor moral altíssimo e perene. Naturalmente que no cristianismo estamos noutra situação diferente das práticas cultuais judaicas. Para nós o mandato do Senhor tem uns caminhos determinados por Ele mesmo. Em concreto, na Nova e definitiva Aliança, fundada por Cristo, reconciliar-nos é aproximar-nos do sacramento da Penitência. Neste os fiéis “obtém da misericórdia de Deus o perdão da ofensa feita a Ele, e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, à qual feriram pelo pecado” (Lumen gentium, n. 11).

Do mesmo modo, no Novo Testamento, a oferenda por excelência é a Eucaristia. Ainda que à Santa Missa se deva assistir sempre nos dias de preceito, é sabido que para a recepção da Sagrada Comunhão se requer como condição imprescindível estar em graça de Deus.

Nosso Senhor não quer dizer nestes versículos que se tenha de antepor o amor do próximo ao amor de Deus. A caridade tem uma ordem: amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é o maior e primeiro mandamento (cfr Mt 22, 37-38). O amor ao próximo, que é o segundo mandamento em importância (cfr Mt 22, 39), recebe o seu sentido do primeiro. Não é concebível fraternidade sem paternidade. A ofensa contra a caridade é, antes de mais, ofensa a Deus.

Dia 11 de junho

Lc 15, 3-7

3Depois de subir para um dos barcos, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra para o largo; e, sentando-Se, pôs-Se a ensinar do barco as multidões.

4Quando cessou de falar, disse a Simão: Faz-te ao largo; e vós, largai as redes para a pesca. 5Disse-Lhe Simão, em resposta: Mestre, moirejámos toda a noite e nada apanhamos; todavia, porque o dizes, largarei as redes. 6E, depois de o terem feito, apanharam grande quantidade de peixe. 7Ora as redes estavam a romper-se, e eles fizeram sinal aos companheiros que se encontravam no outro barco, para os virem ajudar. Estes vieram; e encheram ambos os barcos, a ponto de se irem afundando.

Comentário

3. Os Santos Padres viram nesta barca de Pedro, a que o Senhor sobe, uma imagem da Igreja peregrina nesta terra. “Esta é aquela barca que segundo São Mateus ainda se afunda, e segundo São Lucas se enche de peixes. Reconhecei assim os princípios dificultosos da Igreja e a sua posterior fecundidade” (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.). Cristo sobe para a barca para ensinar dali as multidões. De igual modo continua a ensinar da Igreja – a barca de Pedro – todas as gentes.

Cada um de nós pode ver-se representado nesta barca a que Cristo sobe. Externamente pode não mudar nada: “Que mudança há então? Há mudança na alma, porque nela entrou Cristo, tal como entrou na barca de Pedro. Abrem-se amplos horizontes, maior ambição de servir e um desejo irreprimível de anunciar a todas as criaturas as magnalia Dei (Act 2, 11), as coisas maravilhosas que o Senhor faz, se lho permitimos” (Amigos de Deus, n.° 265).

4. “Quando acabou a Sua catequese, ordenou a Simão: Faz-te mais ao largo e lançai as vossas redes para pescar; é Cristo o dono da barca; é Ele quem prepara para a faina. Para isso é que veio ao mundo: para tratar de que os seus irmãos descubram o caminho da glória e do amor do Pai” (Amigos de Deus, n.° 260). Para levar a cabo esta tarefa, o Senhor ordena a todos que lancem as redes, mas somente a Pedro que dirija a barca mar adentro.

Todo este passo faz referência, em certo modo, à vida da Igreja. Nela o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, “é vigário de Jesus Cristo porque O representa na terra e faz as Suas vezes no governo da Igreja” (Catecismo Maior, n.° 195). Cristo dirige-se também a cada um de nós para que nos sintamos urgidos a um trabalho apostólico audaz: “‘Duc in altum’ – Ao largo! – Repele o pessimismo que te torna cobarde. ‘Et laxate retia vestra in capturam’ – e lança as redes para pescar. Não vês que podes dizer, como Pedro: ‘in nomine tuo, laxabo rete’- Jesus, em Teu nome, procurarei almas?” (Caminho, n.° 792).

“Se cedesses à tentação de perguntar a ti mesmo: quem me manda a mim meter-me nisto?, teria de responder-te: manda-to, pede-to o próprio Cristo. A messe é grande e os operários são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe (Mt IX, 37-38). Não digas, comodamente: eu para isto não sirvo; para isto já há outros. Se tu pudesses falar assim, todos podiam dizer a mesma coisa.

O pedido de Cristo dirige-se a todos e a cada um dos cristãos. Ninguém está dispensado: nem por razões de idade, nem de saúde, nem de ocupação. Não há desculpas de nenhum género. Ou produzimos frutos de apostolado ou a nossa fé será estéril” (Amigos de Deus, n.° 272).

5. Perante a ordem de Cristo, Simão expõe as suas dificuldades. “A resposta de Simão parece razoável. Costumavam pescar de noite, e precisamente aquela noite tinha sido infrutífera. Para que haviam de pescar de dia? Mas Pedro tem fé: Porém, sobre a Tua palavra, lançarei a rede. Resolve proceder como Cristo lhe sugeriu; compromete-se a trabalhar, fiado na Palavra do Senhor” (Amigos de Deus, n.°261).

Dia 12 de junho

Lc 12, 41-51

41Disse-Lhe Pedro: Senhor, é para nós que dizes essa parábola, ou para todos? 42Respondeu o Senhor: Quem será então o administrador fiel e prudente que o senhor porá à frente do seu pessoal, para dar, a seu tempo, a ração alimentar? 43Feliz daquele servo a quem o senhor, quando vier, assim achar fazendo. 44Digo-vos, na verdade, que o porá à frente de todos os seus bens. 45Mas, se aquele servo disser de si para consigo: “tarda em vir o meu senhor”, e começar a bater em criados e criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, 46o senhor daquele servo chegará em dia que não espera e a hora que não sabe; então pô-lo-á de parte e fá-lo-á partilhar a sorte dos infiéis.47Aquele servo que, sabendo o que o senhor queria, o não tiver preparado ou não tiver cumprido a vontade dele, levará muitas vergastadas. 48Aquele, porém, que não tiver sabido, mas tiver feito coisas que mereçam vergastadas, levará algumas. A todo aquele a quem muito foi dado muito será exigido, e àquele a quem muito se entregou mais se pedirá. 49Eu vim lançar fogo sobre a Terra, e que quero Eu senão que ele já se tenha ateado? 50Tenho um baptismo para receber e que angústias não sinto até que ele se realize! 51Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, vos digo Eu, foi antes a divisão.

Comentário

41-48. Depois da exortação do Senhor à vigilância, Pedro faz uma pergunta (v. 41) cuja resposta é a chave para compreender esta parábola. Por um lado, Jesus insiste no imprevisível do momento em que Deus nos há-de chamar para dar contas; por outro, precisamente como resposta à pergunta de Pedro, Nosso Senhor explica que o seu ensinamento se dirige a todos. Deus pedirá contas a cada um segundo as suas circunstâncias pessoais: todo o homem tem nesta vida uma missão para cumprir; dela teremos de responder diante do tribunal divino e seremos julgados segundo os frutos, abundantes ou escassos, que tenhamos dado.

“Mas, como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr Heb 9,27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr Mt 25,31-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cfr Mt 25,26), no fogo eterno (cfr Mt 25,41)” (Lumen gentium, n. 48).

49-50. O fogo exprime frequentemente na Bíblia o amor ardente de Deus pelos homens (cfr Dt 4,24; Ex 13,22; etc.). No Filho de Deus feito homem alcança esse amor divino a sua máxima expressão: “De tal maneira amou Deus o mundo que lhe entregou o Seu Filho Unigénito” (Ioh 3,16). Jesus entrega voluntariamente a Sua vida por amor de nós, e “ninguém tem maior amor que o de dar a vida pelos seus amigos” (Ioh 15,13).

Com as palavras que nos transmite São Lucas, Jesus Cristo revela as ânsias irreprimíveis de dar a Sua vida por amor. Chama Baptismo à Sua morte, porque dela vai sair ressuscitado e vitorioso para nunca mais morrer. O nosso Baptismo é um submergir-nos nessa morte de Cristo, na qual morremos para o pecado e renascemos para a nova vida da graça: “Pois fomos sepultados juntamente com Ele por meio do Baptismo em ordem à morte, para que, assim como Cristo ressuscitou de entre os mortos pela glória do Pai, assim também nós caminhemos numa vida nova” (Rom 6,4).

Nós, os cristãos, devemos ser, com essa nova vida, fogo que acende como Jesus acendeu os Seus discípulos: “Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã apostólico: ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha meditação (Ps XXXVIII, 4). Que fogo é esse senão aquele de que fala Cristo: Vim trazer fogo à Terra: e que quero eu, senão que se acenda? (Lc XII,49). Fogo de apostolado que se robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver através de todo o mundo essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado a participar: cumprir o que falta padecer a Cristo (cfr Col I, 24)” (Cristo que passa, n° 120).

51-53. Deus veio ao mundo com uma mensagem de paz (cfr Lc 2,14), de reconciliação (cfr Rom 5,11). Mas, ao resistirmos pelo nosso pecado à obra redentora de Cristo, opomo-nos a Ele. A injustiça e o erro provocam a divisão e a guerra. “Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo; mas na medida em que, unidos em caridade, superam o pecado, superadas ficam também as lutas” (Gaudium et spes, n. 78).

Na Sua própria vida na terra, Cristo foi sinal de contradição (cfr Lc 2,34). O Senhor previne os discípulos das lutas e divisões que acompanharão a difusão do Evangelho (cfr Lc 6,20-23; Mt 10,34).

Dia 13 de junho

Lc 7, 36-8,3

36Um fariseu convidou-O a comer consigo. Ele entrou em casa do fariseu e pôs-Se à mesa. 37Ora uma mulher, que era pecadora naquela cidade, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com perfume. 38Colocou-se por detrás, chorando a Seus pés e, com lágrimas, começou a banhar-Lhe os pés; pôs-se depois a enxugar-Lhos com os seus cabelos, a beijar-Lhos e a ungir-Lhos com perfume. 39Ao ver tal cena, o fariseu que O tinha convidado disse consigo: “Este homem, se fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que Lhe está a tocar: uma pecadora!” 40Então Jesus tomou a palavra e disse-lhe: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. Este respondeu: Diz lá, Mestre. 41Tinha certo prestamista dois devedores: um devia quinhentos denários e o outro cinqüenta. 42Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos. Qual deles então lhe ficará com mais amizade? 43Simão disse, em resposta: Penso que aquele a quem mais perdoou. Respondeu-lhe Ele: Julgaste bem. 44E, voltando-Se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não Me deste água para os pés; mas ela banhou-Me os pés com lágrimas e enxugou-Mos com os seus cabelos. 45Não Me deste um ósculo; mas ela, desde que Eu entrei, não deixou de Me beijar os pés. 46Não Me ungiste a cabeça com óleo; mas ela ungiu-Me os pés com perfume. 47Por isso te digo: Estão perdoados os seus muitos pecados, visto que manifestou muito amor. Mas aquele a quem pouco se perdoa pouco amor manifesta. 48Depois, disse-lhe a ela: Estão perdoados os teus pecados. 49Começaram então os convivas a dizer consigo: Quem é Este que até os pecados perdoa? 50E Jesus disse à mulher: Salvou-te a tua fé: vai em paz!

8 1Em seguida, ia caminhando por cidades e aldeias, a pregar e a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus. 2Andavam com Ele os doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, que era chamada de Magdala e de quem tinham saído sete Demônios, 3Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes, Susana e muitas outras, que os serviam com os seus haveres.

Comentário

36-40. A mulher pecadora, movida sem dúvida pela graça, acorreu atraída pela pregação de Cristo e pelo que se dizia d’Ele. Os convidados punham-se à mesa apoiados sobre o braço esquerdo, em pequenos divãs, de forma que os pés ficavam retirados para fora. Eram deveres de cortesia para com o hóspede dar-lhe o beijo de boas-vindas, oferecer-lhe água para lavar os pés e perfumes com que se ungisse.

41-50. Três coisas nos ensina Cristo na breve parábola dos dois devedores: a Sua divindade e o poder de perdoar os pecados; o mérito do amor da pecadora; e a descortesia que encerram os descuidos de Simão, que omitiu no convívio com Jesus os pormenores de urbanidade que se costumavam ter com os convidados. O Senhor não buscava esses pormenores pelo valor que em si possuíam mas pelo carinho que eles expressavam, e por isso queixa-Se da falta de cortesia de Simão.

“(…) Jesus repara em todos esses pormenores de cortesia e de delicadeza humanas, que o fariseu não soube manifestar-Lhe. Cristo é perfectus Deus, perfectus homo (Símbolo Atanasiano), Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e homem perfeito. Traz a salvação e não a destruição da natureza. Com Ele aprendemos que não é cristão comportar-se mal com o homem, criatura de Deus, feito à Sua imagem e semelhança (Gen I, 26)” (Amigos de Deus, n° 73),

Além disso, o fariseu pensou mal ao julgar negativamente a pecadora e Jesus: Simão duvida do conhecimento que Cristo tem e murmura interiormente. O Senhor, que conhecia os segredos dos corações dos homens (manifestando assim a Sua divindade), intervém para lhe indicar o seu descaminho. A verdadeira justiça, diz-nos São Gregório Magno (cfr In Evangelia homiliae, 33), tem compaixão; a falsa, pelo contrário, indigna-se. Muitos são como esse fariseu: esquecendo a sua condição, passada ou presente, de pobres pecadores, quando vêem os pecados dos outros, imediatamente, sem piedade, deixam-se levar pela indignação, ou apressam-se a julgar, ou riem-se ironicamente deles. Não pensam nas frases de São Paulo: “O que crê estar de pé, veja que não caia” (l Cor 10,12). “Irmãos, se porventura alguém é achado em alguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão (…). Levai os fardos uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gal 6,1-2).

Devemos esforçar-nos para que a caridade presida a todos os nossos juízos. Se não, facilmente seremos injustos com os outros:

“Não queiramos julgar. – Cada qual vê as coisas do seu ponto de vista… e com o seu entendimento, bem limitado quase sempre, e com os olhos obscuros ou enevoados, com trevas de exaltação muitas vezes (…). Como valem pouco os juízos dos homens! – Não julgueis sem joeirar o vosso juízo na oração” (Caminho, n°451).

A caridade e a humildade far-nos-ão ver nos pecados dos outros a nossa própria condição débil e desprotegida, e ajudar-nos-ão a unir-nos de coração à dor de todo o pecador que se arrepende, porque também nós cairíamos em iguais ou mais graves pecados se a divina piedade não estivesse misericordiosamente junto de nós.

“O Senhor – conclui Santo Ambrósio – amou não o ungüento, mas o carinho; agradeceu a fé, louvou a humildade. E tu também, se desejas a graça, aumenta o teu amor; derrama sobre o corpo de Jesus a tua fé na Ressurreição, o perfume da Igreja santa e o ungüento da caridade com os outros” (Expositio Evangelii sec. Lucam, ad loc.).

47. O homem não pode merecer o perdão dos pecados porque, sendo Deus o ofendido, a sua gravidade torna-se infinita. É necessário o sacramento da Penitência, com que Deus nos perdoa pelos méritos infinitos de Jesus Cristo; só há uma condição indispensável para alcançar o perdão de Deus: o nosso amor, o nosso arrependimento. Perdoa-se-nos na medida em que amamos; e quando o nosso coração está cheio de amor já não há nele lugar para o pecado, porque então demos lugar a Jesus, que nos diz como a esta mulher: Ficam perdoados os teus pecados. O arrependimento é mostra de que amamos a Deus. Mas Deus é que nos amou primeiro (cfr 1 Ioh 4,10). Quando Deus nos perdoa manifesta o Seu amor por nós. O nosso amor a Deus, pois, é sempre de correspondência, depois do Seu. O perdão divino faz crescer o nosso agradecimento e o nosso amor por Ele. “Ama pouco – comenta Santo Agostinho – aquele que é perdoado em pouco. Tu, que dizes não ter cometido muitos pecados, por que não os fizeste? (…). É por te ter Deus levado pela mão (…). Nenhum pecado, com efeito, comete um homem que não possa fazê-lo também outra pessoa se Deus, que fez o homem, não o segura pela Sua mão” (Sermo 99,6). Por conseguinte, devemos amar, enamorar-nos cada dia mais do Senhor, não só porque nos perdoa os nossos pecados, mas também porque nos preserva, com a ajuda da Sua graça, de os cometer.

50. Jesus Cristo declara que a fé levou aquela mulher a prostrar-se aos Seus pés e a mostrar-Lhe o seu arrependimento; este arrependimento mereceu-lhe o perdão. Da mesma maneira nós, ao aproximar-nos do sacramento da Penitência, devemos reavivar a nossa fé em que “a confissão sacramental não é um diálogo humano; é um colóquio divino; é um tribunal de segura e divina justiça e, sobretudo, de misericórdia, com um juiz amoroso que não deseja a morte do pecador, mas que ele se converta e viva (Ez XXXIII, 11)” (Cristo que passa, n° 78).

8 1-3. Em várias ocasiões nos fala o Evangelho de mulheres que acompanhavam o Senhor. São Lucas recolhe aqui o nome de três: Maria, chamada Madalena, a quem Cristo ressuscitado aparece junto do sepulcro (Ioh 20,11-18; Mc 16,9); Joana, de posição remediada, que se encontra também entre as que acorrem ao sepulcro na manhã da Ressurreição (Lc 24,10) e Susana, da qual não temos nenhuma outra notícia no Evangelho. A missão destas mulheres consistia em ajudar com os seus bens e com o seu trabalho a Jesus e aos discípulos. Deste modo correspondiam com agradecimento aos benefícios que tinham recebido de Cristo, e cooperavam na tarefa apostólica.

Na Igreja a mulher e o homem gozam de igual dignidade. Dentro desta dignidade comum há na mulher, sem dúvida, características peculiares que se hão-de reflectir necessariamente no seu papel dentro da Igreja: “Todos os baptizados – homens e mulheres – participam igualmente da comum dignidade, liberdade e responsabilidade dos filhos de Deus (…). A mulher é chamada a levar à família, à sociedade civil, à Igreja, alguma coisa de característico, que lhe é próprio e que só ela pode dar: a sua delicada ternura, a sua generosidade incansável, o seu amor ao concreto, a sua agudeza de engenho, a sua capacidade de intuição, a sua piedade profunda e simples, a sua tenacidade… A feminilidade não é autêntica se não reconhece a formosura dessa contribuição insubstituível e não a incorpora na própria vida” (Questões Atuais do Cristianismo, nos 14 e 87).

O Evangelho põe em realce a generosidade das santas mulheres. É formoso pensar que o Senhor quis apoiar-Se nesta caridade, e que elas souberam corresponder-Lhe com um desprendimento tão delicado e generoso, que provoca na mulher cristã “uma santa inveja, cheia de eficácia” (cfr Caminho, n° 981).

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