em Evangelho do dia

Dia 23 de março

Jo 4, 43-54

43Passados os dois dias, partiu dali para a Galileia. 44O próprio Jesus tinha efectivamente declarado que um profeta, na sua terra, não é tido em apreço. 45Quando chegou à Galileia, receberam-No os Galileus, que tinham visto quanto Ele fizera em Jerusalém, pela festa, pois eles também tinham ido à festa. 46Veio então novamente a Caná da Galileia, onde tinha convertido a água em vinho. Ora, em Cafarnaum, havia um funcionário real, cujo filho se encontrava doente. 47Ao ouvir dizer que Jesus chegara da Judeia à Galileia, veio ter com Ele e pôs-se a pedir que fosse lá abaixo curar-lhe o filho, que estava a morrer. 48Disse-lhe então Jesus: Se não virdes milagres e prodígios, não haveis de acreditar! 49Senhor – diz-Lhe o funcionário real – vem cá abaixo antes que o meu filhinho morra. 50Jesus responde-lhe: Vai, teu filho está vivo! O homem acreditou na palavra que Jesus lhe tinha dito e pôs-se a caminho. 51Já ele vinha na descida, quando lhe vieram os criados ao encontro, dizendo que o menino estava vivo. 52Perguntou-lhes a que horas tinha ele melhorado. Responderam-lhe: Foi ontem, à hora sétima, que a febre o deixou. 53O pai reconheceu então que tinha sido àquela hora que Jesus lhe havia dito: “Teu filho está vivo!”. E acreditou, ele e todos os de sua casa. 54Foi este o segundo milagre que Jesus fez, ao voltar da Judeia para a Galileia.

Comentário

46. São João fala de um funcionário real, provavelmente ao serviço de Herodes Antipas que, ainda que fosse somente tetrarca ou governador da Galileia (cfr Lc 3,1), podia receber também o título de rei (cfr Mc 6,14). Trata-se portanto de uma pessoa de alta categoria social (v. 51) que residia em Cafarnaum, cidade alfandegária. Por isto supõe São Jerónimo que devia ser um palatinus, um cortesão de palácio, como sugere o termo grego correspondente.

48. Jesus parece dirigir-Se não tanto ao funcionário real como à gente da Galileia que acorria a Ele só para pedir milagres e ver prodígios. Noutra ocasião o Senhor censuraria as cidades de Corozaim, Betsaida e Cafarnaum pela sua incredulidade (Mt 11,21-23), porque os milagres que fez ali teriam movido à penitência as cidades fenícias de Tiro e de Sidónia e inclusivamente a própria Sodoma. Os Galileus em geral estavam mais dispostos para ver manifestações extraordinárias do que para escutar a Sua palavra. Mais adiante, depois do milagre da multiplicação dos pães, buscarão o Senhor para O fazerem rei, mas nem todos acreditarão no anúncio da Eucaristia (Ioh 6,15.53.62). Jesus pede uma fé firme e pura, que, ainda que se apoie em milagres, não os exige. Não obstante, Deus continua em todos os tempos a fazer milagres, que servem para reafirmar a fé.

“Não sou ‘milagreiro’. – Disse-te já que me sobejam milagres no Santo Evangelho para firmar fortemente a minha fé. – Mas dão-me pena esses cristãos – até piedosos, ‘apostólicos’! – que sorriem quando ouvem falar de caminhos extraordinários, de factos sobrenaturais. – Sinto desejos de lhes dizer: sim, também agora há milagres; nós próprios os faríamos se tivéssemos fé!” (Caminho, n° 583).

49-50. Apesar da atitude aparentemente fria de Jesus, o “nobre” insiste a manifestar o seu sofrimento interior: “Senhor, vem cá abaixo antes que o meu filhinho morra”. Ainda que imperfeita, a sua fé tinha sido suficiente para percorrer os 33 quilômetros que separam Cafarnaum de Caná; e, não obstante a sua elevada posição, tinha-se aproximado do Senhor pedindo ajuda. Jesus gosta da perseverança e da humildade deste homem. O pedido feito com fé alcança o seu objectivo: “‘Si habueritis fidem, sicut granum sinapis!’ – Se tivesses uma fé do tamanho de um grãozito de mostarda!… – Que promessas não encerra esta exclamação do Mestre!” (Caminho, n° 585).

Os Santos Padres comparam este milagre ao servo do Centurião (Mt 8,5-12; Lc 7,1-10), pondo em realce a fé surpreendente que desde o primeiro momento manifesta o oficial romano, em contraste com a imperfeita fé inicial do personagem de Cafarnaum. São João Crisóstomo comenta: “Ali (no caso do centurião romano), a fé era robusta, por isso Jesus prometeu ir para que nós aprendamos a devoção daquele; aqui a fé era ainda imperfeita, e não sabia com clareza que Jesus podia curar estando longe: assim que o Senhor, negando-Se a descer, quis com isto ensinar a ter fé” (Hom. sobre S. João, 35).

53. O milagre da cura é força convincente que atrai à fé aquele homem e com ele toda a sua família. Todo o bom pai de família deve aproveitar os episódios domésticos para procurar que os seus acedam à fé. Assim diz São Paulo: “Se alguém não cuida dos seus e principalmente de sua casa, negou a fé e é pior que um infiel” (1 Tim 5,8). Cfr Act 16,14, onde se narra que Lídia cuidou de que com ela fosse baptizada toda a sua família; em Act 18,8, refere-se a mesma atitude do chefe da sinagoga Crispo, e em Act 16,33 a do guarda da prisão.

Dia 24 de março

Jo 5, 1-16

Depois disto, houve uma festa dos Judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 2Ora existe em Jerusalém, junto à Piscina das Ovelhas, uma que, em hebraico, se chama Bezatá, que tem cinco pórticos. 3Nestes jazia grande número de enfermos, cegos, coxos, entrevados, que esperavam o movimento da água. 4É que o Anjo do Senhor, de tempos a tempos, descia à piscina e agitava a água. E assim, o primeiro que mergulhava, depois da agitação da água, ficava curado de qual­quer mal de que estivesse atingido. 5Estava ali um homem, enfermo havia trinta e oito anos. 6Jesus, ao vê-lo estendido e sabendo que já estava assim havia muito tempo, diz-lhe: Queres ficar são? 7Senhor — responde-Lhe o enfermo — não tenho nin­guém que me lance na piscina, quando a água se agitar; e enquanto eu vou, outro desce antes de mim. 8Diz-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu catre e anda. 9E logo o homem ficou são, tomou o catre e pôs-se a caminhar. Ora aquele dia era um sábado. 10Diziam, por isso, os Judeus ao miraculado: É sábado e não podes levar esse catre. 11Mas ele res­pondeu-lhes: Quem me curou é que me disse: «Toma o teu catre e anda». 12Perguntaram-lhe então: Quem é o homem que te disse: «Toma o teu catre e anda »? 13Mas o que tinha sido curado não sabia quem era, pois Jesus havia-Se afastado, por haver muita gente no local. 14Em seguida, encontrou-o Jesus no Templo e disse-lhe: Ficaste curado. Não tornes a pecar, para não te suceder coisa pior. 15O homem foi dizer aos Judeus que tinha sido Jesus que o curara. 16Por isso os Judeus perseguiam Jesus, visto Ele fazer tais coisas ao sábado.

Comentário

1. Não é possível determinar com certeza de que festa se trata; provavelmente refere-se à Páscoa, conhecida inclusivamente no mundo greco-romano como a festa nacional do povo judaico. Mas também poderia referir-se a outras festas, como a de Pentecostes. (Sobre esta questão veja-se Cronologia da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, parágrafo 3, Duração do Ministério Público, pp. 88-89).

2. A esta piscina7chama-se também «probática» por estar situada, nos Subúrbios de Jerusalém, junto à porta probática ou das Ovelhas (cfr Neh 3,1-32; 12,39), pela qual entrava o gado quese destinava aos sacrifícios do Templo. Em fins do século XIX encontraram-se vestígios da piscina: escavada em rocha era de forma rectangular e estava rodeada de quatro galerias ou alpendres, e um quinto alpendre dividia o tanque em duas metades quase quadra­das.

3-4. Os Santos Padres ensinam que essa piscina prefigura o Baptismo cristão. Mas assinalam que enquanto na piscina de Bezatá se curavam as doenças do corpo, no Baptismo curam-se as da alma; ali era de vez em quando e para um só doente; no Baptismo é sempre e para todos; em ambos os casos manifesta-se o poder de Deus por meio da água (cfr Hom. sobre S. João, 36,1).

A edição Sixto-Clementina da Vulgata recolhe, como segunda parte do v. 3 e constituindo todo o v. 4, o seguinte passo: 3bexspectantium aquae motum. 4Angelus autem Domini descendebat secundum tempus in piscinam et move-batur aqua. Et qui prior descendisset in piscinam post motionem aquae sanus fiebat a quacumque detinebatur infirmitate» (3b«que aguardavam o movimento da água. 4 Pois um anjo do Senhor descia de vez em quando à piscina e movia a água. O primeiro que se metesse na piscina depois do movimento da água ficava são de qualquer enfermidade que tivesse»). A Neo-vulgata, pelo contrário, omite no seu texto todo este passo, consignando-o apenas em nota de roda-pé. Tal omissão funda-se em que não vem em impor­tantes códices e papiros gregos, nem em muitas versões antigas.

14. Possivelmente o paralítico tinha acorrido ao Templo para dar graças a Deus pela sua cura. Jesus vem ao seu encontro e recorda-lhe que mais importante que a saúde do corpo é a saúde da alma.

O Senhor recorre ao santo temor de Deus como incentivo na luta contra o pecado: «Não tornes a pecar para não te suceder coisa pior». Este bom temor que nasce do respeito por nosso Pai Deus/ compagina-se perfeitamente com o amor. Assim como os filhos amam e respeitam os pais, e procuram evitar-lhes desgostos também por temor ao castigo, de modo semelhante nós temos de lutar contra o pecado em primeiro lugar porque é uma ofensa a Deus, mas também porque podemos ser castigados nesta vida e, sobretudo, na outra.

16-18. A Lei de Moisés assinalava o sábado como o dia de descanso semanal. Desta forma os Judeus pensavam imitar a maneira de agir de Deus na Criação. Observa São Tomás de Aquino que Jesus rejeita a estreita interpretação que davam os Judeus: «Estes, querendo imitar a Deus, não faziam nada ao sábado, como se Deus neste dia tivesse deixado absolutamente de actuar. É verdade que ao sábado descansou da criação de novas criaturas, mas sempre e de forma contínua actua, conservando-as no ser… Deus é causa de todas as coisas no sentido de que também as faz subsistir; porque se num momento dado se interrompesse o Seu poder, imediatamente deixariam de existir todas as coisas que a natureza contém» (Comentário sobre S. João, ad loc.). «Meu Pai trabalha continuamente e Eu também tra­balho»: Já dissemos que Deus não deixa de actuar depois da Criação. Como o Filho actua junto com o Pai, que com o Espí­rito Santo são um só Deus, por esta razão Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, pode dizer que não deixa de trabalhar. Estas palavras.de Jesus fazem referência implí­cita à Sua natureza divina, e assim o entenderam os Judeus, os quais, considerando-as uma blasfêmia, quiseram dar-Lhe a morte. «Todos — comenta Santo Agostinho — chamamos a Deus «Pai Nosso que estais nos Céus’ (Is 63,16; 64,8). Não se enfureciam, portanto, porque dissesse que Deus era Seu Pai, mas porque Lhe chamava Pai de maneira muito diferente de como Lhe chamam os homens. Vede como os Judeus vêem; os arianos, pelo contrário, não querem ver. Estes dizem que o Filho não é igual ao Pai, e daqui surge uma heresia que aflige a Igreja. Vede como até os próprios cegos e os mesmos que mataram Cristo entenderam p sentido das palavras do Senhor» (In Ioann. Evang., 17,lê). Nós chamamos a Deus nosso Pai porque somos filhos aüoptivos pela graça; Jesus Cristo chama a Deus Seu Pai porque é o Filho por natureza. Por isso diz depois de ressuscitar: Subo para Meu Pai e vosso Pai (Ioh20,17), distinguindo assim com clareza essas duas maneiras diferentes de ser filhos de Deus.

Dia 25 de março

Lc 1, 26-38

26Ao sexto mês, foi o Anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27a uma virgem que era noiva dum homem da casa de David, chamado José, e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar para junto dela, disse o Anjo: Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. 29A estas palavras, ela perturbou-se e ficou a pensar que saudação seria aquela. 30Disse-lhe o Anjo: Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo; dar-Lhe-á o Senhor Deus o trono de Seu pai David, 33reinará eternamente na casa de Jacob e o Seu reinado não terá fim. 34Disse Maria ao Anjo: Como será isso, se eu não conheço homem? 35Disse-lhe o Anjo, em resposta: Virá sobre ti o Espírito Santo, e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus. 36E também Isabel, tua parenta, concebeu um filho, na sua velhice, e é este o sexto mês dessa que chamavam estéril, 37porque, da parte de Deus, nada é impossível. 38Maria disse então: Eis a escrava do Senhor: seja-me feito segundo a tua palavra. E retirou-se o Anjo de junto dela.

Comentário

26-38. Aqui contemplamos Nossa Senhora que, “enriquecida, desde o primeiro instante da sua conceição, com os esplendores duma santidade singular, a Virgem de Nazaré é saudada pelo Anjo, da parte de Deus, como cheia de graça (cfr Lc 1,28); e responde ao mensageiro celeste: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc l ,38). Deste modo, Maria, filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, não retida por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção. Por isso, consideram com razão os santos Padres que Maria não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo, mas que cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens” (Lumen gentium, n. 56).

A Anunciação a Maria e a Encarnação do Verbo é o facto mais maravilhoso, o mistério mais entranhável das relações de Deus com os homens e o acontecimento mais transcendente da História da humanidade. Que Deus Se faça Homem e para sempre! Até onde chegou a bondade, a misericórdia e o amor de Deus por nós, por todos nós! E, não obstante, no dia em que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade assumiu a débil natureza humana das entranhas puríssimas de Maria Santíssima, nada extraordinário acontecia, aparentemente, sobre a face da terra.

Com grande simplicidade narra São Lucas o magno acontecimento. Com quanta atenção, reverência e amor temos de ler estas palavras do Evangelho, rezar piedosamente o Angelus cada dia, seguindo a divulgada devoção cristã, e contemplar o primeiro mistério gozoso do santo Rosário.

27. Deus quis nascer de uma mãe virgem. Assim o tinha anunciado séculos antes por meio do profeta Isaías (cfr Is 7,14; Mt 1,22-23). Deus, “desde toda a eternidade, escolheu-A e indicou-A como Mãe para que o Seu Unigênito Filho tomasse carne e nascesse d’Ela na plenitude ditosa dos tempos; e em tal grau A amou por cima de todas as criaturas, que só n’Ela se comprazeu com assinaladíssima complacência” (Ineffabilis Deus). Este privilégio de ser virgem e mãe ao mesmo tempo, concedido a Nossa Senhora, é um dom divino, admirável e singular. Deus “engrandeceu tanto a Mãe na concepção e no nascimento do Filho, que Lhe deu fecundidade e A conservou em perpétua virgindade” (Catecismo Romano, I,4,8). Paulo VI recordava-nos novamente esta verdade de fé: “Cremos que a bem-aventurada Maria, que permaneceu sempre Virgem, foi a Mãe do Verbo encarnado, Deus e Salvador nosso Jesus Cristo” (Credo do Povo de Deus, n° 14).

Ainda que se tenham proposto muitos significados do nome de Maria, os autores de maior relevância parecem estar de acordo em que Maria significa Senhora. Não obstante, a riqueza que contém o nome de Maria não se esgota com um só significado.

28. “Salve!”: Literalmente o texto grego diz: alegra-te! É claro que se trata de uma alegria totalmente singular pela notícia que Lhe vai comunicar a seguir.

“Cheia de graça”: O Arcanjo manifesta a dignidade e a honra de Maria com esta saudação desusada. Os Padres e Doutores da Igreja “ensinaram que com esta singular e solene saudação, jamais ouvida, se manifestava que a Mãe de Deus era assento de todas as graças divinas e que estava adornada de todos os carismas do Espírito Santo”, pelo que “jamais esteve sujeita a maldição”, isto é, esteve imune de todo o pecado. Estas palavras do arcanjo constituem um dos textos em que se revela o dogma da Imaculada Conceição de Maria (cfr Ineffabilis Deus; Credo do Povo de Deus, n° 14).

“O Senhor está contigo”: Estas palavras não têm um mero sentido deprecatório (o Senhor esteja contigo), mas afirmativo (o Senhor está contigo), e em relação muito estreita com a Encarnação. Santo Agostinho glosa a frase “o Senhor está contigo” pondo na boca do arcanjo estas palavras: “Mais que comigo, Ele está no teu coração, forma-Se no eu ventre, enche a tua alma, está no teu seio” (Sermo de Nativitate Domini, 4).

Alguns importantes manuscritos gregos e versões antigas acrescentam no fim: “Bendita tu entre as mulheres”: Deus exaltá-La-ia assim sobre todas as mulheres. Mais excelente que Sara, Ana, Débora, Raquel, Judit, etc., pelo facto de que só Ela tem a suprema dignidade de ter sido escolhida para ser Mãe de Deus.

29-30. Perturbou-se Nossa Senhora pela presença do Arcanjo e pela confusão que produzem nas pessoas verdadeiramente humildes os louvores dirigidos a elas.

30. A Anunciação é o momento em que Nossa Senhora conhece com clareza a vocação a que Deus A tinha destinado desde sempre. Quando o Arcanjo A tranqüiliza e Lhe diz “não temas, Maria”, está a ajudá-La a superar esse temor inicial que, ordinariamente, se apresenta em toda a vocação divina. O facto de que isto tenha acontecido à Santíssima Virgem indica-nos que não há nisso nem sequer imperfeição: é uma reacção natural diante da grandeza do sobrenatural. Imperfeição seria não o superar, ou não nos deixarmos aconselhar por aqueles que, como São Gabriel e Nossa Senhora, podem ajudar-nos.

31-33. O arcanjo Gabriel comunica à Santíssima Virgem a sua maternidade divina, recordando as palavras de Isaías que anunciavam o nascimento virginal do Messias e que agora se cumprem em Maria Santíssima (cfr Mt 1,22-23; Is 7,14).

Revela-se que o Menino será “grande”: a grandeza vem-Lhe da Sua natureza divina, porque é Deus, e depois da Encarnação não deixa de sê-lo, mas assume a pequenez da humanidade. Revela-se também que Jesus será o Rei da dinastia de David, enviado por Deus segundo as promessas de Salvação; que o Seu Reino “não terá fim”: porque a Sua humanidade permanecerá para sempre indissoluvelmente unida à Sua divindade; que “chamar-se-á Filho do Altíssimo”: indica ser realmente Filho do Altíssimo e ser reconhecido publicamente como tal, isto é, o Menino será o Filho de Deus.

No anúncio do Arcanjo evocam-se, pois, as antigas profecias que anunciavam estas prerrogativas. Maria, que conhecia as Escrituras Santas, entendeu claramente que ia ser Mãe de Deus.

34-38. O Papa João Paulo II comentava assim este passo: “Virgo fidelis, Virgem fiel. Que significa esta fidelidade de Maria? Quais são as dimensões dessa fidelidade? A primeira dimensão chama-se busca. Maria foi fiel, antes de mais, quando com amor se pôs a buscar o sentido profundo do desígnio de Deus n’Ela e para o mundo. ‘Quomodo fiet? Como acontecerá isto?‘, perguntava Ela ao anjo da Anunciação (…). Não haverá fidelidade se não houver na raiz esta ardente, paciente e generosa busca (…). A segunda dimensão da fidelidade chama-se acolhimento, aceitação. O quomodo fiet transforma-se, nos lábios de Maria, em um fiat. Que se faça, estou pronta, aceito: este é o momento crucial da fidelidade, momento em que o homem percebe que jamais compreenderá totalmente o como; que há no desígnio de Deus mais zonas de mistério que de evidência; que, por mais que faça, jamais conseguirá captar tudo (…). Coerência é a terceira dimensão da fidelidade. Viver de acordo com o que se crê. Ajustar a própria vida ao objecto da própria adesão. Aceitar incompreensões, perseguições antes que permitir rupturas entre o que se vive e o que se crê: esta é a coerência (…). Mas toda a fidelidade deve passar pela prova mais exigente: a da duração. Por isso a quarta dimensão da fidelidade é a constância. É fácil de ser coerente por um dia ou por alguns dias. Difícil e importante é ser coerente toda a vida. É fácil de ser coerente na hora da exaltação, difícil sê-lo na hora da tribulação. E só pode chamar-se fidelidade uma coerência que dura ao longo de toda a vida. O fiat de Maria na Anunciação encontra a sua plenitude no fiat silencioso que repete aos pés da cruz” (Homilia Catedral México).

34. A fé de Maria nas palavras do Arcanjo foi absoluta; não duvida como duvidou Zacarias (cfr 1,18). A pergunta da Santíssima Virgem “como será isso” exprime a sua prontidão para cumprir a Vontade divina diante de uma situação que parece à primeira vista contraditória: por um lado Ela tinha a certeza de que Deus lhe pedia para conservar a virgindade; por outro lado, também da parte de Deus, é-lhe anunciado que vai ser mãe. As palavras imediatas do arcanjo declaram o mistério do desígnio divino e o que parecia impossível, segundo as leis da natureza, explica-se por uma singularíssima intervenção de Deus.

O propósito de Maria de permanecer virgem foi certamente algo singular, que interrompia o modo ordinário de proceder dos justos do Antigo Testamento, no qual, como expõe Santo Agostinho, “atendendo de modo particularíssimo à propagação e ao crescimento do Povo de Deus, que era o que tinha de profetizar e donde havia de nascer o Príncipe e Salvador do mundo, os santos tiveram de usar do bem do matrimônio” (De bono matrimonii, 9,9). Houve, porém, no Antigo Testamento alguns homens que por desígnio de Deus permaneceram célibes, como Jeremias, Elias, Eliseu e João Baptista. A Virgem Santíssima, inspirada de modo muito particular pelo Espírito Santo para viver plenamente a virgindade, é já uma primícia do Novo Testamento, no qual a excelência da virgindade sobre o matrimônio adquirirá todo o seu valor, sem diminuir a santidade da união conjugal, que é elevada à dignidade de sacramento (cfr Gaudium et spes, n. 48).

35. A “sombra” é um símbolo da presença de Deus. Quando Israel caminhava pelo deserto, a glória de Deus enchia o Tabernáculo e uma nuvem cobria a Arca da Aliança (Ex 40,34-36). De modo semelhante quando Deus entregou a Moisés as tábuas da Lei, uma nuvem cobria a montanha do Sinai (Ex 24,15-16), e também na Transfiguração de Jesus se ouve a voz de Deus Pai no meio de uma nuvem (Lc 9,35).

No momento da Encarnação o poder de Deus enroupa com a Sua sombra Nossa Senhora. É a expressão da acção omnipotente de Deus. O Espírito de Deus – que, segundo o relato do Gênesis (1,2), pairava sobre as águas dando vida às coisas – desce agora sobre Maria. E o fruto do seu ventre será obra do Espírito Santo. A Virgem Maria, que foi concebida sem mancha de pecado (cfr Ineffabilis Deus), fica depois da Encarnação constituída em novo Tabernáculo de Deus. Este é o Mistério que recordamos todos os dias na recitação do Angelus.

38. Uma vez conhecido o desígnio divino, Nossa Senhora entrega-se à Vontade de Deus com obediência pronta e sem reservas. Dá-se conta da desproporção entre o que vai ser – Mãe de Deus – e o que é – uma mulher -. Não obstante, Deus o quer e nada é impossível para Ele, e por isto ninguém é capaz de pôr dificuldades ao desígnio divino. Daí que, juntando-se em Maria a humildade e a obediência, pronunciará o sim ao chamamento de Deus com essa resposta perfeita: “Eis a escrava do Senhor, seja-me feito segundo a tua palavra”.

“Ao encanto destas palavras virginais, o Verbo se fez carne” (Santo Rosário, primeiro mistério gozoso). Das puríssimas entranhas da Santíssima Virgem, Deus formou um corpo, criou do nada uma alma, e a este corpo e alma uniu-Se o Filho de Deus; desta sorte o que antes era apenas Deus, sem deixar de o ser, ficou feito homem. Maria já é Mãe de Deus. Esta verdade é um dogma da nossa santa fé definido no Concilio de Éfeso (ano 431). Nesse mesmo instante começa a ser também Mãe espiritual de todos os homens. O que um dia ouvirá de lábios de seu Filho moribundo, “eis aí o teu filho (…), eis aí a tua mãe” (Ioh 19,26-27), não será senão a proclamação do que silenciosamente tinha acontecido em Nazaré. Assim, “com o seu fiat generoso converteu-se, por obra do Espírito, em Mãe de Deus e também em verdadeira Mãe dos vivos, e converteu-se também, ao acolher no seu seio o único Mediador, em verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus” (Marialis cultus, n. 6).

O Evangelho faz-nos contemplar a Virgem Santíssima como exemplo perfeito de pureza (“não conheço homem”); de humildade (“eis a escrava do Senhor”); de candura e simplicidade (“como será isso”); de obediência e de fé viva (“seja-me feito segundo a tua palavra”). “Procuremos aprender, seguindo também o seu exemplo de obediência a Deus, numa delicada combinação de submissão e de fidalguia. Em Maria, nada existe da atitude das virgens néscias, que obedecem, sim, mas como insensatas. Nossa Senhora ouve com atenção o que Deus quer, pondera aquilo que não entende, pergunta o que não sabe. Imediatamente a seguir, entrega-se sem reservas ao cumprimento da vontade divina: eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa palavra (Lc I, 38). Vedes esta maravilha? Santa Maria, mestra de toda a nossa conduta, ensina-nos agora que a obediência a Deus não é servilismo, não subjuga a consciência, pois nos move interiormente a descobrir a liberdade dos filhos de Deus (cfr Rom VIII, 21)” (Cristo que passa, n° 173).

Dia 26 de março

Jo 5, 31-47

31Se Eu der testemunho de Mim mesmo, o Meu testemunho não passa por verídico. 32É outro que dá testemunho de Mim, e Eu sei que é verídico o testemunho que Ele dá de Mim. 33Vós mandastes enviados a João e ele deu testemunho da verdade. 34Não é dum homem que Eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para que vos salveis. 35Ele era uma lâmpada que ardia e brilhava, e vós, por um momento, deixastes-vos tomar de alegria com a sua luz. 36Mas Eu tenho um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai Me deu para consumar, essas mesmas obras que faço, atestam, a Meu respeito, que o Pai Me enviou. 37E o Pai que Me enviou deu Ele mesmo testemunho de Mim. Nunca Lhe ouvistes a voz, nem Lhe vistes a figura, 38e não tendes, permanecendo em vós, a Sua palavra, porque não acreditais No que Ele enviou. 39Esquadrinhais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de Mim! 40Vós, porém, não quereis vir a Mim, para terdes a vida. 41Não é dos homens que Eu tiro glória; 42aliás, bem vos conheço: não tendes em vós o amor de Deus. 43Eu vim em nome de Meu Pai e vós não Me recebeis. Se outro vier em seu próprio nome, recebê-lo-eis. 44Como podeis acreditar, vós que tirais glória uns dos outros e não buscais a glória só da parte de Deus? 45Não penseis que Eu vou acusar-vos ao Pai. Há quem vos acuse, Moisés, em quem pusestes a vossa esperança; 46porquanto, se acreditásseis em Moisés, acreditaríeis em Mim, visto ele ter escrito a Meu respeito! 47Mas, se não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas Minhas palavras?

Comentário

31-40. A Jesus, por ser o Filho de Deus, bastava-Lhe a Sua própria autoridade para dar validade às Suas palavras (cfr 8,18); mas, como outras vezes, acomoda-Se aos usos dos homens e condescende com a forma de pensar dos Seus ouvintes. Assim, antecipando-Se à possível objecção dos Judeus de que o testemunho de uma pessoa na sua própria causa não é suficiente (cfr Dt 19,15), explica que as Suas palavras são avalizadas por quatro testemunhos: o de São João Baptista, o dos milagres, o do Pai, e o das Sagradas Escrituras do Antigo Testamento.

João Baptista tinha dado testemunho de que Jesus era o Filho de Deus (1,34). Ainda que Jesus não tivesse necessidade de recorrer ao testemunho de um homem, nem sequer ao de um grande profeta, aquele testemunho foi dado em atenção aos Judeus, para que reconhecessem o Messias. Jesus pode mostrar-lhes, além disso, um testemunho melhor que o do Baptista: os milagres que realiza, e que são, para quem os queira reconhecer com olhar limpo, sinais inequívocos do Seu poder divino, de que procede do Pai; os milagres de Jesus são, pois, testemunhos do Pai acerca do Seu Filho, que enviou ao mundo. Noutras ocasiões o Pai manifesta a divindade de Jesus: no Baptismo (cfr 1,31-34), na Transfiguração (cfr Mt 17,1-8) e, mais tarde, diante de toda a multidão (cfr Ioh 12,28-30).

Jesus apela também para outro testemunho divino: o que se encontra nas Sagradas Escrituras. Estas falam d’Ele, mas os Judeus não são capazes de penetrar o seu verdadeiro sentido, porque as lêem sem se deixarem iluminar por Aquele a Quem Deus enviou e em Quem se cumprem todas as profecias. “A ‘economia’ do Antigo Testamento destinava-se sobretudo a preparar, a anunciar profeticamente (cfr Lc 24,44; Ioh 5,39; 1 Pet 1,10) e a simbolizar com várias figuras (cfr 1 Cor 10,11) o advento de Cristo, redentor universal, e o do reino messiânico (…). Por isso, os fiéis devem receber com devoção estes livros que exprimem o vivo sentido de Deus, nos quais se encontram sublimes doutrinas a respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da vida humana, bem como admiráveis tesouros de preces, nos quais, finalmente, está latente o mistério da nossa salvação” (Dei Verbum, n. 15).

41-47. Jesus lança à cara dos Seus ouvintes três impedimentos que têm para O reconhecerem como o Messias e Filho de Deus: a falta de amor a Deus, a busca da glória humana e a interpretação interessada dos textos sagrados. A defesa que Jesus fez da Sua própria actuação e das relações com o Pai poderia fazer pensar aos Seus adversários que pretendia glória humana. Porém, os testemunhos aduzidos por Jesus (o Baptista, os milagres, o Pai e as Escrituras) põem em evidência que não é Ele quem busca a Sua glória, e que os Judeus O perseguem não por amor a Deus nem por defesa da honra divina, mas por motivos que não são rectos, ou por uma visão meramente humana.

Na verdade, o Antigo Testamento leva ao conhecimento de Jesus Cristo (cfr Ioh 1,45; 2,17.22; 5,39.46; 12,16.41); não obstante, os Judeus permanecem na incredulidade pelas suas disposições interiores, pois reduzem as promessas messiânicas dos livros sagrados a uma esperança nacionalista. Tais concepções, nada sobrenaturais, fecham-lhes a alma para as palavras e para as acções de Jesus, e impedem-nos de ver que n’Ele se estão a cumprir as antigas profecias (cfr 3,14-16).

Dia 27 de março

Jo 7, 1-2.10.25-30

1Depois disto, andava Jesus pela Galileia, pois não queria andar pela Judeia, porque os Judeus procuravam dar-Lhe a morte. 2Estava próxima a festa judaica dos Tabernáculos. 10Mas, depois de os Seus irmãos terem subido para irem à festa, subiu então Ele também, não publicamente, mas em segredo. 25Diziam então alguns dos de Jerusalém: Não é a Este que procuram dar a morte? 26Aí está Ele a falar abertamente, e nada Lhe dizem! Teriam, na verdade, os chefes reconhecido que Ele é o Messias? 27Mas Este sabemos donde é; o Messias, quando vier, ninguém sabe donde é. 28Entretanto Jesus, estando a ensinar no Templo, disse em voz alta: Não só Me conheceis, mas sabeis também donde Eu sou, se bem que Eu não tenha vindo de Mim mesmo; mas Aquele que Me enviou é verdadeiro. Esse que vós não conheceis. 29Eu é que O conheço, porque venho de junto d’Ele e foi Ele que Me enviou. 30Procuravam então prendê-Lo, mas ninguém Lhe deitou a mão, porque ainda não chegara a Sua hora.

Comentário

1-3. Os parentes mais próximos costumavam chamar-se entre os Judeus com o nome de “irmãos”. Estes parentes de Jesus continuavam sem compreender a Sua doutrina e a Sua missão (cfr Mc 3,31); não obstante, como os milagres realizados na Galileia eram patentes (cfr Mt 15,32-39; Mc 8,1-10.22-26), sugerem-Lhe que Se manifeste publicamente em Jerusalém e em toda a Judeia. Com isso quiçá buscassem o triunfo temporal de Jesus, que podia afagar a vaidade familiar.

2. O nome desta festa evoca o tempo que os Hebreus passaram no deserto, habitando em tendas de campanha (cfr Lev 23,34-36). Durante os oito dias que durava a festa (cfr Neh 8,13-18), no começo do Outono, comemorava-se a protecção que os israelitas tinham recebido de Deus ao longo daqueles quarenta anos do Êxodo. Por coincidir com o termo das colheitas, estas festas chamavam-se também das Colheitas (cfr Ex 23,16).

10. Uma vez que não subia com a antecipação costumada, as primeiras caravanas que chegassem da Galileia anunciariam que Jesus não estaria presente naquela festividade e, por conseguinte, os membros do Sinédrio desistiriam de tomar medidas contra Ele (cfr 7,1). Ao subir mais tarde, as autoridades judaicas não se atreveriam a causar-Lhe dano por temor a uma revolta popular (cfr Mt 26,5). Jesus, possivelmente em companhia dos Seus discípulos, chega a Jerusalém passando despercebido para o povo, “em segredo”. Estando a festa já a meio, no quarto ou no quinto dia, começou a pregar no Templo (cfr 7,14).

27. Ao longo deste capítulo aparecem freqüentemente as dúvidas e o desconcerto dos Judeus. Discutem entre eles se Jesus é o Messias, ou um profeta, ou um impostor (v. 12); não sabem donde Lhe vem a Sua sabedoria (v. 15), respondem-Lhe irritados (vv. 19-20) e admiram-se da atitude do Sinédrio (v. 26). Não obstante, apesar dos sinais que viram (milagres, doutrina), resistem a crer que Jesus é o Messias. Possivelmente uns pensavam que era de Nazaré, filho de José e de Maria, o que não se acomodava com a idéia comum derivada do vaticínio de Isaías (Is 53,1-8), de que se desconheceria a origem do Messias, excepto a Sua estirpe davídica e o Seu lugar de nascimento, Belém (cfr Mt 2,5 que cita Mich 5,2; cfr Ioh 7,42). Jesus, na realidade, cumpria estas predições proféticas ainda que a maioria dos Judeus não estivessem bem informados, pois desconheciam o Seu nascimento virginal em Belém e a Sua ascendência davídica. Outros, pelo contrário, deviam conhecer melhor a estirpe davídica de Jesus, o Seu nascimento em Belém, etc., mas não queriam aceitar as Suas palavras, porque elas levavam consigo as exigências de uma conversão moral e mental a que se fechavam culpavelmente.

28-29. Jesus refere-Se com certa ironia ao conhecimento superficial que d’Ele têm aqueles judeus, baseado nas aparências: Ele afirma, não obstante, que procede do Pai que O enviou, a Quem só Ele conhece, precisamente por ser o Filho de Deus (cfr Ioh 1,18).

30. Os judeus entenderam que Jesus Se fazia igual a Deus e isto era considerado uma blasfêmia, que segundo a Lei devia ser castigada com a morte por lapidação (cfr Lev 24,15-16.23).

Não é a primeira vez que São João refere a hostilidade dos judeus (cfr Ioh 5,10) nem será a última (cfr Ioh 8,59; 10,31-33). Sublinha esta hostilidade porque assim se deu de facto e quiçá também para pôr em realce a liberdade de Jesus que, cumprindo a Vontade do Pai, Se entregará nas mãos dos Seus inimigos quando chegar a Sua “hora” (cfr Ioh 18,4-8). “O Senhor não faz referência à hora em que seria obrigado a morrer, mas à hora em que Se deixaria matar. Esperava o tempo em que tinha de morrer, como esperou também o tempo em que tinha de nascer” (In Ioann. Evang., 31,5).

Dia 28 de março

Jo 7, 40-53

40Diziam então alguns dentre a multidão, que tinham ouvido estas palavras: Ele é na verdade o Profeta! 41Outros afirmavam: É o Messias! Outros, porém, diziam: Mas é da Galileia que vem o Messias? 42Não disse a Escritura que é da descendência de David e da povoação de Belém, de onde era David, que vem o Messias? 43Estabeleceu-se, pois, desacordo entre a multidão, por causa d’Ele. 44Alguns queriam prendê-Lo, mas ninguém Lhe deitou as mãos. 45Então, os guardas vieram ter com os Sumos Sacerdotes e os Fariseus, que lhes perguntaram: Porque não O trouxestes? 46Responderam os guardas: Nunca ninguém falou como esse homem fala! 47Retorquiram-lhes os Fariseus: Também vós estais seduzidos? 48Porventura creu n’Ele algum dentre os chefes ou dentre os Fariseus? 49Mas essa multidão, que não conhece a Lei, são uns malditos! 50Disse-lhes Nicodemos, aquele que tinha ido anteriormente ter com Jesus e que era um deles: 51Acaso julga a nossa Lei um homem, sem primeiro o ouvir e saber o que ele faz? 52Eles retorquiram-lhe: Também tu és da Galileia? Trata de indagar e hás-de ver que da Galileia não sai nenhum profeta. 53E foi cada qual para sua casa.

Comentário

40-43. O título “o Profeta” alude a Dt 18,18, que prediz a vinda nos últimos tempos de um profeta que todos deveriam escutar (cfr Ioh 1,21; 6,14); por sua vez, “o Cristo” (“o Messias”) era o título mais corrente no Antigo Testamento para designar o futuro Salvador enviado por Deus. O passo mostra uma vez mais a diversidade de opiniões acerca de Jesus. Muitos judeus ignoravam – sem se preocuparem de forma alguma por averiguar a verdade – que tinha nascido em Belém, a cidade de David, onde, segundo Miqueias (5,2) devia nascer o Messias. Tal ignorância culpável constituía neles uma desculpa para não O aceitar como o Cristo. Outros, porém, diante dos milagres de Jesus, compreendem que Ele deve ser o Messias. Também ao longo da história há diversas opiniões acerca de Jesus Cristo: alguns consideram-No exclusivamente como um homem extraordinário, sem quererem compreender que a Sua grandeza Lhe vem precisamente de ser o Filho de Deus.

46. A verdade abriu caminho nos ânimos simples dos servidores do Sinédrio e, pelo contrário, chocou contra a obstinação dos fariseus. “Eis que os fariseus e os escribas não tiraram proveito nem ao contemplarem os milagres nem ao lerem as Escrituras; pelo contrário, os servidores, sem estas ajudas, foram captados por um só discurso, e os que foram prender Jesus voltaram presos pelo Seu poder. E não disseram: não pudemos por causa da gente; mas apregoaram a sabedoria de Cristo. Não é de admirar somente a sua prudência, porque não necessitaram de sinais, mas foram conquistados só pela doutrina; não disseram, com efeito: ‘Jamais homem algum fez tais milagres’, mas: ‘Jamais falou assim homem algum’. É de admirar também a sua convicção: vão aos fariseus, que se opunham a Cristo, e falam-lhes desta maneira” (Hom. sobre S. João, 9).

Dia 29 de março

Jo 12, 20-33

20Havia alguns gregos entre os que tinham subido para fazerem a sua adoração por ocasião da festa. 21Foram eles ter com Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e fízeram-lhe este pedido: Senhor, nós queríamos ver Jesus. 22Filipe vai dize-lo a André, e Filipe e André vão, por sua vez, dize-lo a Jesus. 23 Então, Jesus toma a palavra e diz-lhes: Chegou a hora de ser glorificado o Filho do homem. 24Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica ele só. Mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem tem amor à sua vida perde-a; e quem odeia a sua vida neste mundo conser­vá-la-á para a vida eterna. 26Se alguém está ao Meu serviço, que Me siga; e onde Eu estou, lá estará também o Meu servidor. Se alguém está ao Meu serviço, o Pai há-de honrá-lo. 27Agora a Minha alma está perturbada. E que hei-de dizer: Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora! 28Pai, glorifica o Teu nome. Veio então do Céu uma voz: Glorifiquei-O e tornarei a glorificá-Lo. 29Ora a multidão, que estava presente e ouvira, dizia que tinha havido um trovão. Outros diziam: Foi um Anjo que Lhe falou. 30Jesus tomou a palavra e disse: Não foi por Minha causa que esta voz se fez ouvir, foi por vossa causa. 3IAgora é que é o julgamento deste mundo. Agora é que o Príncipe deste mundo vai ser lançado fora. 32E Eu, uma vez elevado da terra, hei-de atrair todos a Mim. 33Isto dizia Ele para indicar de que morte ia morrer.

Comentário

20-23. Esses «gregos» recorrem precisamente a Filipe, pois, segundo parece, este, que tem nome grego, devia en­tender a sua língua e podia-lhes servir de intérprete. Se isto é assim, estamos diante de um dos momentos transcendentes em que homens de uma cultura não judaica acorrem em busca de Cristo: são como as primícias da expansão da fé cristã no mundo helênico. Assim se compreende melhor a exclamação do Senhor no v. 23, acerca da Sua própria glorificação, que não só consiste em ser exaltado à direita do Pai (cfr Phil 2,6-11), mas também em atrair todos os homens a Si (cfr Ioh 12,32).

Também noutras ocasiões Jesus fala da «hora». Umas vezes refere-Se ao fim dos tempos (cfr Mc 13,32; Ioh 5,25); outras, como aqui, ao momento da Redenção através da Sua Morte e da Sua Glorificação (cfr Mc 14,41; Ioh 2,4; 4,23; 7,30; 8,20; 12,27; 13,1; 17,1).

24-25. Lemos aqui o aparente paradoxo entre a humi­lhação de Cristo e a Sua exaltação. Assim «foi conveniente que se manifestasse a exaltação da Sua glória de tal maneira, que estivesse unida à humildade da Sua paixão» (In Ioann. Evang., 51,8).

É a mesma idéia que ensina São Paulo ao dizer que Cristo Se humilhou e Se fez obediente até à morte e morte de Cruz, e que por isso Deus Pai O exaltou sobre toda a criatura (cfr Phil 2,8-9). Constitui uma lição e um estímulo para o cristão, que há-de ver em todo o sofrimento e contrariedade uma participação na Cruz de Cristo que nos redime e nos exalta. Para ser sobrenaturalmente eficaz, deve cada um morrer para si mesmo, esquecendo-se por completo da sua como­didade e do seu egoísmo. «Se o grão de trigo não morre, permanece infecundo. — Não queres ser grão de trigo, morrer pela mortificação e dar espigas bem gradas? — Que Jesus abençoe o teu trigal!» (Caminho, n.° 199).

26. O Senhor falou do Seu sacrifício como condição para entrar na glória. E o que vale para o Mestre, também se aplica aos Seus discípulos (cfr Mt 10,24; Lc 6,40). Jesus Cristo quer que cada um de nós O sirva. É um mistério dos desígnios divinos que Ele — que é tudo, que tem tudo e não necessita de nada nem de ninguém — queira necessitar do nosso serviço para que a Sua doutrina e a salvação operada por Ele cheguem a todos os homens.

«Seguir Cristo: este é o segredo. Acompanhá-Lo tão de perto, que vivamos com Ele, como os primeiros Doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos: Se não levantarmos obstáculos à graça, não tardaremos a afirmar que nos reves­timos de Nosso Senhor Jesus Cristo (cfr Rom XIII, 14) (…).

«Neste esforço por nos identificarmos com Cristo, costumo falar de quatro degraus: procurá-Lo, encontrá-Lo, conhecê-Lo, amá-Lo. Talvez vos pareça que estais na pri­meira etapa… Procurai-O com fome, procurai-O em vós mesmos com todas as vossas forças! Se o fazeis com este empenho, atrevo-me a garantir que já O encontrastes e que já começastes a conhecê-Lo e a amá-Lo e a ter a vossa conversa nos céus (cfr Phil III, 20)» (Amigos de Deus, n.os 299–300).

27. Diante da evocação da morte que O espera, Jesus Cristo perturba-Se e dirige-Se ao Pai com uma oração muito parecida à de Getsemani (cfr Mt 26,39; Mc 14,36; Lc 22,42). Deste modo o Senhor, enquanto homem, busca filialmente apoio no amor e no poder de Seu Pai Deus, para Se fortalecer e ser fiel à Sua missão. É uma consolação para nós, tantas vezes débeis no momento difícil da provação; então, como Jesus, devemos apoiar-nos na força de Deus, «porque Tu és a minha fortaleza e o meu refúgio» (Ps 31,4).

28. A «glória» na Sagrada Escritura indica a santidade e o poder de Deus: a «glória de Deus» habitava no santuário do deserto e no Templo de Jerusalém (cfr Ex 40,35; l Reg 8,11). A voz do Pai que diz «glorifíquei-O e tornarei a glorificá-Lo» é uma ratificação solene de que em Jesus Cristo habita a plenitude da divindade (cfr Coí 2,9; Ioh l,14)e que, através da Sua Paixão, Morte e Ressurreição, se tornará patente na Sua própria Humanidade santíssima que Jesus é o Filho de Deus (cfr Mc 15,39).

O episódio evoca outras manifestações divinas: o Baptismo de Cristo (cfr Mt 3,13-17 e par.) e a Sua Transfiguração (Mt 17,1-5 e par.), onde Deus Pai também dá testemunho da Divindade de Jesus.

31-33. Jesus indica as conseqüências que se vão seguir da Sua Paixão e Morte. «É o julgamento deste mundo», isto é, dos que permanecerem servindo a Satanás, «príncipe deste mundo». Ainda que «mundo» seja o conjunto de homens que Cristo vem salvar (cfr Ioh 3,16-17), também significa com freqüência tudo o que se opõe a Deus (veja-se a nota a Ioh l, 10), e neste sentido se toma aqui. Ao ser pregado na Cruz, Jesus é o sinal supremo de contradição para todos os homens: os que O reconhecem como Filho de Deus sal­vam-se (cfr Lc 23,39-43); os que O rejeitam condenam-se. Cristo crucificado é a manifestação máxima do amor do Pai (cfr Ioh 3,14-16; Rom 8,32), o sinal posto no alto, prefigurado pela serpente de bronze levantada por Moisés no deserto (cfr Ioh 3,14; Num 21,9).

Assim pois, o Senhor desde a Cruz é o Juiz universal que condenará o mundo (cfr Ioh 3,17) e o demônio (cfr Ioh 16,11); na realidade eles mesmos provocam a sua condenação ao não aceitarem nem crerem no amor divino. O Senhor desde a Cruz atrai todos os homens, pois todos podem contemplá-Lo crucificado.

«Cristo, Senhor Nosso, foi crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre Deus e os homens. Jesus Cristo lembra a todos: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum (Ioh XII, 32), se vós Me puserdes no cume de todas as actividades da Terra, cum­prindo o dever de cada momento, sendo Meu testemunho naquilo que parece grande e naquilo que parece pequeno, omnia traham ad meipsum, tudo atrairei a Mim. O Meu reino entre vós será uma realidade!» (Cristo que passa, n.° 183). Cada cristão seguindo Cristo, há-de ser uma bandeira has­teada, uma luz colocada no candeeiro: bem unido pela oração e mortificação à Cruz, em cada momento e circuns­tância da vida, há-de manifestar aos homens o amor salvador de Deus Pai.

«Cristo, com a Sua Encarnação, com a Sua vida de trabalho em Nazaré, com a Sua pregação e os Seus milagres por terras da Judeia e da Galileia, com a Sua morte na Cruz, com a Sua Ressurreição, é o centro da Criação. Primogênito e Senhor de toda a criatura.

«A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras. O Senhor quer os Seus em todas as encruzilhadas da Terra. A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe. Encomenda a outros o ministério sacerdotal. A grande maioria, o Senhor quere-a no mundo, no meio das ocupações terrenas. Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da monta­nha» (Cristo que passa, n.° 105).

32. «Hei-de atrair todos a Mim»: A Vulgata Latina, se­guindo importantes manuscritos gregos, traduz omnia, «tudo», «todas as coisas». A Neo-vulgata, apoiando-se noutros manus­critos também importantes e mais numerosos que os ante­riores, optou por omnes, «todos». As razões para escolher uma ou outra variante não são definitivas; mais ainda, teologicamente ambas são certas e não se excluem, pois Cristo atrai para Si toda a criação, mas especialmente o homem (cfr Rom 8,18-23).

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